quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Willow Pattern: uma história de amor contada num prato


Prato Willow Patern de Sacavém
Fabricado pela primeira vez em Inglaterra por Thomas Minton em 1790, o Willow Pattern foi um padrão extremamente popular naquele país e foi produzido por mais de 100 anos pelas casas Royal Worcester, Spode, Adams, Wedgwood, Davenport, Clews, Leeds e Swansea.

O padrão do Salgueiro ou Chorão influenciou as oficinas cerâmicas portuguesas, que produziram uma versão ingénua deste motivo, erradamente é designada por Miragaia, e que com mais propriedade se deveria conhecer por cantão popular (ver post de 1 de Outubro de 2009)
 
O Chorão de Massarelos
 
Contudo, o Willow Pattern foi também fabricado em Portugal em versões muito próximas do original. Sacavém, Massarelos e a Fábrica de Alcântara produziram-no e tornaram muito popular este motivo em Portugal. Possuo um prato de Sacavém com uma marca datada de 1905 e outro da Fábrica de Massarelos datado de entre 1873-1878.

No Brasil o padrão do Salgueiro foi também produzido com sucesso em versões fiéis ao original inglês ou em variantes mais populares, mas também mais criativas, conforme se pode ver no blog do Fábio Carvalho, http://porcelanabrasil.blogspot.com/, um brasileiro apaixonado pela cerâmica, que é seguidor deste blog.

Uma vez que este padrão é tão importante para as lusas paragens, resolvi então meter mãos à obra e traduzir para a língua do nosso tio Luís de Camões a história completa do padrão do chorão, que retirei do site http://www.thepotteries.org/patterns/willow.html.

Era uma vez um Mandarim que tinha uma filha muito bonita chamada Koong-se. O Mandarim tinha um secretário, o Chang, que enquanto tratava das contas do seu Senhor apaixonou-se pela bela Koong-se. Esta paixão foi muito mal vista pelo pai da moça, que achava o seu secretário um pobretanas indigno da filha.

O pobre Chang acabou por ser despedido e o severo pai mandou construir uma cerca em volta da sua casa, para impedir que os dois apaixonados se encontrassem. A infeliz Koong-se ficou circunscrita a passear-se no jardim e junto à borda de água. Um dia, encontrou uma concha e lá dentro um poema e uma pérola, que certo dia tinha dado ao seu amado. Koong-se percebeu então que o seu amor não andava longe dali.

Ao mesmo tempo, a jovem soube com horror que tinha sido prometida em casamento a Ta-jin, Duque e guerreiro afamado. Ainda mais em pânico ficou quando soube que o Duque estava prestes a chegar, trazendo consigo jóias preciosas para celebrar o noivado


Depois do banquete dado em honra de Ta-jin, Chang penetrou na casa vestido de criado e consegui chegar ao quarto da rapariga. Abraçaram-se e resolveram fugir imediatamente. O Mandarim, o Duque e os convidados tinham comido e bebido tanto que o casal conseguiu escapar sem ninguém dar por eles. Contudo, o pai da moça viu-os no último minuto e persegui-os ao longo da ponte.
Os jovens amantes conseguiram escapar e refugiaram-se na casa duma criada, que o Mandarim tinha despedido por ter facilitado os encontros da filha com o Chang. Uma vez que Koong-se tinha dado as suas jóias a Chang, o pai, que era também magistrado, passou a perseguir o rapaz como ladrão, prometendo executa-lo quando o apanhasse.

Uma noite, os espiões do mandarim relataram-lhe que estava um homem suspeito escondido numa casa junto ao rio. Foram mandados guardas prende-lo. Chang saltou para a torrente furiosa e a Koong-se convenceu-se que ele se tinha afogado. Dias mais tarde, quando os guardas voltaram a fazer uma rusga na casa. Enquanto a criada os distraia os capangas do Mandarim, Chang reapareceu com o seu barco e fugiu com a moça para um local seguro

Chegaram a uma ilha distante e passados muitos anos Chang tornou-se um escritor famoso. Tendo tido conhecimento da existência de Chang, o Mandarim ordenou aos seus guardas que o matassem. Chang suicidou-se com uma espada e a infeliz Koong-se ateou fogo à casa, deixando queimar-se viva lá dentro.
A morte dos dois comoveu os deuses, que resolveram transforma-los em duas pombas, eternamente voando juntas no céu.
 
Para rematar e a título de curiosidade, os brasileiros conhecem a interpretação mais popular deste padrão pelo delicioso nome de azul pombinho

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Registos com Nossa Senhora do Carmo

Tenho estes dois registos com imagens de Nossa Senhora do Carmo, bem comos dois escapulários, que lhe aparecem normalmente associados. Este registo que vemos aqui em cima, com uma decoração neoclássica, será de finais do XVIII, princípios do XX e o segundo, nas linhas inferiores, com uma decoração rocaille será datado da segunda metade do XVIII. Em ambos os registos é representada a Virgem com o Menino, segurando um escapulário.

