Recentemente, andei a tratar de compilar elementos sobre o solar dos Montalvões, para que este constasse na base de dados sobre património arquitectónico,
monumentos.pt. Quando enviei os dados sobre o brasão que está na casa, uma das técnicas, que faz a gestão da base chamou-me a atenção para o facto de que estava errada a leitura tradicional da pedra de armas, que afirmava que de um lado estavam representados os
ferreira e do outro lado os
álvares. Se com efeito, no lado direito, estão as riscas horizontais dos
ferreiras (eu ainda sou Ferreira Montalvão), do lado esquerdo encontram-se oito besantes, com aquilo que parecem ser cruzes de Cristo e de que afinal não sabemos que a família pertencem.
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Os Ferreira de um lado com as 4 tiras horizontais e do outro lado 8 besantes ou escudetes com cruzes de Cristo, armas família não consigo identificar. |
Consultei alguns manuais de heráldica e as armas mais parecidas com aqueles oito escudetes ou besantes correspondem a nomes que nunca cruzaram os seus destinos com os da família Montalvão. Segundo o livro de genealogia Os Montalvões, escrita por J. T. Montalvão Machado, em 1948, os membros desta família casaram ao longo dos séculos XVII e XVIII com Morais, Morais Sarmento, Campilhos, Castros, Coelhos, ou os Álvares Ferreira.
Face a este mistério e muito embora uma boa parte do chamado cartório da nobreza tivesse ardido com o terramoto, resolvi partir à consulta das fontes, na esperança de encontrar qualquer referência, ainda que indirecta a pedras de armas da família, que me permitisse resolver este mistério.
Como hoje em dia a maioria dos arquivos, tem os seus fundos inventariados on-line, comecei por pesquisar na Torre do Tombo, por Montalvão, tendo o cuidado de pôr de parte tudo o que disse-se respeito aos marqueses de Montalvão, que são da família Mascarenhas, à vila de Montalvão, no Alentejo, ou a documentação dos séculos XIX e XX, já que o brasão parece-me coisa do Século XVIII e de facto encontrei alguns resultados pertinentes no registo geral das Mercês.
No livro 13, fólio 31, nas Mercês de D. Pedro, encontrei uma referência ao meu nono avô, Francisco Fernandes Montalvão, um senhor do qual não sabia mais nada, além de que que viveu entre 1635 e 1715 e era filho do primeiro Montalvão, que se instalou em Portugal, vindo da vizinha Galiza, um Joseph Montalban. Sempre imaginei que este Francisco Fernandes Montalvão fosse um proprietário rural, abastado, com uma existência banal e pacata, dedicando os seus tempos à criação de vacas, ora contando os alqueires de centeio ou ainda correndo atrás das criadas. Com efeito, pela leitura do documento, acabo por perceber que este homem foi um combatente das guerras da restauração, que percorreu todos os teatros de operações do conflito luso-espanhol, do Minho ao Alentejo e de Trás-os-Montes à Beira. Teve uma vida cheia de aventuras e ter-se-à portado com heroísmo nestes combates, de outra forma o Rei D. Pedro não lhe teria concedido uma pensão em dinheiro e o hábito da Ordem de Cristo, ao seu filho Francisco de Montalvão Coelho, meu oitavo avô.
O meu nono avô era capitão da ordenança do lugar da Vila de Frades, aldeia do Concelho de Chaves, junto à fronteira e entre 1660 e 1695 governou uma companhia em Mairos, outra aldeia a Norte de Chaves, também junto à fronteira espanhola. Muito embora o vale de Chaves, tenha sido uma das entradas tradicionais dos exércitos invasores de Portugal (a segunda invasão francesa passou a fronteira pelo vale de Chaves) o principal teatro de operações das Guerras da Restauração foi o Alentejo. Assim a Beira, Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho tinham exércitos provinciais mais reduzidos do que o Alentejo e esses contingentes eram deslocados muitas vezes para socorrer uma província ou outra, sobretudo a fronteira Alentejana, onde os combates eram quase sempre duríssimos. Em suma, o meu antepassado fez parte desses contingentes móveis, que foram sendo destacados do Norte a Sul do País, cada vez que o inimigo exercia pressão sobre um ponto qualquer de uma fronteira, que se estendia por mais de 1200 km
Assim, no ano de 1663 o meu nono Avô, Francisco Fernandes Montalvão, saiu de Trás-os-Montes e marchou para a ribeira do Caia, a Norte de Elvas onde se tinha desencadeado uma ofensiva inimiga terrível. Os espanhóis, romperam as linhas de Elvas, tomaram Évora e chegaram até Alcácer do Sal. Esta expedição só terminou com a sua derrota espanhola na Batalha do Ameixial.
