Comprei este velho candeeiro a óleo em opalina. Não é porque precise de iluminação em casa, pois na minha assoalhada e meia, apliques, lustres e candeeiros de mesa devem ser quase uma dúzia. Além disso, tenho ainda três candeeiros de azeite, um castiçal, uma lucerna e um candeeiro a petróleo. Claro, podia justificar esta compra, pensando nas eventuais faltas de luz, mas cortes de energia eléctrica acontecem à media, três em três anos e pouco mais duram que uns vinte minutos e nesses momentos uso velas...
Na minha casa abundam candeeiros. |
Na verdade, comprei este candeeiro porque adoro os estilos franceses e sempre ambicionei ter uma opalina, esse vidro de aspecto leitoso. Claro, como não tenho dinheiro para comprar peças francesas do século XVIII, compro coisas do século XIX imitando os grandes estilos do passado, o Luís XIV, o Luís XV e o Luís XVI e neste candeeiro é claramente visível a inspiração das porcelanas de Sèvres do século XVIII. Está até pintado no chamado rose Pompadour, esse tom de rosa criado em Sèvres, no ano de 1757, em homenagem a Madame de Pompadour, amante do Rei Luís XV e grande patrocinadora da manufactura.
O rose Pompadour |
No entanto este candeeiro não apresenta qualquer marca, nem no queimador, nem no vidro opalino e o que aqui escreverei de seguida são meras suposições. Ao procurar informar-me sobre os candeeiros do século XIX, bem como sobre as opalinas e consegui perceber que havia menos três tipos diferentes de fabricantes ou ofícios, que concorriam para o fabrico de um candeeiro deste tipo.
Queimador do tipo modérateur |
Em primeiro lugar havia o fabricante do queimador. O deste candeeiro parece-me sem dúvida do tipo modérateur, um sistema inventado em Franca, que permitia regular com precisão a intensidade da chama. Foi concebido para funcionar a óleo vegetal. O petróleo só começa a ser usado depois de 1870. Mas não tive coragem para desmontar o queimador, para apurar a sua marca, pois tive medo de partir a opalina, que apresenta alguns fios de cabelos aqui e ali. Em todo o caso apresenta todas as características dos modérateurs franceses fabricados nos meados do século XIX, o que me leva crer que este candeeiro seja francês.
Os candeeiros a óleo com o queimador tipo modérateur. Foto de Les lampes à huile, de B. Mahot, Ed. Ch. Massin |
Depois em segundo lugar existiam os fabricantes de vidro ou porcelana, que produziam o corpo do candeeiro, onde se encaixava o queimador. Neste caso, corpo é em opalina, um vidro em cuja composição entrava óxido de estanho e cinzas de ossos, o que lhe conferia um aspecto leitoso e cuja aparência não andava longe da opala. Talvez por essa razão em português, este material é conhecido por vidro coalhado. As opalinas já eram fabricadas em Veneza desde o século XVI, normalmente brancas, mas no século XIX em França, avanços técnicos permitiram o aparecimento de novas cores. Nesse período os principais fabricantes de opalinas em França foram Baccarat, Saint Louis e ainda Choisy-le-Roy e Belleville.
Por último, existiam oficinas de decoradores ou pintores de opalinas, que trabalhavam com os principais fabricantes de vidros. O mais célebre deles todos foi Jean-François Robert (1778–ca. 1855), que começou por ser pintor em Sèvres, mas a partir de 1843 estabeleceu-se por conta própria, nas vizinhanças da fábrica, trabalhando sobretudo para Baccarat e Saint Louis. Concebeu uma técnica nova, as peças pintadas a pincel iam novamente ao forno de mufla, de forma, a que as cores e as aplicações a ouro vitrificam-se, incorporando-se na superfície do objecto de forma mais perene. Essas decorações florais da opalina tiveram sucesso e rapidamente foram imitadas por outras oficinas de pintores.
Pinturas sobre opalina do atelier de Jean-François Robert. Foto retirada de Christine Vincendeau, Les Opalines, Paris: Amateur, 1998 |
Num catálogo de vendas on line encontrei uma caixa de jóias em opalina de Baccarat, cuja decoração é atribuída ao atelier Jean-François Robert, e o vendedor para fundamentar essa atribuição reproduz a página 124 da obra de Christine Vincendeau, Les Opalines, Paris: Amateur, 1998. E de facto, percebemos que na oficina de Jean-François Robert a inspiração em Sèvres era óbvia e que este candeeiro tem o mesmo ar de família das peças ali reproduzidas. Também a partir desta reprodução percebi que a peça em opalina usada para montar este candeeiro foi uma garrafa ou frasco.
Uma garrafa ou frasco serviu para montar o candeeiro. O reservatório de combustível está escondido no recipiente |
Embora eu seja um leigo nesta área das opalinas e candeeiros, fiquei com a ideia que a distribuição do produto final, o candeeiro, cabia ao produtor de vidros.
Em suma, este candeeiro terá sido produzido em França em meados do século XIX, ou talvez uma ou duas décadas depois. O queimador do tipo modérateur é típico dessa época e a opalina saiu de uma de umas dessas grandes fábricas francesas, Baccarat ou Saint Louis. A decoração ao gosto de Sèvres talvez tenha sido pintada na oficina de Jean-François Robert ou por um dos seus muito imitadores depois de 1855.
Alguma bibliografia e links consultados:
Le XIXe siècle français / dir. Stéphane Faniel. - Paris : Librairie Hachette, 1957. - 231 p. : il. ; 32 cm. - (Connaissance des arts ; 2)
L'opaline française au XIXe siècle / Yolande Amic. - Paris : Librairie Gründ, 1952.