sexta-feira, 30 de junho de 2023

A educação de Liberal Sampaio: um caminho difícil

O caderninho onde o meu trisavô escreveu umas notas sobre o início da sua vida.


O meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) deixou um caderninho de notas onde pretendia talvez escrever os seus dados biográficos, mas infelizmente não passou da primeira página, ficando-se pela infância. Este documento não está datado, embora imagine que o tenha escrito talvez já velhice, naquele momento da vida em que os homens sentem necessidade de deixar por escrito aos seus descendentes quem foram e donde vieram.

Liberal Sampaio começa por dizer onde e quando nasceu, a 29 de Julho de 1846, do matrimónio de António Rodrigues Sampaio e Maria Gonçalves Liberal, naturais aquele de Soutelo de Chaves e esta do Antigo de Arcos, freguesia de Sarraquinhos, da comarca de Montalegre. Mas neste documento, o meu trisavô não perde tempo com grandes antecedentes familiares e o que aqui salienta é a sua educação. Aos sete anos passou a frequentar a aula nocturna de um curioso, que ao completar nove anos, me deu preparado para ir a Vilar de Perdizes habilitar-me na instrução primária com o Professor régio Bento Pires Esteves, o melhor e quase único do Concelho

Embora não haja estatísticas sistemáticas para esta época, calcula-se que em meados do século XIX, a taxa de analfabetismo andava pelos 80 por cento do total da população portuguesa, variando consoante as regiões, urbanas ou rurais e as palavras do meu antepassado são um testemunho eloquente de que nas distantes e isoladas serras do Barroso esta percentagem seria mais alta. Aprendeu as primeiras letras a frequentar a aula nocturna de um curioso e aos nove anos estava a fazer a instrução primária com o Professor Bento Pires Esteves, quase único do Concelho.


Para completar a sua instrução básica, o meu antepassado teve que se deslocar aos nove anos da sua aldeia natal para Vilar de Perdizes. Não sei onde ficou alojado, talvez em casa de parentes, deste período apenas encontrei uma referência ao seu mestre, Bento Pires Esteves, que foi padre, pois no arquivo Distrital de Braga, existe um processo, datado de 1831, a inquirição de genere de Bento Pires Esteves (1), filho de Domingos Pires Esteves e de Genebra Vaz, natural de Vilar de Perdizes, actual Concelho de Montalegre.

Depois disto, sei o meu trisavô foi para o Seminário de Braga, mas também desconheço o ano em que aqui entrou. Presumo que tenha sido ordenado padre, com 18 ou 20 anos, altura em decorre o processo de inquirição de genere, 1864-1866, que o meu amigo Humberto Ferreira me facultou uma copia do original do Arquivo Distrital de Braga (2).

A Inquirição de genere era um processo da Igreja, que consistia num inquérito na paróquia do candidato a padre, para averiguar da sua limpeza de sangue, saber se cumpria os preceitos da Igreja ou se não tinha cometido crimes de lesa-majestade divina e humana.

A genealogia de Liberal Sampaio

Este documento permitiu-me conhecer um pouco o meio social dos pais de Liberal Sampaio, que foram nomeados como lavradores. Nesta época, os pobres eram jornaleiros, os ricos, proprietários e os lavradores estavam no meio da escala social. Igualmente, através destes dados, foi possível recuar a genealogia desse lado familiar até aos meus sextos avôs.

A inquirição de genere. Parte do documento da escritura de doação de terrenos feita pelos pais de Liberal Sampaio, nomeando as propriedades: a casa atrás do Santo, a terra da Cruz de arcos, a terra dos Campos da Lagoa, a terra do Chão, o lameiro dos sorgos, a terra do Broço, o lameiro dos campos.  