Porem, o meu avô, não parou por aí. Nesse mesmo ano regressou a Trás-os-Montes e participou na campanha de Vilarelho na entrada que fez em Galliza, sem dúvida umas muitas incursões portuguesas ordenadas pelo Conde de S. João, governador das armas da província de Trás-os-Montes, que consistiam na pilhagem e saque das terras galegas na fronteira. Ainda em 1663, o meu antepassado passou à Beira na defença de hum comboy de mantimentos que hia pera o nosso exercito em que derrotou o inimigo com morte de 4 capitães de cavallos , muitos officiais e mays de 250 soldados"
Em 1664, Francisco Fernandes Montalvão foi destacado para o Minho onde foi um dos muitos homens que ajudou a recuperar o castelo de Lindoso, terra minhota tomada pelos Espanhóis em 1662, sob o comando do General Pantoja. Ainda em 1664, o meu avô marchou em socorro do Alentejo onde "se achou no Rendimento de Alcântara", praça forte na Estremadura espanhola, que os portugueses conquistaram.
Em 1665, o meu antepassado atravessou novamente o País inteiro em direcção ao Minho e juntamente com outros portugueses, atravessam o rio que divide Portugal e Espanha e conquistaram vila galega de La Guardia, que se tornou portuguesa por três anos. E no mesmo anno passar a Alentejo e assistir na batalha de Monte Claros masandose he nella o cavallo em que o hia montado e sahio ferido. Portanto, o meu antepassado, combateu e foi ferido numa das maiores batalhas de sempre da história portuguesa, Montes Claros, a 17 de Julho de 1665, acontecimento que pôs um fim definitivo às pretensões espanholas sobre Portugal, aliás três anos mais tarde Portugal e Espanha selaram uma paz definitiva.
Voltou ainda para Trás-os-Montes, onde se achou no encontro que houve com 5 tropas de cavallos inimigas que foram postas em fugida com morte de muitos e outros prezioneiros.
Foram estes os principais feitos deste meu antepassado narrados no fólio 31, livro 13 das Mercês de D. Pedro, que combateu no último período das guerras da Restauração e que foi também o mais encarniçado e violento, já que a partir de 1659, depois de debelada a insurreição da Catalunha, os espanhóis ficaram com as mãos livres para atacar Portugal. O percurso de Francisco Fernandes Montalvão de Norte a Sul do País, constitui também um bom exemplo das características militares da restauração, que foi sobretudo uma guerra de posições, intercalada com uma outra ofensiva espanhola. Normalmente, a coisa passava-se da seguinte forma, os espanhóis iam pôr cerco a Elvas e os portugueses ripostavam, tomando Valência de Alcântara. Os Espanhóis atacavam Valença do Minho e o nossos pilhavam e incendiavam aldeias galegas em frente à Bragança ou Chaves.
Não descobri nada acerca se este Francisco Fernandes Montalvão, ou seu Filho, Francisco de Montalvão Coelho, pediram cartas de armas em virtude destes feitos, mas mais muito significativo que a questão heráldica, foi recuperar a memória deste meu avô, de que a genealogia reteve apenas das datas de nascimento e morte e do qual sinto orgulho, pois foi um dos muito heróis anónimos, que permitiram a Portugal vencer uma guerra de 28 anos, contra uma das maiores potências europeias de então, a Espanha.
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