Para se perceber a origem desta representação iconográfica importa saber que o termo Carmo deriva da Ordem dos Carmelitas, uma ordem fundada na Idade Média, que tinha como patrono fundador o profeta Elias. Esta personagem do Antigo Testamento vivia como eremita, no monte Karmel, nas cercanias da actual cidade de Haifa, no território que é hoje Israel.


No século XIII, mais precisamente em 1251, um monge inglês da ordem do Carmelo, S. Simão Stock suplicava à Virgem que lhe desse algum sinal de aliança e bênção à Ordem dos Carmelitas e teve então uma visão na qual Nossa Senhora com o Menino lhe entrega o escapulário e lhe diz Hoc tibi et tuis privilegium: in hoc moriens salvabitur, o que quer dizer mais ou menos, aquele que tivesse o privilégio de fazer parte da Ordem (recebesse e usasse o escapulário como sinal dessa pertença) seria salvo definitivamente.
Em suma, é a Visão de S. Simão Stock que está na origem da representação de Nossa Senhora do Carmo destas duas gravurazinhas.

O culto a Nossa Senhora do Carmo tornou-se um emblema dos Carmelitas, ordem onde floresceram Santa Teresa de Ávila e S. João da Cruz, os místicos mais célebres de todo o catolicismo romano e popularizou-se em Portugal, Espanha e na América Latina, para a qual a Nossa Senhora do Monte do Carmo protege na vida, salva na morte e intercede depois a morte.


Em Portugal, a Nossa Senhora do Carmo é rapidamente associada ao culto das alminhas do purgatório, pois acreditava-se que a referida Senhora poderia resgatar os pecadores do purgatório.
A devoção a Nossa Senhora do Carmo passa sempre pelo Escapulário, que já agora convém explicar o que é exactamente esse objecto. O Escapulário era um adereço de vestuário antigo, uma espécie de avental, que cobria a frente e as costas da pessoa, ficando pendurado nos ombros de quem o vestia. Em virtude do enorme desenvolvimento, que o culto a Nossa Senhora do Carmo teve, o termo escapulário passou a designar também um pequeno objecto, que consiste em dois quadradinhos de pano, juntos por um cordão. Esses dois paninhos contem imagens religiosas marianas, frequentemente Senhoras do Carmo. Acreditava-se que transportar um escapulário consigo podia significar ser-se salvo do inferno, após a morte.





Se repararem bem nestas duas representação de Nossa Senhora do Carmo, hão de ver que tem uma forma cónica, o que é muito frequente nos registos marianos portugueses. Moisés Espírito Santo no seu arrojadíssimo livro As origens orientais da Religião Portuguesa. - Lisboa: Assírio e Alvim, 1988, explica que esta forma tem origem nos antigos cultos ancestrais da Península Ibérica, muito aparentados com as religiões de Cartago, da Fenícia e dos povos semitas em geral, em que a Deusa Astarté ou Tanit é sempre representada por um cone. Os desenhadores portugueses do século XVII e XVIII teriam reproduzido numa espécie de escrita automática a imagem duma divindade feminina ancestral, que estava gravada no subconsciente colectivo do povo português desde sempre. A tese de Moisés Espírito Santo é um bocado arriscada, mas é muito apelativa.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As combinações de azulejos pombalinos


Este painel de azulejos de padrão está no quarto dos meus filhos e formei-o ao longo de uns bons 4 anos. Comecei por comprar uns sete ou 8 exemplares do padrão, que está nas bordas, a uns ucranianos da feira-da-ladra, por um preço muito bom. A minha primeira ideia era formar uma composição simples de apenas dois azulejos de altura e assim fui comprando aqui e ali, até fazer a parede em todo o seu cumprimento. Quando terminei o painel apaixonei-me pelos azulejos com o padrão da estrelinha e lembrei-me, que ficariam muito bem entre a bordadura, que já tinha formado. Retirei os azulejos todos da fiada superior, raspei-os do cimento cola, inseri no meio os azulejos da estrelinha, e, por cima voltei a colocar a fiada do topo. Gostei imenso do resultado e fiquei a achar que era um rapaz muito imaginativo e criativo.

Poucos meses depois, numa das minhas grandes navegações na Internet, descobri uma combinação de padrões de azulejos exactamente igual à minha, realizada há cerca de duzentos e muitos anos atrás. Esses painéis revestem toda uma divisão do Palácio Tavóra, ali à Mouraria, no nº21 da Travessa da Nazaré e que hoje em dia está ocupado pelo Grupo Desportivo da Mouraria. Creio que esta divisão devia ser a cozinha do palácio, pois do lado esquerdo da foto, vejo uma parte da chaminé.

