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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Cenas Venezianas: faianças da Wood and Brownfield, da misteriosa marca C. & J. Shaw e ainda de Sacavém

 
Quem gosta e aprecia faiança inglesa do século XIX sabe que é um tema muito bem estudado e que uma simples pesquisa pela marca, no Google, permite datar e identificar rapidamente o prato ou a travessa, que temos lá em casa. Todavia, a passagem de 150 ou 200 anos depois da produção dessas loiças inglesas apagou inevitavelmente alguns registos, fazendo desaparecer alguns aspectos da história dessas cerâmicas. Nesses casos, não há internet, que nos valha e se quiséssemos eventualmente recuperar a história de alguns fabricantes, como a misteriosa firma inglesa C. & J. Shaw, teríamos que fazer uma investigação em arquivos, anuários industriais ou velhos catálogos de fábrica. Como me falta a disponibilidade para fazer investigações mais sérias terei que me valer das marcas existentes, associar algumas ideias e fazer suposições. 
Pormenor da travessa. Uma vista italiana imaginada.

Toda esta história começou quando eu e o Manel comprámos na feira de Estremoz, um prato coberto e uma travessa de um enorme serviço de jantar de faiança inglesa, de meados do século XIX, que estava à venda na Feira de Estremoz. Todo o serviço era muito bonito e as várias peças representavam uma paisagem italiana, com algumas variantes entre si, misturando ruínas romanas, lagos românticos e gôndolas venezianas, mas no fundo sem reproduzir nenhuma vista real em concreto. Enfim, a decoração deste serviço mostra uma Itália imaginada e romântica, destinada a deleitar uma burguesia, que lia nos jornais ilustrados as maravilhas de Roma, Veneza ou Florença, mas não tinha dinheiro para viajar até lá.

Contudo, ao contrário do que eu e o Manel achávamos natural, as marcas das peças que comprámos, não eram as mesmas.
O prato coberto, ao qual lhe falta a tampa.

O meu prato coberto apresenta a marca H. Cutler-Castle-Hill-Works, Sheffield, acerca do qual fiz algumas pesquisas na net e descobri senhor H. Cutler era um fabricante de cutelaria, isto é, produzia facas de cozinha, talheres, canivetes e ferramentas. Aliás, à semelhança da nossa Guimarães, a localidade de Sheffield era célebre pelas suas fábricas de cutelaria. Em suma, este H. Cutler não parece ter sido um produtor de cerâmica.
A marca do prato coberto

Já a travessa do Manel, apresenta a marca W. & B., facilmente atribuível à fábrica inglesa Wood and Brownfield, uma firma que inicia a sua actividade em 1837 e termina em 1900, com algumas alterações de nome pelo meio.

 
A travessa e a sua marca W. & B.

No sábado seguinte, o Manel voltou à Feira e constatou que as restantes peças do serviço, que ficaram na banca do vendedor ostentavam no reverso a marca W. B ou C. & J. Shaw. Este C. & J. Shaw é um nome do qual se sabe muito pouco, na internet não há informações pertinentes sobre ele, mas aparecem aqui em Portugal muitas peças com a sua marca muito característica, que inclui além das referidas iniciais, o mote latino, Vincit Veritas, quer dizer, mais ou menos, a verdade vencerá, ou pela verdade vencerás.

Portanto, no mesmo serviço encontravam-se três marcas diferentes: H. Cutler-Castle-Hill-Works, Sheffield; W. B e C. & J. Shaw, o que constituía verdadeiro quebra-cabeças.

Porém, lembrei-me que há uns tempos, a Margarida Elias, do blog memórias e imagens, tinha-me enviado uma imagem de um prato coberto inglês com uma marca incisa, ilegível e que ela me pediu ajuda para identificar. Na altura, não consegui ler a marca, mas fiquei com a coisa pendente numa pasta da minha cabeça, que se intitula assuntos que o só tempo resolverá. E com efeito, abri novamente o e-mail, vi que o prato coberto era igualzinho ao meu e percebi que a marca que lá estava deveria ser certamente, Brownfield.

Portanto, era plausível que o meu prato coberto poderia ser sido fabricado pela Wood and Brownfield e vendido com a marca estampada, H. Cutler-Castle-Hill-Works, Sheffield, talvez fruto de uma encomenda especial daquele fabricante de cutelaria, destinado aos seus clientes, qualquer coisa do género, na compra de um faqueiro, oferecemos um valioso serviço de jantar, mas, talvez isto, seja apenas uma suposição minha, decerto mirabolante.
A travessa da terrina

