O blog velharias do Luís completa hoje doze anos. Nem sei como o mantenho há tanto tempo. Creio que necessito deste exercício espiritual de escrever, fazer alguma investigação sobre velharias ou história familiar. De outra forma a minha vida seria bem mais triste, marcada por um quotidiano banal entre a casa e o emprego.
Estes aniversários são também um momento de reflexão sobre o que me leva a encher um apartamento minúsculo com tanta gravura, pratos, porcelanas, candeeiros, espelhos, fotografias, bibelots e outras traquitanas. Não sou um coleccionador no sentido clássico do termo, que escolhe uma época ou uma área temática, por exemplo pintura de retrato e se especializa nesse campo. Eu compro um pouco de tudo e de quase todas as épocas, desde que não seja arte contemporânea e o principal critério parece ser a dimensão, isto é, desde que seja pequeno e antigo e caiba na minha casa.
Mais do que um coleccionador, sou um criador de ambiente. Preciso de ter um espaço decorado à minha medida, de acordo com a minha personalidade, o meu gosto e o interesse pela história.
Mas esta acumulação de velharias é igualmente uma tentativa de recriar na minha assoalhada e meia antigas casas antigas de família, que marcaram a minha vida, como se quisesse reviver todos os dias aqueles sítios e as pessoas que lá viveram e morreram. Da casa da minha avó em Chaves, copiei um certo ar de paço episcopal com móveis do século XVII, ao gosto desse século ou em estilo D. João V, cobertos de damasco vermelho. Depois fui mais longe nesse gosto eclesiástico e enchi tudo com santos, santinhos e outras beatices. As memórias já um pouco esbatidas do interior do Solar de família Montalvão em Outeiro Seco, inspiram-me para mandar fazer um tecto de masseira, que confere ao meu apartamento o ambiente de uma residência fidalga, mas à escala de uma casa de bonecas.
Nesse solar, existia uma colecção de gravuras antigas representando os reis de Portugal e da qual herdei apenas três retratos. Aos poucos fui comprando mais gravuras dessa temática, como que tentando reconstituir essa colecção, de que nem sequer me lembro de ver na casa. Só conhecia a sua existência através das conversas da minha avó Mimi e do meu pai. Também do recheio dessa casa recebi uma dúzia de porcelanas da Vista Alegre do século XIX, decoradas com florinhas e filetes dourados. Claro, depois disso, comprei mais uma vintena de chávenas, pratos, leiteiras e açucareiros dessa época e estilo.
Da casa de da família em Vinhais, na qual passei sempre férias de Verão, reconstitui um canto da sala de estar onde existe um comprido armário cheio de fotografias de família de todas as gerações. Aliás, sempre que nascia uma criança nova na família, toda a gente se apressava a mandar uma fotografia do rebento à Tia Lalai, para que a tia a colocasse naquela galeria. O meu gosto pela faiança Cantão popular começou também nesta casa, onde na sala de jantar está pendurada uma travessa deste motivo decorativo.
Ao longo destes anos andei a completar, reconstituir ou recriar ambientes das casas de família, mas neste momento ultrapassei em muito os modelos originais e a minha casa tornou-se qualquer coisa de único, que só podia ser do Luís Montalvão.
As memórias das casas antigas e dos que lá viveram e deixaram esta vida continuam aqui neste apartamento, como se eu tentasse capturar esse tempo, que passou irremediavelmente. É um ambiente reconfortante, um refúgio, mas algumas vezes doloroso, quando me recorda que a morte está sempre presente. Mas esse convívio entre o passado e o presente é a essência da própria vida.