A lição que tirei desta descoberta foi que afinal eu não era assim tão criativo como julgava e que em termos de imaginação é difícil ultrapassar a extraordinária criatividade dos fabricantes de azulejos da segunda metade do século XVIII, bem como a dos técnicos que procediam à sua aplicação nas paredes.

Para os seguidores brasileiros deste blog, que estarão menos familiarizados com a história da arte portuguesa, estes azulejos são conhecidos por Pombalinos ou de padrão e datam da segunda metade do século XVIII. A seguir ao grande terramoto que destruiu Lisboa em 1755, durante o Governo do Marquês de Pombal, o primeiro ministro do Rei D. José, houve necessidade de arranjar um material de revestimento barato e fácil de produzir, para ser usado nas novas construções, que se erguiam rapidamente por toda a cidade. Assim, as oficinas de cerâmica começam a produzir azulejos de padrão em grande escala para as novas casas e com os quais os compradores e os operários, que os aplicavam, podiam fazer um sem número de combinações diferentes e muito imaginativas.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Ainda o Solar dos Montalvões: os amores de um padre e de uma fidalga


Debaixo dos tectos esventrados da Capela do Solar de Outeiro Seco está sepultada a minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, cuja história não consta da genealogia oficial da família. Quando a obra Os Montalvões de Timóteo Montalvão Machado foi escrita em 1948, estava-se em pleno Estado Novo, um período em a moralidade era apertada e por isso nem o autor nem as pessoas da família acharam por bem divulgar publicamente um ou outro esqueleto, escondido no fundo dos seus armários. Por outro lado, o livro Os Montalvões limita-se a ser o típico livro de genealogia, um rigoroso enumerado sem fim de nomes e datas, sem narrativa, que omite as histórias mais apaixonantes e nada nos diz sobre o aquelas pessoas mortas há séculos pensaram ou desejaram

A Maria do Espírito Santo nasce em 1856 num berço de oiro. A sua família era fidalga, tinha extensas propriedades, um bonito solar e certamente procurou dar à filha a boa educação necessária, para que a rapariga casasse com um jovem fidalgo da região. A menina terá passado tardes e tardes esquecidas a fazer bordados e rendas com pontos complicados e arrevezados. Em Chaves, onde a família viveria uma boa parte do ano, terá aprendido as primeiras letras e provavelmente um pouco de francês, o suficiente para ler por alto os catecismos, as vidas dos santos e outras obras piedosas publicadas com encadernações luxuosas em Paris. É também muito provável que tenha aprendido piano, pois em Outeiro Seco existia um desses instrumentos musicais, embora não tenha conhecimento se foi comprado no tempo da Maria do Espírito Santo. Chegada à juventude, a Maria do Espírito Santo é uma jovem prendada, chique como se diria então e um óptimo partido na região Flaviense.

Órfã de pai aos 4 anos, a Maria do Espírito Santo quando chega aos 21 anos, em 1877 está praticamente sozinha, no grande casarão de Outeiro Seco. A irmã Henriqueta tinha morrido em 1873, a mãe em 1874, e o irmão António Vicente, que é militar está fora. No solar, resta apenas um meio irmão, que é padre, e que sendo filho natural, terá certamente um estatuto de inferioridade em relação a ela e um outro irmão o Miguel, um leitor voraz, que nunca casou e que acabou por morrer louco e que nós imaginamos como um ser frágil, talvez dependente do amor e da protecção da irmã. Portanto, em 1877, a Maria do Espírito Santo está mais ou menos sem nenhum chaperon a vigiar os seus passos, as suas idas à igreja ou as espreitadelas discretas à janela.

Encontra-se desde algum tempo em Outeiro Seco um padre, que devia ser para a época, uma personagem marcante. Já tem 31 anos, chama-se José Rodrigues Liberal Sampaio e é um pregador famoso. Há quatro anos, em 1873 foi nomeado por alvará de D. Luís “pregador da sua Capela Real”, título honorífico, que leva a que seja convidado a proferir sermões em várias igrejas pelo país fora e que as pessoas acorram a ouvir as sua homílias. Na época a sermonária era uma arte bem considerada e muitos clérigos chegavam a publicar os seus sermões e alguns deles são hoje ainda considerados génios literários, como por exemplo o Bossuet em França ou o nosso Padre António Vieira.
Seja com o for o José Liberal Sampaio deve ter encantado a jovem fidalga com a sua oratória, com o seu poder de comunicação e também com a sua cultura, ela que deveria estar habituada a marialvas, que pouco mais saberiam falar além da caça e de patuscadas. A fisionomia do padre com o seu queixo a denotar uma força de carácter invulgar, também terá impressionado a jovem.

Ele claro, encantou-se com juventude, a fortuna e o elevado estatuto social da jovem, até porque, embora se saiba pouco das suas origens, o nascimento dele não deve ter sido nada de especial, senão a família teria certamente guardado memória do pedigre ilustre do seu antepassado.

