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Os possíveis companheiros de viagem do meu bisavô |
Aproveitei este período de confinamento para terminar a catalogação do segundo álbum de fotografias em formato carte-de-visite da família Montalvão. O primeiro álbum é mais antigo, certamente compilado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e este segundo terá sido formado pelo filho, José Maria Ferreira Montalvão (19-05-1878/24-5-1965) Embora contenha também fotografias antigas das décadas de 60 a 80 do século XIX, a maioria das 85 fotografias são constituídas por condiscípulos de Coimbra do meu bisavô e estão datadas mais ou menos entre 1900 e 1902. Desses colegas, que eram jovens promissores no início do século XX, o grosso dele estudaram Direito, tal como o meu bisavô, mas há também uns quantos de Teologia e um de Matemática. Praticamente todas essas fotografias dos tempos de Coimbra, contem sempre uma dedicatória afectuosa ao meu bisavô, que a ele o tocaram muito e a mim deram-me um jeito doido para identificar os personagens.
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José Maria Ferreira Montalvão |
Enquanto, procedia ao trabalho de transcrição das assinaturas, com a preciosa ajuda do motor de busca do
arquivo da Universidade de Coimbra, que tem os processos dos alunos inventariados praticamente desde que a Universidade é Universidade, recordei-me de algumas histórias que o meu pai contava para nos distrair, durante as longas viagens que fazíamos de automóvel de Lisboa a Chaves ou Vinhais, na década de 70 do século XX. Na minha meninice e adolescência existiriam pouco mais de 50 km de auto-estradas em Portugal e percorrer aqueles 500 km até Trás-os-Montes era um verdadeiro suplício. Tenho a vaga ideia que no Natal demorávamos 12 horas para chegar ao nosso destino. Uma das histórias que inevitavelmente o meu pai contava, era que o seu avô empreendia aquela viagem a cavalo em direcção a Coimbra. Saia de Chaves e pelo caminho encontrava outros condiscípulos também a cavalo e iam formando uma coluna, que engrossava à medida que se aproximavam de Vila Real e estaria já completa na Régua, onde existia uma estação de caminho-de-ferro desde 1879, que assegurava uma ligação de Comboio até ao Porto.
Lembrei-me então de juntar todos os condiscípulos transmontanos do meu bisavô presentes neste álbum e fazer uma reconstituição possível dos seus companheiros de viagem a cavalo, entre Chaves e a Régua, percurso esse, que certamente demoraria muito mais do que um dia e implicando que pernoitassem pelo caminho em estalagens, albergues ou casas de famílias conhecidas.
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Manuel Augusto Granjo. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra |
Talvez o primeiro companheiro, que encontrasse logo em Chaves, fosse o
Manuel Augusto Granjo, irmão do célebre António Granjo, figura emblemática da República Portuguesa. O Manuel Augusto Granjo fez o curso de Direito, entre 1893-1898, um pouco mais cedo que o meu bisavô, mas o meu antepassado estava a estudar em Coimbra desde 1885, fazendo nessa cidade o que é hoje o ensino secundário e posteriormente, o Superior. Portanto é muito plausível que tivessem sido muitas vezes companheiros de jornada.
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António José do Carmo Rodrigues Sarmento |
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Dedicatória de António José do Carmo Rodrigues Sarmento ao meu bisavô |
Logo nem Valpaços, encontrariam o António José do Carmo Rodrigues Sarmento, um jovem distinto e bonito, natural de Santa Valha e cuja família detinha o Morgadio de Santo António dos Aciprestes. Era ainda aparentado com meu bisavô. Ambos descendiam de dois casamentos ocorridos entre as duas famílias, ainda no século XVII, quando O 2º Morgado de Vila Frade, Francisco de Montalvão Coelho (1675-1739) e a irmã Maria de Coelho de Montalvão (1666) casaram "a troco" com a Luzia Morais de Castro e o irmão, o 3º Morgado dos Aciprestes, Francisco de Morais Castro. Talvez os dois não conhecesse precisamente as raízes desse parentesco, mas eram do mesmo meio e sabiam que todas estas famílias da mesma região eram aparentadas.
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Augusto Pinto Pimentel Furtado.Fotografia de Pinho Henriques, Coimbra |
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Dedicatória de Augusto Pinto Pimentel Furtado, datada de 1900 |
Depois, já em Vila Real, juntar-se-iam ao grupo, o Augusto Pinto Pimentel Furtado, que já vinha de Favaios, Concelho de Alijo, o Agostinho José da Costa Lobo, de uma conhecida família daquela cidade e ainda um jovem, com um ar de poeta romântico, cuja fotografia não tem dedicatória ou identificação, mas que se fez fotografar por António Augusto Alves Teixeira (1877-1918) o fundador da
Photografia Vila-realense.
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Agostinho José da Costa Lobo de Vila Real. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra
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Dedicatória de Agostinho José da Costa Lobo
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Este jovem com ar de poeta romântico talvez fosse um dos compagnons de route do meu bisavô. Fotografia de A. Teixeira (António Augusto Alves Teixeira) da Photografia Vila-realense |
Finalmente na Régua, este grupo de jovens encontraria talvez o António de Sampaio Chaves, vindo de Parambos, Carrazeda de Ansiães, quem sabe se de barco, pois na época as ligações fluviais através do rio Douro, ainda estavam muito activas.
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António de Sampaio Chaves, de Carrazeda de Ansiães. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra |
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Dedicatória de António de Sampaio Chaves |
Na Régua, este grupo de sete jovens, partiria de comboio até ao Porto, onde dormiriam e na manhã seguinte apanhariam um outro Comboio até Coimbra. Imagino eu que toda esta viagem duraria uns cinco dias. Aliás, segundo o meu pai, o meu bisavô só a faria duas vezes por ano, no início e no final das férias de Verão.
Como dizem os franceses estes
compagnons de route desenvolveriam nesses dias uma intensa camaradagem e provavelmente experimentariam peripécias e aventuras engraçadíssimas, como sempre acontece quando se viaja e se é jovem. O meu bisavô estudou em Coimbra 17 anos, entre 1885 e 1902 e tinha umas recordações estupendas daquela cidade e da camaradagem que ali se vivia. O estado de conservação do seu álbum está aqui ao meu lado para prova-lo. Foi manuseado e folheado, vezes sem conta, a lombada descolou-se e as folhas de papel onde se encaixam as fotografias rasgaram-se de tantas vezes as tiraram. O meu pai conta que quando o meu bisavô viajou para Coimbra na década de 50 e viu as destruições e terraplanagens da Alta de Coimbra, a parte mais antiga da cidade, chorou amargamente, pois grande parte do cenário da sua juventude havia desaparecido para sempre, para dar lugar aos blocos da nova Cidade Universitária. Para José Maria Ferreira Montalvão, a hora da despedida definitiva de Coimbra foi amarga e sem encanto.
Nota final: com excepção da última imagem, todas estas fotografias são do arquivo da família Ferreira Montalvão e terei muito gosto em fornecer cópias digitais aos descendentes das personagens aqui retratadas.