A inquirição de génere era ainda composta por uma parte descritiva do património do jovem. Era suposto que um padre tivesse meios para se sustentar, sem depender de esmolas. Na prática, os pais de Liberal Sampaio fizeram uma escritura doando ao filho um conjunto de terrenos e seus rendimentos para garantir o seu sustento futuro. Curiosamente o tabelião que fez esta escritura, foi Paulino Antunes Guerreiro, que virá ser um amigo próximo do meu trisavô de que já apresentei aqui o retrato carte-de-visite.

Paulino Antunes Guerreiro lavrou a escritura


Em suma, Liberal Sampaio concluiu o seminário e foi ordenado padre em 1866, com vinte anos. Segundo as noticias, que apareceram nos jornais flavienses, já depois da sua morte foi um aluno brilhante no seminário, mas não tenho forma como comprovar essas elevadas classificações, pois os arquivos da Igreja não estão disponíveis. Na obra  História abreviada do Seminário Conciliar de Braga e das Escolas Eclesiásticas precedentes : Séc. VI-XX / Mons. Cónego José Augusto Ferreira. - Braga : Mitra Bracarense, 1937, o meu antepassado é mencionado no capítulo da galeria dos antigos alunos, p. 476, nos homens que se distinguiram pelas suas letras.

Entre 1866 e 1873, entre os 20 e os 27 anos não sei nada sobre Liberal Sampaio. Presumo que fosse pároco, certamente no Norte, algures no distrito de Vila Real, mas nunca entrei nenhuma menção ao que fez nesse período.

Em 18 de Maio de 1873, Liberal Sampaio lavrou o seu primeiro assento de baptismo em Outeiro Seco e a partir daí, fixou-se naquela aldeia do Concelho de Chaves, a qual ligará os seus destinos para sempre. Por volta dessa altura começou a sua carreira jornalística, colaborando no periódico, a Palavra, jornal religioso, com sede no Porto.

Liberal Sampaio na década de 70 do século XIX


É também nesse ano de 1873, em 23 de Setembro, por alvará régio do Rei de D. Luís, mercê das suas habilitações oratórias, adquiridas com o estudo aturado de ciência e letras eclesiásticas, Liberal Sampaio foi nomeado pregador da Capela Real (3). Por essa ocasião a Rainha D. Maria Pia ofereceu ao meu antepassado um anel de ouro, com uma grande pedra preciosa azul, que a minha avó mostrava com muito orgulho aos netos, quando nos começamos a interessar por história. Ultimamente tenho pensado nessa mercê e na oferta do anel e creio que é muito plausível acreditar que os reis, ou pelo menos a D. Maria Pia terão assistido a uma das suas prédicas, de outra forma não o teriam comtemplado com essas honrarias. Mas quando e em que circunstâncias? O mais provável seria que numa visita ao Norte, ao Porto, Braga, Vila Real, Vidago, Chaves ou Pedras Salgadas por volta de 1872 ou mesmo em 1873 o casal real tivesse ouvido impressionado um dos seus sermões, mas não encontrei registo de nenhuma visita real ao Norte por esses anos. A oferta do anel combina com o que se conta da personalidade generosa de D. Maria Pia, que era mãos largas com quem gostava. Uma antiga conservadora do Palácio Nacional da Ajuda contou-me que certo dia apareceu-lhe um Senhor mostrando-lhes uma pulseira de ouro dada pela referida Rainha ao seu avô. Este último era um adido de D. Maria Pia e um dia, esta, estranhando a sua ausência do serviço por alguns dias, interrogou-o sobre o motivo, ao que aquele lhe disse respondeu, que se tinha casado. Então, a Rainha tirou a pulseira que tinha na mão e deu-a como prenda de casamento, para a jovem esposa usa-la.

Em suma, em 1873, Liberal Sampaio já é um pregador famoso, que deveria impressionar os fiéis pela sua cultura, pela voz poderosa e pelas suas considerações morais e durante muitos anos fará dessa actividade um ganha-pão sendo chamado um pouco para todo lado, para dizer sermões nas festas religiosas.