Claro, uma coisa leva à outra e a jovem, que não tinha pais severos a vigia-la acabou por engravidar. Dizem as más línguas que o Liberal Sampaio terá seduzido a jovem por motivos interesseiros. Não me parece que sendo padre pudesse aspirar a beneficiar da fortuna da rapariga, além de que, o amor é sempre simultaneamente uma conquista e uma armadilha. Seja como for, em Maio de 1878 nasce o José Maria, meu bisavô, que é apenas perfilhado pela mãe. O Liberal Sampaio é padrinho da criança, o que nos leva a pensar que não se limitou a fazer o filho e a fugir.

Não sabemos exactamente o que aconteceu depois, nem qual era a natureza da sua relação, mas a 1882, 4 anos depois, a minha trisavó volta a ser mãe. Depois disso também não conhecemos os termos da sua relação. Viveriam juntos? Encontrar-se-iam em segredo?

Em todo o caso o Liberal Sampaio não descurava os seus deveres de pai. Em 1885, estando em Coimbra a cursar Direito e Canônes, recebe o filho José Maria, que tem então 7 anos, para o acompanhar nos estudos. Vivem juntos nessa cidade até ao ano 1891, quando o Liberal Sampaio regressa e passa a exercer advocacia em Chaves. Desconhecemos se manteve a relação com a Maria do Espírito Santo.

Entretanto, o que se passa com ela nestes anos é um ponto de interrogação. As mulheres deixam sempre poucos testemunhos do que foram. A Yourcenar dizia que nunca escreveria sobre uma mulher, porque ela tem tantas máscaras, uma familiar, uma pública e ainda outra como amante que é impossível discernir e adivinhar o seu verdadeiro Eu. O que é certo é que deveria ter uma personalidade forte, pois em 1902, quando morre, deixa expresso que seria ser enterrada na capela da casa, o que deve ter sido foi uma bronca das valentes, pois desde 28 de Setembro de1844 estavam absolutamente proibidos os enterramentos dentro das igrejas. O próprio pároco deixou bem expresso no seu livro de óbitos que o corpo da senhora foi conduzido para a capela particular, sem eu a acompanhar ou autorizar.

Este acontecimento terá sido muito relevante, pois três dias depois da morte da Senhora, o Liberal Sampaio perfilha o seu filho (O segundo filho desta união morreu criança). E a partir desta altura percebemos pelas entrelinhas, que está a viver no solar com o filho e a família, que este entretanto formou. Em 1911, durante as incursões de Paiva Couceiro e a na consequente caça aos monárquicos refugia-se num quarto secreto do solar. Os netos conhecem o avô pelo carinhoso petit nom de Lili e o meu pai, que já não o conheceu, ainda se lembra de ouvir falar no quarto que o Lili ocupava no Solar (ver seta na planta). Posa também com a família em retratos conjunto cheios de uma respeitabilidade algo burguesa.

O Lili com o filho, a nora e os netos

À laia de conclusão, poderemos avançar que estas histórias de bastardia eram muito comuns no século XIX e os amores ilícitos eram tolerados, desde que se mantivessem num determinado nível de descrição e estes meus dois trisavôs não enfrentaram e desafiaram a sociedade como a Ana Plácido e o Camilo Castelo branco o fizeram, alguns anos antes. Em todo o caso, talvez por ser mais banal que o escândalo provocado pelo autor do Amor de Perdição, o caso da Maria do Espírito Santo e do Liberal Sampaio é mais exemplificativo de como se vivia o amor fora do casamento, em Portugal, na segunda metade do Século XIX

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Travessa Cavalinho da Fábrica de Sacavém

Esta travessa cavalinho foi-me dada pela minha Tia Chica cerca de um ano antes de morrer. Como me via sempre entusiasmado por faianças antigas, no tempo que passávamos juntos em Vinhais, resolveu convidar-me para almoçar a mim e aos meus filhos, na sua casa de Lisboa, para comermos os seus célebres pasteis de massa tenra e para dar-me esta travessa, que era da família do marido. Na altura, deu-me a receita dos pasteis de massa tenra e presenteou-me com a travessa, dizendo que me a dava porque os seus descendentes não atribuíam o menos valor a qualquer coisa que não tivesse sido comprada ontem. E de facto, após a sua morte, as suas previsões foram perfeitamente concretizadas.

A travessa é de forma hexagonal, muito pesada, e segundo o Dicionário de marcas de faiança/ Filomena Simas, Sónia Isidro. – Lisboa: Estar Editora, 1996, será mais ou menos datada entre 1870 e 1880. O motivo é o célebre Cavalinho, também conhecido por estátua e deve ter sido a louça mais fabricada de sempre no nosso País e poucas serão as famílias portuguesas que não terão um cavalinho em casa da Fábrica de Louça de Sacavém. Creio que Sacavém continuou a produzir este motivo até ao seu fecho em 1983, portanto por um período de mais de 100 anos. Em 1981, quando trabalhei numa loja de vidros e cristais na Baixa ainda se vendia o Cavalinho muito bem.




