sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Castanheiros de Vinhais: um pouco da eternidade


Por todo o Concelho de Vinhais, distrito de Bragança, abundam castanheiros, enormes, muitíssimos deles mais do que centenários. Não é preciso procurar muito para os encontrar. Os castanheiros rodeiam inevitavelmente as povoações da terra fria transmontana e basta parar o automóvel à entrada e à saída de umas dessas terras para encontrar estas árvores, plantadas por gente, que viveu há trezentos ou quatrocentos anos e que não estava preocupada apenas com o momento presente. Quem as plantou sabia que estava a garantir não só o sustento dos filhos, mas também o alimento de gerações e gerações de vindouros.   

Estas árvores centenárias, que alimentaram com o seu fruto centenas ou milhares de pessoas, que viveram, morreram e estão enterradas nestas terras frias de Vinhais, fazem-nos sempre pensar que a vida humana está muito mais no passado do que no presente. O presente é sempre um momento curto, mesmo, quando a sua plenitude o faz parecer eterno.


Enfim, a frase não é minha, é da Yourcenar, dita numa entrevista a Matthieu Galley, publicada em 2011, pela Relógio de Água, com o título De olhos abertos, mas traduz muito bem os sentimentos despertados por árvores, que viram nascer 12, 20 ou 25 gerações e ainda nos continuam a alimentar neste presente, que se desfaz a cada instante.
 
 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A alegria da cor: chávena de faiança



Normalmente, os meus escritos aqui no blog andam desencontrados das épocas do ano, das comemorações e festas religiosas. Já não me recordo bem, mas julgo que no dia 5 de Outubro, já mostrei estampas com os reis de Portugal, no 25 de Abril, registos de Santinhos e fotografias melancólicas, a preto e branco, de gente que morreu há muito, em plena época estival.

Mas hoje apeteceu-me celebrar o Verão, apresentando uma chávena de faiança pintada com cores alegres e vivas, que nos fazem pensar apenas no prazer de gozar os momentos fugazes das férias e esquecer tudo aquilo, que o Governo prepara para nós quando regressarmos ao trabalho.

Sei muito pouco sobre ela. A sua forma e a pega evocam as produções da porcelana europeia e da faiança fina inglesa no século XIX. A pintura também é muito cuidada. Já não se trata de uma peça marcadamente popular. Talvez por isso, cheguei a pensar que não fosse portuguesa, mas alguma peça de faiança mais barata inglesa, francesa ou mesmo espanhola.

Colecção António Capucho, parte IV. Lisboa: palácio do Correio Velho, 2005
Contudo, a persistência obtém sempre o seu fruto e andei a folhear uns quantos catálogos de faiança inglesa, francesa e portuguesa e acabei por encontrar no catálogo do leilão da Colecção António Capucho, parte IV. Lisboa: palácio do Correio Velho, 2005, uma xícara igualzinha à minha, só que com o respectivo pires. Está atribuída a Gaia, o que é muito vago, mas já me permite situa-la como um fabrico português. Também procurei na net e a única coisa que encontrei com algumas parecenças, foi uma chávena do Museu Alberto Sampaio, de Guimarães, que a nossa Maria Andrade, já tinha mostrado no seu blog e que julgo estar também atribuída a alguma fábrica, de Gaia ou do Porto.

Coloquei a chávena nova junto à minha terrina, que nunca sei se é de Bandeira ou Fervença e juntas ficam muito bem. Formam um conjunto, que evoca um passeio de barco no Douro, em pleno Verão, em que podemos admirar ao mesmo tempo o casario antigo de Gaia e do Porto.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um concerto ou uma volta virtual pelas bibliotecas e museus do mundo


Recentemente, na Feira de Estremoz, o Manel e eu vimos uma pequena estampa muito engraçada, certamente do século XVIII, com um preço muito simpático. O Manel perguntou-me se eu ainda tinha espaço para ela em casa, pois poder-me-ia oferece-la como prenda de anos. E eu como não tenho juízo nenhum, aceitei-a e lá tenho mais uma estampa para pôr na parede em casa, não sei exactamente aonde. Julgo que com a idade, desenvolvi uma agorafobia, isto é, o horror aos espaços vazios. Não suporto ver 10 cm de parede sem nada pendurado. 