Em 1874, Liberal Sampaio aproximou-se da família Montalvão. Numa das suas cartas a Maria do Espírito do Santo, referiu que assistiu a mãe desta na sua morte e com efeito é ele quem lavra o assento de óbito de Emília Morais Sarmento em 10 de Abril desse ano. Dois anos depois, já escrevia cartas afectuosas e cheias de conselhos à minha trisavó, mas sempre tratando-a por senhora. O resto da história já aqui a contei várias vezes. Dessa relação nasceram dois filhos, o José Maria, meu bisavô, 1878 e o João Maria, em 1884,que morreu ainda bebé.

Maria do Espírito do Santo Ferreira Montalvão e os dois filhos que teve de Liberal Sampaio.


A partir desta data do nascimento do meu bisavô, em 19 de Maio de 1878, as coisas complicam-se novamente e perco o novamente o rasto de Liberal Sampaio enquanto sacerdote. Deixou de assinar os registos paroquiais, embora sejam lavrados com a sua letra e em 1879 passam a ser escritos e assinados pelo encomendado, António Mendes Dias. Embora na altura não fosse nada de especial um padre ter um bastardozinho, creio que o facto de ter feito um filho a uma fidalga de uma família muito conhecida deve criado bastante escândalo e o meu antepassado parece ter sido interditado de assinar e lavrar os registos paroquiais. Talvez tenha tido ordens suspensas.

De Maio de 1878 ao Outono de 1886, ano em partiu para Coimbra para estudar Direito e Teologia tenho no espólio três cartas dirigidas a minha bisavô datadas entre Agosto e Setembro de 1881 e escritas de Vila Pouca de Aguiar. A 11 de Novembro de 1884 nasce o segundo filho da sua relação com Maria do Espírito Santo, o João que viria a falecer no dia 25 de Setembro de 1887

Contudo do ponto de vista intelectual, neste período entre o nascimento do primeiro filho, que talvez tenha resultado na sua suspensão temporária como pároco e a ida para a Universidade de Coimbra, Liberal Sampaio esteve muito activo e publicou 42 artigos sobre política, religião e história na imprensa periódica, nomeadamente na Palavra, na Aurora do Tâmega e no Comércio de Vila Real.

Dois textos publicados (4 e 5) após a sua morte referem que antes de partir para Coimbra,  Liberal Sampaio formou uma escola de em Outeiro Seco, onde ministrava latim,  português, história e filosofia. A minha avô Mimi num texto publicado nos Jogos Florais de Montalegre (6) precisou, que esse externato funcionou entre 1878 e 1886 e indica nomes de alguns dos seus discípulos, como João Lopes Carneiro de Moura e Filipe Barros de Moura, Videira de Melo, o futuro Coronel Agostinho Pires de Morais, de Sanjurge e ainda João Gonçalves Liberal e Bento Gonçalves Liberal, sobrinhos do meu antepassado Já pesquisei em vários arquivos, nomeadamente na Torre do Tombo, no Distrital de Vila Real, no do Ministério da Educação, bem como no Diário do Governo On-line e nunca encontrei referência a esta escola ou colégio. Talvez não tivesse uma existência oficial e funcionasse junto da paróquia e os seus arquivos ainda por lá andem. 

Esta escola, que formou em Outeiro Seco ajuda a esboçar o seu perfil. O menino, que aprendeu as primeiras letras com um curioso na aldeia perdida de Antigo de Arcos, freguesia de Sarraquinhos, tentava agora na aldeia de Outeiro Seco proporcionar às crianças e jovens um acesso mais fácil à instrução, partilhando a sua sólida cultura. Em todo o caso, é curioso observar que esta escola começou a funcional depois de Liberal Sampaio ter deixado de assinar os registos paroquiais, em 1878.