O Cavalinho ou Estátua segundo Massarelos (imagens cedidas pelo blog Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém )


O Cavalinho ou estátua foi produzido não só por Sacavém, mas também por Massarelos (na casa de família da minha mãe em Vinhais existem uns quantos exemplares marcados), pela fábrica das Devessas de José Pereira Valente (Cerâmica em Vila Nova de Gaia. - Vila Nova de Gaia: fundação Manuel Leão, 1999. – p 263) e em Alcobaça, José Reis fabricou também uma versão popular cheia de cores vibrantes deste motivo (Faiança portuguesa: séculos XVIII-XIX /Jorge Pereira Sampaio. – Lisboa: s.n., 2009. – p. 1090-191).




O cavalinho ou Estátua produzido pelas Devessas de José Pereira Valente (imagens cedidas de Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém)

O cavalinho da Fábrica de Alcobaça de José Reis





Também no Porto, em datas que ignoro, o Cavalinho, foi produzido pela Corticeira Porto.


Conforme indicação do meu amigo Manel, que fez aqui um comentário muito oportuno, o motivo Cavalinho ou Estátua teve origem em Inglaterra, onde é conhecido pelo nome Grecian Statue, onde começou a ser produzido a partir de 1840. Segundo a http://www.marks4antiques.com/ houve pelo menos 4 fábricas naquele país que fizeram este motivo: BROWNFIELDS (GUILD) POTTERY SOCIETY LTD; JOHN THOMAS HUDDEN; THOMAS & JOHN CAREY - JOHN CAREY& SONS; WOOD&BROWNFIELD. Como os patrões de Sacavém e nesta altura também Massarelos eram ingleses tinham uma natural tendência a importar motivos do seu país de origem, que na época produzia a faiança mais popular em toda a Europa e penso eu que também nas Américas.

Tenho a travessa na minha cozinha e sempre que estou em volta nos tachos, lembro-me dos bonitos olhos azuis da minha Tia Chica, da sua voz característica e dos seus fantásticos pastéis de massa tenra, que eu tentei fazer e que saíram uma porcaria.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ainda o cantão popular dito de Miragaia: Fábrica Lusitânia e Fábrica do Cavaco


No meu post de 1 de Outubro de 2009, escrevi sobre o chamado padrão do salgueiro, o Willow pattern e de como este foi adaptado de forma muito livre e popular em Portugal por vários fabricantes, dando origem a uma loiça que incorrectamente se designa por Miragaia e que deverá antes designar-se por cantão popular. Referi também que a maioria dessa loiça não se apresenta marcada, mas pelas diferenças que apresentam entre si pressentimos que saíram de oficinas diferentes e que até ao momento presente só tinha encontrado peças marcadas da Fábrica Lusitânia, aqui de Lisboa.

Retomo hoje o assunto, onde ficou. A Lusitânia ficava ali ao Campo Pequeno, no local onde hoje está o edifício da Caixa Geral de Depósitos. Ainda me lembro, nos meados dos anos 80, uns dias antes da demolição, de ir com a minha ex-mulher fotografar a fábrica para um trabalho, que ela estava a fazer na faculdade e de termos ficado fascinados com a fachada, que dava para a Biblioteca das Galveias, integralmente revista a azulejos. O edifício funcionava como uma espécie de montra das produções da fábrica ou um tipo de catálogo de azulejos. Demoliram essa fachada magnífica para fazer aquele horror da Caixa Geral de Depósitos, cujo estilo só me recorda o palácio, que aquele homem monstruoso, o Ceauşescu, mandou erguer em Bucareste. Da antiga fábrica só ficou a chaminé, que ainda se vê no meio do horror faraónico da Caixa Geral de Depósitos.


Consegui encontrar estas imagens no site do Arquivo fotográfico de Lisboa, cuja visita recomendo http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/. Infelizmente, as fotografias são só a preto e branco e não dão uma justa ideia do dinamismo, que todos aqueles azulejos coloridos davam à fachada.

Apresento aqui uma molheira com este padrão de cantão popular, fabricada pela Lusitania. Está marcada e pertence ao meu amigo Manel, que fez o favor de ceder estas 3 fotografias Sobre a Lusitânia ver mais no Post 18-03-10
Mais recentemente, descobri que a Fábrica do Cavaco no Porto também fabricou este cantão popular e que há peças marcadas. Na obra a Cerâmica em Vila Nova de Gaia. - Vila Nova de Gaia: fundação Manuel Leão, 1999 da autoria de Manuel Leão são mencionadas duas peças da Fábrica do Cavaco (1862-1920) com este motivo do cantão popular, um bule zoomórfico (pág. 242), com marca, propriedade dos Museus Municipais do Porto e um prato (pág. 244), da colecção Adosinda Anes, que fazia parte de um serviço feito no final do período de laboração. Não reproduzo imagens do livro, porque custa 44 euros e não me está a apetecer gastar tanto dinheiro....