Esta estampa representando um concerto familiar ou de amigos tem a legenda cortada em baixo, como o Manuel, bem me chamou a atenção. Contudo as inscrições relativas aos nomes do artista e gravador, Guerards Pinxit e G. Texier Sculp escaparam à tesoura assassina de algum antigo proprietário desta estampa e permitiram-me ir para o google pesquisar por estes termos. Em poucos segundos descobri no site da Biblioteca do Congresso, em Washinton, uma gravura igualzinha à minha, só que inteira, com a legenda intacta, onde se podia ler Tiré du Cabinet de Mr. le Brun. / D'après le Tableau Original de Guerards de la Grandeur de 10 pouces sur 12 de large.
o exemplar da Library of Congress
No registo da Biblioteca do Congresso, estava também identificada a obra. Trata-se do concerto, uma estampa feita a partir de uma obra do pintor holandês Gerard Pietersz van Zyl (1607-1665) e gravada pelo francês G. Textier (ca. 1750-1824), que foi um discípulo de Jacques-Philippe Le Bas, de quem já apresentei aqui uma estampa, em 24 de Março de 2011. Entre os nomes relacionados da ficha catalográfica, remetiam ainda para um senhor Le Brun, Jean-Baptiste-Pierre, 1748-1813


Em seguida fiz mais umas pesquisas e voltei a encontrar a mesma estampa no British Museum, só que com mais elementos adicionais. Além da identificação do gravador e artista, que já tinha encontrado na Biblioteca do Congresso, a ficha de inventário do Museu Britânico remetia-me para o nome daquilo que me pareceu de imediato o título do livro de onde tinha sido recortada a estampa Galerie des peintres flamands, hollandais et allemands de Le Brun.
Madame Vigée-Le Brun pintada por ela própria. O expoente máximo de um estilo destinado a seduzir.

Somei dois mais dois e percebi que este Monsieur Le Brun era nada menos, nada mais do que o marido da famosa artista francesa Madame Vigée-Le Brun (1755-1842), que foi pintora oficial da corte de Luís XVI e nos deixou toda uma colecção de retratos encantadores, que representam em si, o melhor do chamado estilo Luís XVI, em que as artes, sejam elas a pintura ou o mobiliário ou a moda pretendem antes de tudo seduzir. Ficaram célebres os retratos que realizou de Maria Antonieta e dos seus filhos, mas pintou também a grande aristocracia francesa e europeia.
Retrato da Baronesa de Crussol, por Madame Madame Vigée-Le Brun Toulouse, musée des Augustins

Este Jean-Baptiste-Pierre Le Brun (1748-1813) era um pintor medíocre, ao contrário da sua mulher. Também não era bom marido, bebia, jogava e não podia ver um rabo de saia, mas Monsieur Le Brun tinha um bom gosto extraordinário, era um marchánd de arte conhecido e formou na sua casa uma belíssima colecção de pintura.


Parti então para a Biblioteca Nacional de França em busca do título Galerie des peintres flamands, hollandais et allemands de Le Brun, para verificar se objectivamente esta minha estampa fez realmente parte da dita obra. Depois de algumas recherches, acabei por ir ter ao gallica.bnf.fr, o portal digital da Bibliothèque nationale de France e lá encontrei o referido livro, Galerie des peintres flamands, hollandais et allemands, ouvrage enrichi de deux cent une planches gravées d'après les meilleurs tableaux de ces maîtres, par les plus habiles artistes de France, de Hollande et d'Allemagne…, que foi editado em 1792. A minha estampa fez parte do volume I e portanto pode ser datada seguramente de 1792.

 
A folha de rosto do livro de onde a minha estampa foi retirada
Em suma, o Monsieu Le Brun, ou talvez alguém que quisesse vender as obras, pois em 1792, já tinha estalado a Revolução Francesa, mandou publicar um catálogo da sua valiosa colecção e esta minha estampa fazia parte desse livro.

Uma obra de Gerard Pietersz van Zyl. Os concertos privados e as lições de música eram temas recorrentes da sua obra

Continuei as minhas pesquisas, agora para tentar saber um pouco mais sobre o pintor, o tal Gerard Pietersz van Zyl e sobretudo para conhecer o paradeiro do quadro que deu origem à gravura. segundo li na Biblioteca do Congresso, num artigo mais extenso que entretanto encontrei, Gerard Pietersz van Zyl foi um pintor holandês do XVII, o chamado século de ouro da Holanda, bastante famoso na sua época e cujas obras na altura atingiam preços muito mais altos que as dos seus colegas Vermeer e Rembrandt. Caído hoje no esquecimento, os seus quadros são muito característicos e normalmente representam pequenos grupos em volta de instrumentos musicais. Quanto ao original, que serviu de modelo à obra não o consegui localizar, mas eu também não sou conservador de museu ou investigador e com tantos conflitos na Europa desde 1792, muitas obras se perderam para sempre.

A minha estampa já com a nova moldura