No Outono, de 1886, com 40 anos de idade o meu trisavô partiu para Coimbra matriculando-se simultaneamente em Direito e Teologia e nessa época a viagem entre Chaves e aquela cidade universitária era ainda uma aventura, com uma parte significativa ao dorso de um cavalo ou dentro de uma diligência. Contudo, Liberal Sampaio não foi sozinho. Levou o filho consigo e o pequeno José Maria, meu bisavô, fez toda a sua instrução, desde a elementar até à licenciatura naquela cidade. O meu antepassado quis proporcionar ao filho toda a educação a que teve um difícil acesso na infância e com efeito em Coimbra, estavam os melhores colégios, os mais prestigiados professores e a única Universidade do País. Apesar do José Maria ser um filho natural, que tratava o pai por padrinho, o meu trisavô teve-o sempre consigo, primeiro numa casa da Rua do Aguiar, 72 e depois na Travessa da Rua do Norte, nº 76 e desse período há uma extensa correspondência com a minha trisavó, a Maria do Espírito Santo, sobre os progressos ou desaires escolares do pequeno, as suas doenças, a roupa que lhe fazia falta, umas peúgas, uns sapatos ou ainda das suas gracinhas. São cartas deliciosas, Liberal Sampaio tinha uma caligrafia excelente, escrevia muito bem, ao correr da pena e através delas pode-se concluir que foi um pai muito presente.

Entre 1886 e 1891, o período sua licenciatura, continuou a colaborar na imprensa, na Ordem, a Palavra, Aurora do Tâmega e Concelho de Chaves escrevendo um total de 21 artigos. Apesar do tempo dedicado ao estudo, manteve a sua actividade como pregador, que juntamente com os rendimentos das suas terras era o seu principal ganha-pão. Aqui em Coimbra, além das terras do Norte, onde sempre era convidado paras suas prédicas, pregava também os seus sermões na zona centro e ainda dizia missa no Solar dos Lemos.

Carta de Liberal Sampaio ao pai. 18 de Julho de 1891.


Em Julho de 1891 terminou a licenciatura nos dois cursos e numa carta à dirigida ao seu pai, de 18 de Julho de 1891 escreveu o seguinte. Fiz hoje, sábado, acto de Direito, em que tudo correu bem. Estou portanto, graças a Deus e Nossa Senhora, que tanto me tem protegido, formado em Teologia e Direito, dois títulos de nobreza e habilitação, que poucos alcançam e ninguém em tão pouco tempo como eu.

Filho de lavradores, Liberal Sampaio teve a noção bem precisa do caminho, que percorreu desde as aulas nocturnas dadas por um curioso em Antigo de Arcos, Sarraquinhos, até obter dois títulos de nobreza e habilitação na única Universidade do País. É interessante, que na mesma data, também escreveu à minha trisavó, anunciando a sua dupla licenciatura, mas o texto é mais lacónico. Talvez a Maria do Espírito Santo Montalvão, uma fidalga nascida em berço de ouro não entendesse tao bem como o pai de Liberal, esta ascensão cultural e social.

Este texto é uma tentativa de sistematização do que conheço do meu trisavô, entre 1849 e 1891, mas à medida que o ia escrevendo fui-me apercebendo, que é mais uma lista de lacunas, de falhas, que tenho que trabalhar e preencher para melhor entender este antepassado, cuja progressão no plano educacional e cultural foi notável numa época, em que a taxa elevada de analfabetismo condenava logo na infância veleidades de mobilidade social da maioria das pessoas.

Liberal Sampaio no momento da sua licenciatura


Alguma bibliografia e fontes consultadas:


(1) Inquirição de genere de Bento Pires Esteves

PT/UM-ADB/DIO/MAB/006/32101

(2) Inquirição de genere de Jose Rodrigues Liberal Sampaio
PT/UM-ADB/DIO/MAB/006/04766


(3) José Rodrigues Liberal Sampaio
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Luís I, liv. 24, f. 208v
PT/TT/RGM/J/0024/190096


(4)Dr. Liberal Sampaio,
in
Comércio de Chaves, , 28 de Novembro de 1935


( 5)Insignes varões flavienses. Dr. José Rodrigues Liberal Sampaio
In 
Voz de Chaves, 26 de Fevereiro de 1961

