Ana da Conceição de Morais Alves (1881-1974), minha bisavó Aninhas. |
Prossigo com o trabalho de inventariação do espólio familiar e aos poucos vou descobrindo através das cartas e fotografias o quotidiano e a vida de um dos ramos, os Alves, uma família burguesa do bairro da Madalena, em Chaves, do qual sabia muito pouco.
Encontrei esta fotografia deliciosa da minha bisavó Aninhas, que era Alves de solteira e que casou em 1903, com o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão. Mas este retrato, tirado no Emílio Biel do Porto, é anterior a essa data. Parece-me muito novinha aqui, teria talvez uns 16 anos e se ela nasceu a 28 de Maio de 1881, talvez esta fotografia tenha sido feita por volta de 1897.
O cartãozinho estampado com uma paisagem e umas flores em relevo. Este material esteve muito em voga nos finais do século XIX e inícios do século XX |
Aliás, encontrei duas cartas do irmão, mais novo, o Luís da Conceição Alves (1884-1939), datadas de 28 de Maio, uma de 1900 e outra de 1901, a felicita-la pelo seu aniversário. São cartas muito extensas, este meu tio bisavô era daqueles que escrevia muito e dizia pouco, mas tão afectuosas. Na carta de 1900, tem até a ternura de colocar lá dentro um cartãozinho estampado com uma paisagem e umas flores em relevo. Quando abri a carta, escrita há mais de 120 anos e me caiu o cartãozinho colorido, confesso que até me comovi. Nesta época, o Luís da Conceição teria 16/17 anos e estava a estudar no Colégio de Nossa Senhora do Rosário, em Vila Real, que devia ser uma instituição destinada a rapazes abastados, pois até tinha o seu próprio papel timbrado. Este Colégio tinha sido fundado em 1892 e foi mais tarde, em 1914, transformado em Hospital.
Timbre do Colégio de Nossa Senhora do Rosário, em Vila Real |
Também do dia 28 de Maio encontrei um bilhete, artisticamente recortado, que em tempos esteve colado a umas prendas, escrito com a letra da sua irmã, a Marica.
Extremosíssima Aninhas
Mais uma vez vimos parabentear-te pelo teu aniversário natalício, desejamos-te neste dia as maiores felicidades em companhia do teu esposo e filhos.
Oferecemos-te estas insignificantes prendas com prova de gratidão e eterna amizade.
Brindamos-te pois aos teus anos e abraçamos-te efusivamente.
Francisco Luís Alves
Antónia dos Anjos Morais Alves
Maria da Conceição Alves
O bilhetinho não tem data, mas pelas pessoas referidas, terá sido escrito entre 1905 e 1913. No texto, os filhos são mencionados no plural, os dois primeiros nasceram em 1904 e 1905 e a Antónia dos Anjos Morais Alves, mãe da aninhas e minha trisavó estava ainda viva (faleceu a 1-10-1913) Além, dela, assinou ainda o meu trisavô, Francisco Luís Alves (….- 1916) e a Marica, isto é, a Maria da Conceição Alves (1876-1856).
Fiquei a pensar que insignificantes prendas seriam estas, às quais este bilhetinho esteve agarrado. A minha bisavó, Aninhas, gostava de se arranjar e enfeitar. Talvez tivesse sido uma blusa de seda, um corte de cetim, braceletes, uns brincos, uma pregadeira ou um colar. Recordo-me da minha avó Mimi contar que a mãe, embora tivesse muitas coisas boas, pérolas e ouros, preferia de longe as jóias de fantasia, expressão usada então para designar a bijuteria. A avó Mimi contava-nos isto até com alguma reprovação, porque ela ao contrário da mãe, tinha poucas jóias, mas quando as usava, eram boas e verdadeiras.
A pregadeira usada pela Aninhas |
Curiosamente, no retrato, apresentado logo no início, a minha bisavó, Aninhas usou uma pregadeira, composta por uma placazinha, com a palavra francesa souvenir recortada e dois berloques pendentes. Talvez seja precisamente uma dessas jóias de fantasia, que alguém lhe trouxe de prenda de França ou até mais provavelmente comprada na Póvoa de Varzim, onde estas famílias do Norte iam a Banhos nos meses de Setembro e Outubro e adquiriam lembranças, ou como dizia na altura souvenirs. Quem sabe ainda se a pregadeira não lhe foi oferecida num dia 28 de Maio qualquer.
Reconheço que estes assuntos são corriqueiros, mas ao mesmo tempo levantam interrogações. A tia Marica tinha uma bonita caligrafia, cursiva e rápida. Percebe-se que foi ensinada por uma boa mestra. Noutras cartas que já li dela, o seu português é bastante razoável. Contudo, ainda não encontrei nenhuma carta sobre como decorreu a educação destas manas Morais Alves, que também sabiam música e tocavam bandolim e violino. Teriam sido educadas em casa, por uma professora particular ou frequentaram um colégio de freiras?
Em todo o caso, escreviam muito melhor, que a minha trisavó, a Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902), de uma família fidalga, mas de uma geração anterior. Esta minha antepassada não fazia pura e simplesmente pontuação e as suas cartas são difíceis de ler. Talvez a educação feminina tenha melhorado um pouco no último quartel do século XIX nestas terras transmontanas.
Já ninguém da família se deve recordar, que o dia 28 de Maio era o aniversário da avozinha, mas estas cartas trouxeram-me um pouco à memória essa figura que ainda conheci.