A história familiar é importante para mim e gosto de me rodear de retratos dos antepassados. Creio que de certa forma repito os rituais dos antigos romanos aos deuses Manes, um culto prestado aos antepassados, que partiram, mas que coabitam com os seus descendentes, numa homenagem à perpetuidade da raça. Certamente por essa razão, sempre que vejo uma bonita moldura antiga numa feira de velharias, compro-a para encaixilhar mais um retrato de um bisavô, de uma trisavó ou de uma tia.
A mais recente aquisição foi este porta-retratos em forma de harpa, composto por duas placas diferentes de madeira artisticamente recortadas. É um objecto muito ao gosto da arte nova, que me encantou de imediato. Procurei obter algumas informações sobre esta peça no google e fiz umas quantas pesquisas por palavras chave naquele motor de busca , em francês, português e inglês e acabei por ir ter à pagina de um senhor espanhol, http://www.finescrollsaw.com, que ainda executa estes trabalhos a partir de moldes antigos e cuja leitura me permitiu perceber exactamente o objecto que tinha em não.
No início do século XX estes trabalhos de madeira recortada estavam muito na moda e existiam uma série de empresas francesas, italianas, inglesas, belgas e americanas que editavam catálogos, vendendo quer os moldes, quer as ferramentas para que, qualquer amador habilidoso executasse no conforto do seu lar uma panóplia de objectos, que iam desde molduras, a caixas de costura e guarda-joias, passando por gaiolas e étageres, sem esquecer as caminhas para meninos jesus e mobília para casas de bonecas. Normalmente estas peças tinham um recorte muitíssimo arrebicado e combinavam bem com o gosto sobrecarregado da decoração de interiores, tão típico da viragem do século XIX para o XX.
Catálogo da Casa Pietro Barelli. Imagem retirada de http://www.finescrollsaw.com/pietrobarelli/pietrobarelli-fr.htm |
Num desses catálogo, o da casa Pietro Bareli, de Milão, datado de 1906, encontrei uma imagem de uma destas molduras em forma de harpa, que é praticamente igual à minha. Há apenas uma diferença, no lado direito do modelo existe uma pequena pauta musical, que corresponde à parte onde a minha moldura está quebrada. Como este porta-retratos é um objecto frágil, provavelmente um dia caiu ao chão e perdeu a pecinha que representava a pauta musical.
Em suma, consegui perceber que a meu porta retratos foi executado a partir de um molde de uma destas revistas, publicada logo início do século XX e irá agora servir para encaixilhar umas das muitas fotografias antigas de família que disponho.