(6) Dr. Padre José RodriguesLiberal Sampaio / Maria do Espírito Santo Ferreira Alves Montalvão Cunha
in
I Jogos florais de Montalegre. - Montalegre: Câmara Municipal de Montalegre, 1981. - 47-53 p-

História abreviada do Seminário Conciliar de Braga e das Escolas Eclesiásticas precedentes : Séc. VI-XX / Mons. Cónego José Augusto Ferreira. - Braga : Mitra Bracarense, 1937

domingo, 11 de junho de 2023

Uma estampa de moda do início do século XIX ou a Girafomania



As estampas de moda do século XIX aparecem muito nas feiras de velharias. Estas gravuras foram destacadas de periódicos de moda ou de suplementos femininos de jornais, para serem encaixilhadas e decorarem uma parede de uma sala ou de um quarto. Mas, como o gosto mudou, hoje são monos, que se vendem a bons preços, pois já ninguém quer nos apartamentos minimalistas estas imagens de damas vestidas com metros e metros de sedas, muitas fitas e galões e ainda penteados complicados

A estampa que hoje apresento, comprada pelo meu amigo Manel, foi publicada originalmente no Petit courrier des dames, conhecido periódico parisiense, editado entre 1822-1868, segundo a catalogação da Biblioteca Nacional de França. Mas, quem a destacou recortou a parte superior da gravura, onde provavelmente se leria Modes de Paris, seguido de um número, que me permitiria identificar facilmente o ano em que foi publicada.
Imagens do Rijksmuseum de estampas do Petit Courier des Dames, datadas de 1829


Há centenas destas estampas digitalizadas em museu europeus, como no Rijksmuseum ou em páginas de vendas on-line de antiguidades, mas nenhuma biblioteca tem esta publicação periódica inteiramente digitalizada e on-line e nas minhas pesquisas não encontrei nenhuma igual à do meu amigo Manel. 

Como sempre me interessei por moda, calculava que tivesse sido impressa na década de 20 ou 30 do século XIX, até que no Youtube vi um documentário francês sobre uma exposição intitulada Les cheveux et des poils, apresentada no musée des arts décoratifs, de Paris, onde se refere a origem dos penteados que as elegantes desta estampa exibem e que me ajudou a datar e entender a referida gravura. Com efeito, em 1827 o vice-rei otomano do Egipto, Méhémet Ali, ofereceu ao rei de França, Carlos X, uma girafa, que foi apresentada ao público na ménagerie do Jardin des plantes, em Paris. Menágerie é o termo antigo usado na Europa para designar as colecções de animais exóticos, que muitos soberanos europeus formaram. 

Um prato com a girafa. Foto wikipédia

A girafa fez furor entre os Parisienses, que acorreram aos milhares para a visitarem tão estranho animal e muito depressa apareceram gravuras, pratos e travessas, bules e lamparinas e ainda caricaturas representando a girafa. 

Bule e lamparina em porcelana representando a Girafa. Foto de La Mode à la Girafe - The Fashion Historian


A moda feminina não escapou a esta verdadeira girafomania e foi lançado um tecido amarelo torrado, inspirado na cor do animal e ainda um penteado, que crescia em altura no cocuruto da cabeça, mediante um postiço ou uma estrutura em arame, sobre a qual se montava o cabelo em forma de um monte, sugerindo a altura do pescoço da girafa. Este penteado apareceu nos últimos anos da década de 20 e manteve-se em voga até aos primeiros da década de 30 do século XIX.




Nas minhas pesquisas, encontrei uma gravura publicada originalmente no Ladies Pocket Magazine, em Abril de 1830, que reproduz a apenas a jovem que está virada de frente e que se intitula Parisian ball dress. Ora, em Londres, essa grande metrópole, local de publicação do Ladies Pocket Magazine certamente andariam a par de todos os caprichos da moda francesa e posso presumir, que a gravura do Manel, tenha sido impressa nesse ano, ou quanto muito em 1829.