Finalmente, apresento mais uma peça cantão popular, também adquirida na feira-da-ladra e cuja decoração foge bastante ao esquema habitual e que julgo tratar-se também duma fábrica ou oficina distinta. Aqui o processo de abstracção feito nacionalmente ao padrão do salgueiro ou Willow pattern é levado ainda mais longe. Por exemplo, as figurinhas que correm na ponte são transformadas pura e simplesmente em cruzes. A água é representada por um conjunto de riscos paralelos. Os artistas cubistas do princípio do século XX gostariam certamente deste prato.



Escola Médico-Cirúrgica do Campo de Santana

Tenho comigo há mais de vinte anos, este belo desenho do século XIX feito a tinta-da-china preta e vermelha. Fazia parte certamente do conjunto de documentos que integravam o projecto de arquitectura da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa /Faculdade de Ciências e representa os alçados Norte e Nascente da obra. Será um desenho original do arquitecto José Maria Nepomuceno ou de algum dos seus colaboradores e deve ter sido executado antes de 1890, pois foi nesse ano que se lançou a primeira pedra da Escola Médico-Cirúrgica. O edifício só foi terminado em 1911 e o sobreviveu incólume até aos dias de hoje, mantendo as suas linhas proporcionadas e cheias de classicismo. Aliás, a Faculdade de Ciências situa-se numa praças mais bonitas de Lisboa, o Campo Mártires da Pátria com o seu jardim romântico em forma de biscoito, que também conseguiu sobreviver às torres medonhas com que nos anos 60, 70 e 80 se estragou grande parte da cidade.

http://www.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_B1.aspx

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Prato coberto Rapariga, (vulgo Minerva), da Fábrica de Louça de Sacavém ou visita a um museu falhado

Há uns anitos encantei-me por esta travessinha de faiança na Feira-da-Ladra e lá voltei com ela debaixo do braço, sem saber sequer que tipo de peça transportava, pois não tinha qualquer marca. Na época pareceu-me uma daquelas típicas faianças inglesas, que invadiram o mercado europeu durante todo o século XIX.

Só mais tarde, depois de ter comprado uma pequena brochura no Museu de Cerâmica de Sacavém, intitulada Roteiro das Reservas. – Loures: Câmara Municipal, 2000, p-36-37, é que descobri que a minha travessinha era da mais famosa e maior fábrica de faianças portuguesa, Sacavém. Claro, já estava explicado um certo ar inglês da peça, pois como toda a gente sabe a Fábrica de Louça de Sacavém (1856-1983) esteve durante quase toda sua existência na mão de duas famílias inglesas, primeiro os Howorth, e depois de 1894 até ao encerramento, os Gilman. Os proprietários ingleses traziam da sua pátria além de novas tecnologias de produção os motivos da faiança inglesa, que eram extremamente apreciados na Europa do século XIX.




Imagem reproduzida do Roteiro das reservas: Museu de Cerâmica de Sacavém


Mais tarde, através das consultas aos leilões na net, descobri o nome pelo qual o serviço é conhecido, a Minerva e também que faltava uma tampa à minha peça, pois afinal a travessa era um prato coberto. O Meu amigo Manel tem um prato coberto exactamente com o mesmo formato só que do padrão salgueiro ou chorão.

Depois disso, um dos seguidores deste blog, o Ricardo Ferreira chamou-me muito oportunamente a atenção para o facto de que na bibliografia sobre Sacavém, este motivo aparece sem designação ou nomeado RAPARIGA. Para prova-lo, o Ricardo teve a gentileza de me enviar uma fotografia dum prato seu, marcado e com o nome original dado pela Fábrica, Rapariga. É uma peça do período de 1886 a 1894.
Julgo que este serviço ficou conhecido em Portugal por Minerva, porque a decoração na qual Sacavém se inspirou, foi o motivo Minerva, fabricado pela britânica Podmore Walker & Co e pela Wedgwood, em meados do Séc XIX. Aliás, várias firmas inglesas fabricaram com sucesso este motivo, dando-lhe sempre nomes da mitologia como Minerva, Atena, Pomona, etc.

