Durante muitos anos protelei a visita ao Louvre. As poucas vezes que tive oportunidade de visitar Paris apetecia-me mais andar nas ruas, apreciar l’air du temps, do que me fechar num gigantesco museu, no qual teria que passar um dia inteiro fechado, o que era muito, para quem dispunha de um curto período de 4 ou 5 dias para estar naquela cidade.
No entanto, sabia que tinha que o visitar. Embora não seja especialista, a escultura greco-romana sempre me causou arrepios de prazer e naquele museu estavam grande parte das obras-primas da arte clássica. E depois havia outro motivo para visitar o Louvre, a Yourcenar. Conforme conta nas suas memórias, durante a meninice o seu pai levava-a frequentemente ao Louvre. Passou horas esquecidas a admirar escultura antiga, a ouvir o seu pai discorrer sobre dela e obviamente isso determinou a sua obra futura, baseada na harmonia e no equilíbrio do estilo clássico e num profundo conhecimento da antiguidade greco-romana.
Por isso, há cinco ou seis anos, resolvi enfrentar o Louvre. O Manel foi para a pintura flamenga e holandesa e eu, à semelhança do que fiz no British Museum, segui para a secção de escultura greco-romana, decidido a não ver mais nada senão aquela colecção, nem que ao lado me aparecessem Leonardos da Vinci ou Fra Angelicos
|
Hermes. Cópia romana. Museu do Louvre |
O núcleo de estatuária clássica é gigantesco. Impressiona. As estátuas mutiladas, os braços, pernas e cabeças acrescentados no período barroco, os restauros feitos no século XIX deixam-nos na dúvida se alguma fez chegaremos a conhecer as genuínas estátuas gregas, até porque a maioria do que vemos são cópias romanas dos originais helénicos. E enquanto via aquela colecção enorme e sofria horrores dos pés, percebi que o mais belo ensaio de Yourcenar, O tempo esse grande escultor, terá começado a esboçar-se nas salas daquele museu, talvez ainda quando fosse muito jovem. Nesse texto, apresenta a teoria que a criação de uma obra de arte não acaba no momento em que sai da oficina do artista. Ela continua em pleno processo de transformação, à mercê dos actos de vandalismo que sofre, das catástrofes, como os naufrágios ou incêndios que lhe acontecem, ou dos restauros bem-intencionados a que é sujeita. A beleza da Victoria de Samotrácia ou da Vénus de Milo são mérito do escultor, mas também do tempo, que as fragmentou, as alterou e lhes deu aquela forma incompleta que tanto apreciamos.
|
A Nike ou Vitória de Samotrácia. Museu do Louvre |
Sai tão cansado e tão impressionado daquela visita, que me apeteceu trazer um pouco daquela beleza clássica comigo, para Lisboa. Apesar de séculos de cepticismo, continuamos com aquele espírito de crendice, dos antigos peregrinos cristãos, que precisavam de trazer um pedaço de osso, um fragmento de tecido, uma unha ou uma pedra, para sentir que transportavam para a casa a santidade do local ou a protecção do santo através daqueles objectos. Eu comprei a cópia de um fragmento de um jovem Efebo, muito belo.
O original é uma obra datada entre 447-432 a. C. e que a elegância do rosto, a firmeza do traçado no nariz, o desenho da boca e o modulado dos cabelos mostram a perfeição e o equilíbrio de um dos mais altos momentos da arte humana, o período clássico da arte helénica. É proveniente do friso norte do Partenon, e foi uma oferta do Rei Otão da Grécia ao Governo francês.
|
Um friso do Partenon no Museu britânico |
Coloquei esta réplica aos pés da minha cama e à noite, quando a olho, recordo-me do episódio do roubo dos mármores do Partenon, por Lord Elgin, em 1801-1802, que os transportou com ele para Inglaterra e que já na época foi acusado de bárbaro por muitos dos seus conterrâneos, como foi o caso de Lord Byron, que escreveu.
Scaped from the ravage of the Turk and Goth,
Thy country sends a spoiler worse than both.
|
Outro fragmento do Partenon no Museu Britânico |
O belo efebo lembra-me também Melina Mercouri, quando era jovem e tão perturbadoramente bela como esta estátua. Os lábios são idênticos, Tenho sempre na memória o filme Phedra, em que contracenou com Anthony Perkins numa tragédia terrível.
|
Melina em Phedra |
Mais tarde, quando a sua beleza se desvaneceu, lembro-me da coragem de Melina, enquanto Ministra da Cultura, reclamando a devolução dos mármores do Partenon à Grécia. Não conseguiu nada, mas chamou a atenção da opinião pública mundial para o facto de que a maioria das colecções dos grandes museus franceses, ingleses ou alemães foram mais ou menos pilhadas, na época em que a frança, a Inglaterra ou a Alemanha dominavam o mundo.
|
A beleza helénica dos lábios de Melina |
Antes de me deitar, os lábios sensuais do meu Efebo, iguais aos de Melina Mercouri, fazem-me pensar que a arte cristã, só mostrou a beleza, enquanto meio para demonstrar que ela era efémera e vã e nada mais existia para além da fé em Cristo e na Salvação. Pelo contrário, a arte helénica mostrou-nos a beleza humana, sem pecado ou arrependimento. A beleza é em si mesmo divina.
|
Os lábios do Efebo |