Parisian ball dress.


Em suma esta estampa, publicada no Petit courrier des dames, talvez entre 1829-1830, faz eco dessa girafomania, que tomou de assalto Paris no reinado de Carlos X.



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terça-feira, 6 de junho de 2023

Rosas de Davenport: faiança inglesa do início do século XIX



Comprei esta xícara e o respectivo pires na feira de Estremoz por um preço muito convidativo. Apresenta uma decoração floral, que preenche toda a superfície das peças, em tons de azul-escuro, características típicas da faiança inglesa do início do século XIX. Mais tarde, logo na década de 40 desse século, os azuis tornam-se mais claros e a decoração menos carregada. Quanto, a forma, a xícara não apresenta asa, o que normalmente nos indica que se trata de uma peça antiga, pelo menos do primeiro quartel do século XIX.

A atribuição não oferece dúvidas, pois apresenta a marca impressa Davenport, que na chávena, quer no pires. Segundo página thepotteries.org, que é sempre uma referência para quem se interessa, por faiança inglesa, esta marca foi usada por aquela fábrica britânica entre 1805-1820.




A Davenport (1794-1887) foi uma das fábricas mais importantes em Inglaterra do século XIX, mas também no mercado internacional e com efeito, aparece muita louça de Davenport nas feiras de velharias e nos antiquários em Portugal, o que traduz a popularidade dessa companhia no também nosso País. A Davenport fabricou uma faiança de alta qualidade, destinada a uma burguesia, sem meios para encomendar uma Companhia das Índias ou um serviço de porcelana de Paris, mas que apreciava esta louça azul e branca tão decorativa e que fazia um vistão nas suas casas, tanto à mesa como arrumada no aparador de uma sala de jantar. Ainda hoje, passados cerca de 200 anos, a loiça inglesa dessa época, sobretudo se exposta em conjunto continua a seduzir-nos.



O padrão usado neste conjunto é uma decoração à feita com rosas e já que me falta bibliografia especializada sobre faiança inglesa do século XIX tentei encontrar qualquer informação sobre esta decoração na net. Na página da wikipedia inglesa sobre a Davenport refere-se que um dos empregados desta fábrica foi o artista James Holland (1800–1872), que se notabilizou pelas suas pinturas forais. Tentei explorar essa possibilidade, de que esta decoração tivesse sido idealizada por aquele pintor paisagista, mas em vão. Além disso, praticamente todas fábricas inglesas neste época, mais ou menos por volta de 1820, produziam pratos e travessas, decoradas com bordaduras de flores não muito diferentes destas. Talvez seja mais raro é toda a superfície ser decorada com flores, como esta chávena. Normalmente, no centro do prato ou travessa constava uma paisagem romântica, a vista de uma cidade, um lago, ou uma cena campestre com umas vaquinhas a pastar.

Resolvi então pesquisar no Google pelos termos white and blue english pottery, early 19 th century, excluindo a palavra Davenport e consegui perceber que este motivo das rosas foi fabricado não só pela Davenport, como também pela Wedgwood, uma das marcas inglesas com mais prestígio. Encontrei dois pratos exactamente iguais no site https://www.blueandwhite.com e no blog da Judy Dish marcados Wedgwood.

Prato da Wedgwood, padrão Rosas, c. 1825. foto de  https://www.blueandwhite.com


Prato da Wedgwood, padrão Rosas, c. 1825. foto de http://dishynews.blogspot.com/2013/07/roses-on-transferware.html


Este fenómeno, o mesmo padrão ser usado por mais que uma fábrica e por vezes, até por três ou quatro fábricas é muito comum na faiança inglesa do século XIX, e para um coleccionador amador como eu é impossível saber qual delas concebeu o desenho original.

Em suma, esta chávena e pires foram fabricados pela Davenport, talvez por volta de 1820, usando um padrão decorativo com rosas, também produzido pela Wedgwood.




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