Por favor bejam o excelente link acerca do motivo com das duas jovens gregas ou romanas ao lado de um vaso http://oldchinaservice.com/transferware/brownsreds/womenvase.html

Prato Minerva da Pomodore Walker



Enfim, tudo isto descobri sem que à visita ao ao Museu de Cerâmica de Sacavém tenha tido qualquer utilidade. Aquele museu deve ter sido o serviço cultural mais inútil que conheci nos últimos tempos (raramente acho que os serviços culturais são inúteis). O Museu dispõe de um edifício inteiramente novo, com uma arquitectura espectacular e aproveita um impressionante forno de cozer cerâmica, único vestígio do antigo edifício da fábrica de Louça de Sacavém, demolido nos anos 90. Contudo, não tem colecção permanente! Quem o for visitar à espera de encontrar os belos serviços de cavalinho que existiam em casa da mãe ou da avó desengane-se. Quem estiver à espera das lindas terrinas, das chávenas almoçadeiras, das sopeiras do século XIX é melhor ficar em casa. O Museu apresenta apenas uma exposição sobre as condições de vida dos trabalhadores, uma mostra pindérica de desenhos infantis, bons para figurar numa exposição destinada aos pais numa creche, mas indignos de estarem num museu e ainda outra exposição qualquer medonha, acerca de qualquer horror, que graças aos Céus apaguei da memória (nestas alturas torno-me crente).

O objectivo deste blog não é fazer julgamentos nem a maledicência, mas, o museu deveria expor permanentemente um apanhado das suas colecções, que reflectissem a evolução artística e técnica da fábrica, bem como uma selecção das peças estrangeiras, que sabemos dispôr nas reservas, para mostrar como Sacavém acompanhou e adaptou as modas europeias. Deveria ser uma colecção, na qual as famílias portuguesas pudessem encontrar as peças que as avós lhes deixaram e ao mesmo tempo, didáctica, que ensinasse alguma coisa sobre faiança aos curiosos como eu. Naturalmente, as condições dos operários também são uma parte da história, mas apenas uma parte, não o todo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Mais azulejos pombalinos



Há cerca de uns 4 anos, ali nas traseiras da Estação do Rossio, descobri num contentor das obras este conjunto de azulejos de padrão pombalinos. Estavam todos pintados cor de caca, um tom muito popular na Baixa, quer para pintar azulejos magníficos, quer para pintar belas madeiras de pinho de Riga ou Casquinha, mas como eu já farejo azulejos, perdi a vergonha toda e vasculhei o contentor até conseguir reunir esta fiada toda. De seguida, subi as escadinhas do Duque todas até ao meu emprego no Bairro Alto, carregado quem um burro e completamente sujo de caliça, ainda para mais, nesse dia, estava vestido de preto….

Claro, depois foi o trabalho de lhe tirar os restos de argamassa na parte de trás e com uma faquinha raspar a malvada da tinta vermelha. Mandei-os colocar na parede e o efeito é muito bom. Dá a impressão que numa obra qualquer descobriram atrás de camadas e camadas de estuque os restos de um painel de azulejos.

Este motivo é muito comum por toda a Baixa Pombalina. Se espreitarem para dentro dos prédios ainda vêm alguns. Nunca consegui descobrir informação nenhuma acerca do fabricante ou fabricantes deste padrão. No Museu Nacional do Azulejo existe um painel semelhante, inv. 824, que está datado do século XVIII e pode-se ver no Matriz

Painel do Museu Nacional do Azulejo

Continua a ser hábito nos bairros históricos de Lisboa destruírem toda a velha azulejaria, para depois colocarem em seu lugar aqueles enormes azulejos esbranquiçados, a imitar mármore, que a firma espanhola Porcelanosa popularizou entre nós, através dos anúncios com a Isabel Presley, a rainhas das socialites espanholas. Há uns tempos, na minha rua, vi sair de um prédio em obras na minha rua, um paquistanês ou bangladeshi com um balde de lata cheio de belos azulejos partidos. Ainda tentei dialogar com ele para lhe propor um negócio ou qualquer coisa assim, no sentido que ele me desse todos os azulejos que estivesse a tirar. Mas, o Senhor, que não falava uma palavra de português, deve ter pensado que eu era algum funcionário do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou um Inspector do Trabalho e enxotou-me rapidamente

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Biblioteca do Solar de Outeiro Seco


Last night I dreamt I went to Manderley again, são as primeiras palavras do admirável romance de Daphne du Maurier, Rebecca e que me ocorrem sempre que me lembro de Outeiro Seco. Tal como a personagem principal daquele livro, muitas vezes regressamos em sonhos a casas que já não são nossas, que estão em ruínas ou já não existem e conseguimos por alguns minutos reviver aqueles espaços quando ainda estavam vivos.

Hoje, regresso novamente a Outeiro Seco para recordar a biblioteca do solar, ou livraria como se dizia no passado. Nos anos 80, a biblioteca foi vendida integralmente a um alfarrabista, provavelmente por um preço irrisório e hoje, o que conhecemos delas, é através do catálogo que o meu pai zelosamente conservou. Para além disso, ficou esta fotografia onde se vê o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão (19.5-1878 a 24-05-1965), sentado à sua mesa de trabalho, onde fazia a escrituração da casa agrícola e dois filmes feitos pelo meu pai, o primeiro de 1964, pois apareço eu, que nasci em 1963 e o meu bisavô, falecido em 1965, e o segundo filme datado dos finais da década de 60. Consegui extrair algumas imagens desse filme, que aqui disponibilizo de seguida.


