Vinhais por Alfredo de Andrade |
Não tenho bem uma terra. Nasci em Timor e fui criado em Lisboa num bairro incaracterístico. A sensação de ter uma terra, de pertença a qualquer lugar recebi-a dos meus pais. Chaves e Outeiro Seco são dois sítios cheios de carga histórica para minha família, mas afectivamente estou mais ligado às paisagens de Vinhais, a terra das férias maravilhosas na infância, aquelas montanhas desertas, onde já se anuncia o Norte da Europa.
Foi em virtude dessa afeição aquela vila transmontana, que, noutro dia, ao desfolhar o belíssimo álbum de desenhos de um arquitecto, que eu desconhecia inteiramente, Alfredo de Andrade, descobri encantado dois desenhos sobre Vinhais, executados em 1880.
As duas imagens são um testemunho histórico comovente, pois todo o casco histórico da vila, a partir das últimas décadas do século XX foi alterado, estragado e demolido e em seu lugar ergueram casas novas, que poderiam estar perfeitamente na Brandoa, um bairro construído clandestinamente às portas de Lisboa nos 60 e 70.
Nestes desenhos encontramos o velho burgo medieval, construído em xisto, as casas com grandes varandas em madeira de castanho e a Igreja e a Torre do Castelo a dominarem o conjunto, que apresenta um ar aconchegado, para proteger a população dos frios e do inimigo espanhol, que está a uns poucos quilómetros dali. Vinhais defendia a estrada entre Chaves e Bragança e durante a Guerra da Restauração (1640-1668) a vila foi cercada pelos espanhóis, comandados por um tal general Pantoja, um homem ferocíssimo, a julgar pelos documentos da época, que pilhou e queimou tudo o que estava fora das muralhas.
O autor dos desenhos, Alfredo de Andrade (1839-1915), fez quase toda a sua vida em Itália. Estudou arquitectura e artes e fez carreira naquele país, chegando a Superintendente dos Monumentos do Piemonte, Liguria e Pavia. Nesta função projectou e organizou o restauro de vilas, palácios e castelos e entre 1882-1884 foi responsável pela concepção e execução do borgo medioevale del Valentino, uma espécie de pastiche de uma aldeia histórica do Piemonte, destinada a uma daquelas grandes exposições internacionais que o século XIX tanto apreciou.
Alfredo de Andrade era pois um homem que gostava de história, edifícios antigos e andava por todo o lado acompanhado de um estojo de desenho, para captar qualquer pormenor arquitectónico ou paisagem que o encantasse. Foi por isso sensível à beleza que o burgo medieval de Vinhais apresentava em 1880, numa viajem que fez ao norte de Portugal. Ele que estava habituado às obras primas da arquitectura italiana, encantou-se com a pequena e esquecida vila de Vinhais.
Vinhais por Alfredo de Andrade |
Estes desenhos servem-me como imagens afectivas, que me transportam para um passado que já não existe. Mas, também publico-as aqui, porque tenho talvez a ingénua esperança, de que um dia reapareçam arquitectos no espírito de Raul Lino e num futuro próximo voltem a construir casas tradicionais em Vinhais e na Terra Fria do Nordeste.
Os desenhos deste artista radicado em Itália, foram reunidos e publicados pelo filho, Rui Andrade, num álbum, intitulado Arquitectura de Alfredo de Andrade, em 1961 e do qual só infelizmente só tive acesso ao primeiro volume.