Esta imagem de um velho relógio, que estava na sala da casa de Chaves dos meus avôs paternos representa bem o espírito deste blog e é muito adequada para assinalar o seu 13º aniversário.
Um relógio simboliza a passagem do tempo, aquele fenómeno, que transforma os vulgares objectos do quotidiano em velharias ou antiguidades e que, por outro lado apaga progressivamente as memórias das gerações que nos antecederam. Mas um relógio representa igualmente o futuro e tudo aquilo, que poderemos ainda fazer e realizar na nossa vida.
O meu avô paterno gostava muito de relógios. Era um homem pontual e profundamente rotineiro, que todos os dias fazias as mesmas coisas, tomava café, lia o jornal na Sociedade de Chaves, jantava e almoçava sempre às mesmas horas. Creio que era um pouco como o filósofo Emannuel Kant, do qual se dizia, que os habitantes de Konisberga podiam acertar um relógio quando o viam passar pela rua. Individualidades com este temperamento precisam de viver com relógios.
Eu herdei o lado mais distraído da família da minha mãe, uma gente cujas distrações podiam chegar atingir proporções catastróficas, perdiam tudo e esqueciam-se de tudo. Para combater e regular essa hereditariedade, vivo tal como o meu pai e o meu avô paterno, segundo rotinas e rituais. De outra forma saio de casa, e deixo a chave na fechadura ou quando vou pagar uma compra, esqueço-me do cartão de multibanco na loja.
Talvez por esta razão, quando o meu pai morreu escolhi para mim este relógio, que simboliza temperamento do meu pai e do meu avô. Embora não apresente nenhuma marca de fabrico, julgo que será seguramente uma peça francesa da segunda metade do século XIX, o chamado horloge comtoise, com o mostruário esmaltado integrado numa estrutura de latão doirado, formando uma única peça. Estes relógios eram fabricados industrialmente na região do Franche-Comté, isto é, no Franco Condado, daí a designação horloges comtoises e foram muito populares em França nessa época e exportados para o mundo inteiro.
A caixa contendo o movimento |
O movimento ou mecanismo do relógio |
Normalmente consistiam numa simples caixa de metal contendo o movimento do relógio, à qual era aplicada uma chapa de latão com o mostruário e a moldura decorativa e esta ultima característica, é que os distingue dos relógios do período anterior, 1815-1840, em que o mostruário e a moldura decorativa eram peças distintas. Em França, o assunto está bem estudado e até possível datar este exemplar, como tendo sido fabricado entre 1840 e 1913, segundo informações da página Quai-des-horloges.
A datação dos relógios, segundo o site https://quai-des-horloges.com/blogs/infos/comment-dater-une-horloge-comtoise |
Se fizermos uma pesquisa no no Google pela expressão Horloge comtoise xixe siècle estampée en laiton e aparecem-nos à venda dezenas de relógios deste tipo. Encontrei um igual à venda e-bay, mas só com a frente, uma chapa com o mostruário integrado num decorativo latão doirado, destinada a ser aplicada sobre a caixa contendo o movimento ou mecanismo do relógio. A peça do E-bay está marcada Paintin-le-conte, à Chateau Giron, na Bretanha, mas essa inscrição reporta-se à casa, que revendia peças produzidas pelas fábricas do Franco-Condado. Aliás, aparecem relógios comtoises com inscrições de casas comerciais de todas as regiões de França.
Relógio encontrado à venda no e-bay |
Estes relógios eram destinados a ser postos numa parede e nas mais das vezes numa estrutura comprida de madeira, os chamados relógios de caixa alta, como são conhecidos em português. Este relógio que pertenceu aos meus avós estava também numa caixa, mas que não era de época. Era uma peça inspirada no século XVII, estilo que os meus avós adoravam, em madeira de castanho escurecida a sugerir pau-santo e decorada a ferragens douradas. A caixa foi provavelmente encomendada a um marceneiro em Braga nos anos 30 ou 40 do século XX para colocar este relógio, que os meus avôs compraram em segunda mão ou herdaram.
Transporte da caixa do relógio no dorso do meu fiel Rocinante |
Quando o meu pai desfez a casa dos meus avôs em Chaves, trouxe o mecanismo para Lisboa e mandou transportar a caixa do relógio para Vinhais onde esteve décadas, esquecida num quarto. Esta Primavera fui a Vinhais com o meu amigo Manuel e transportamos a caixa do relógio até ao Alentejo, onde o Manel a restaurou.
Agora, estou só à espera de comprar um apartamento maior para voltar a juntar o mecanismo do relógio e a sua caixa e de alguma forma reconstituir o ambiente da casa de Chaves, tendo perto de mim alguma coisa do espírito pontual do meu avô Silvino.
Todos os seguidores deste blog, estão pois convidados para o próximo aniversário do blog e talvez para o ano já possam ver a imagem do relógio na sua caixa.
Alguns ligações consultadas:
https://www.meubliz.com/reconnaitre_une_horloge_de_parquet/
https://quai-des-horloges.com/blogs/infos/comment-dater-une-horloge-comtoise