A biblioteca encontrava-se no corpo nobre do solar (sala nº 41), tinha uma bela vista sobre a rua principal e o pinhal. Estava revestida a estantes, que não eram nada de especial, nem sequer tinham vitrinas, mas o efeito das velhas encadernações a carneira dos livros conferia à sala uma solenidade espantosa. No centro existia, a secretaria que se vê na foto, e no filme vê-se ainda uma livreira e uma meridienne, que convidava ao repouso e à leitura (em Português conhecemos estas cadeiras pelo termo francês chaise longue, muito embora em França sejam designadas por meridiennes). Havia também uma grafonola e uns binóculos.



A minha bisavó sentada na Meridienne. Foto extraída do filme de finais de 60


Era uma biblioteca grande, tinha cerca de 1913 títulos, o que era muito para a época. A maioria dos volumes datavam dos séculos XIX, XVIII e XVII, mas também havia obras quinhentistas e algumas coisas do século XX. Em meados do século XX, os meus avós paternos, a Maria do Espírito Santo e o Silvino da Cunha, fizeram o seu catálogo, pois eram as pessoas da família com maior pendor para as actividades intelectuais. O catálogo está ordenado primeiro por grandes classes, a saber, teologia, direito, história, geografia, livros didácticos, dicionários, enciclopédias e literatura, e depois o segundo critério de ordenação, já é pouco claro. Presumo que pretenderam ordenar alfabeticamente por título, mas a escolha dos artigos que contavam ou não para a alfabetação foi mal feita. De qualquer forma, parece-me que os livros estariam arrumados nas estantes por tamanho, como aliás era comum na época e o catálogo por assuntos remetia para a estante x e a prateleira y. Claro, os meus avós poderiam ter feitos fichas, o que era muito mais prático, mas eram não eram bibliotecários como eu e se tivessem feitos fichas, hoje elas estariam espalhadas por mil sítios diferentes e não conheceríamos o catálogo da biblioteca .

A maioria das obras era de religião, seguindo-se-lhe a em termos de importância a História, a Literatura e o Direito. Como era habitual, no passado, mesmo nestes grandes assuntos laicos, a religião dominava, pois o que encontramos nos assuntos jurídicos é sobretudo direito canónico, na história é a história eclesiástica e na literatura, os grandes clássicos latinos, que eram os exemplos que os clérigos seguiam na arte de bem escrever.

Ainda que rapidamente, folhear o catálogo desta livraria é uma coisa impressionante, Encontramos primeiras edições dos sermões do Padre António Vieira, da Monarquia Lusitana, obras de Tito Lívio, de Suetónio, Horácio e sei lá de que mais autores. Existia também uma edição do século XVIII, de 1794, da Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, o primeiro manual de culinária em língua portuguesa. No segundo filme que o meu pai fez, mostra-se um atlas magnífico, quinhentista, impresso em Antuérpia, cheio de cartas geográficas coloridas, que era absolutamente magnífico. Enfim, era de facto uma biblioteca muito rica.


O atlas, foto extraída de filme dos finais dos 60


Segundo o meu pai, baseado na tradição familiar e no que diz a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, o grosso da biblioteca teria sido formada pelo meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio, um homem extremamente culto. E esta suposição faz sentido, já que este senhor viveu o período imediatamente a seguir à república, em que as grandes livrarias dos conventos foram vendidas ao desbarato e os bibliófilos compraram a preço de ocasião coisas espantosas. Contudo, não acredito, que tenha sido só ele a constituir a biblioteca. Houve outro antepassado nosso, irmão da minha trisavó, o Miguel José Álvares Ferreira Montalvão (01-3-1838 a 8-9-1890), bacharel em Direito, que era um leitor voraz. Este senhor que advogou em Chaves e chegou a ser administrador do mesmo Conselho morreu louco, sem deixar de descendentes. As circunstâncias da sua morte impressionaram os seus conterrâneos e os jornais locais noticiaram a morte do bacharel louco, que vivia encerrado num quarto cheio de livros. Em suma, é provável, que parte da biblioteca tenha sido formada por ele.

Em todo o caso, hoje já é difícil averiguar quem foram realmente as pessoas que constituíram a biblioteca. Se os meus avós tivessem registado as marcas de posse, que os antigos proprietários foram deixando nos livros, talvez fosse possível conhecer e estabelecer com alguma precisão os vários períodos em que se formou a biblioteca e talvez os responsáveis, porque as velhas bibliotecas são como os campos arqueológicos, formadas por camadas correspondentes a diferentes épocas.

Já que a biblioteca desapareceu, deixo aqui à comunidade dos internautas, que gostam de velharias e outras coisas esquecidas no tempo, o respectivo catálogo. Atenção que o ficheiro é pesado, quase 7 MB
http://viewer.zoho.com/docs/hbHnba