Quanto ao misterioso C. & J. Shaw, continuava sem saber porque é as suas marcas apareciam em algumas peças neste serviço de cenas ditas venezianas. Lembrei-me então que o meu amigo Manel, tem uma cozinha pejada de loiças inglesas, onde não cabe nem mais um simples pires de café, e que tinha algumas peças com esta decoração pretensamente veneziana. Pedi-lhe então o favor de ver as marcas dessas peças e fotografa-las e quando o Manel me envia as fotos de uma terrina com presentoir, descubro com espanto, que no verso da travessa estão duas marcas em simultâneo o W. & B e o C. & J. Shaw.
As marcas da terrina: W. & B e  C. & J. Shaw.
Portanto, estas marcas provam que este C. & J. Shaw esteve associado de alguma forma à Wood and Brownfield. Recordei-me que o autor do blog Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, já tinha notado com estranheza que todos os manuais ingleses, referem Wood & Brownfield como única produtora do motivo Grecian Statue, que mais tarde foi copiado por Sacavém no popular motivo cavalinho e ignoram completamente C. & J. Shaw, que também produziu aquela decoração, cujos exemplares aparecem muito em Portugal. 

Com o recurso dos conhecimentos da língua inglesa do Manel, escrevi então ao Steve Birks, que é o responsável pelo site http://www.thepotteries.org, uma bíblia na internet para a identificação de marcas de faiança inglesa, pedindo-lhe ajuda para tentar montar as peças deste puzzle. O Steve Birks foi muito gentil e respondeu-me muito rapidamente, confirmando-me que mesmo em Inglaterra, se sabe muito pouco deste C.& J. Shaw, embora seja referido muito sumariamente na Encyclopaedia of British Pottery and Porcelain Marks. Em todo o caso, fez uma entrada no seu site para C. & J. Shaw, ilustrada com imagens tiradas deste blog e fazendo o ponto da situação, o que certamente irá ajudar outros interessados neste assunto em prosseguir as suas pesquisas.
Um pormenor do prato coberto

Em todo o caso fica claro, que há inequivocamente uma associação entre C. & J. Shaw e o Wood and Brownfield, agora qual a sua natureza, se institucional ou meramente comercial, isso é que não se sabe. Há talvez duas hipóteses:

- A C. & J. Shaw poderia ser uma marca com a qual Wood and Brownfield comercializava as suas peças nalguns mercados estrangeiros, como Portugal ou os Estados Unidos, que são os países onde aparecem mais estas louças;

- A C. & J. Shaw poderia ser uma firma britânica, talvez sedeada em Portugal, que se dedicasse a importar louça inglesa e quem sabe se também cutelaria. No século XIX, o que não faltam são exemplos de famílias inglesas estabelecidas em Portugal e nas ilhas atlânticas, que se dedicam ao negócio dos vinhos, do chá e da laranja e também da faiança, como foi o caso de Sacavém. Inclino-me mais para esta hipótese, de o C. & J. Shaw ser um importador, pois a Maria Andrade, apresentou há uns anos um prato, que ostenta no verso também duas marcas distintas, a primeira do C. & J. Shaw e segunda do Hope & Carter. Sendo assim, C. & J. Shaw teria acordos estabelecidos com mais de uma firma britânica para distribuir louça para Portugal.

Talvez a resposta a estas perguntas se encontre nos arquivos portugueses das alfândegas ou nos registos da propriedade industrial ou em anúncios de velhos almanaques e revistas.


Uma variante da Venetian Scenery da Wood and Brownfield, usada nos pratos de sopa. Foto de http://www.blueandwhite.com/
Aliás, esta ligação a Portugal, parece estar sempre presente em todo este puzzle que aqui descrevi, pois umas décadas mais tarde, a Fábrica de Loiça de Sacavém produzirá também uma louça, com uma decoração veneziana, inspirada directamente nestas Venetian Scenery do C. & J. Shaw e da Wood and Brownfield.



Sacavém produziu também um motivo inspirado na Venetian Scenery da Wood and Brownfield.
Alguns links úteis:

http://www.thepotteries.org/allpotters/902a.htm

http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/c.+%26+j.+shaw

http://artelivrosevelharias.blogspot.pt/2010/10/prato-ingles-com-motivo-braganza.html

http://printedbritishpotteryandporcelain.com/who-made-it/brownfield-sons-maker


quinta-feira, 16 de julho de 2015

Sacavém e Copeland

Saladeira copeland
Já é um lugar comum falar na influência que faiança inglesa exerceu ao longo do século XIX na louça de Sacavém, quer na decoração, quer nos processos de fabrico. Se conhecemos essa influência em algumas peças, como o motivo cavalinho, o faisão ou o Júpiter, para muitas outras decorações produzidas ao longo da segunda metáde do séc. XIX por Sacavém, falta estabelecer uma relação com a loiça feita em Inglaterra ou em outras fábricas europeias, durante o mesmo período.


A saladeira Copeland ao lado da pequena terrina de Sacavém. As semelhanças falam por si.

Em Janeiro de 2013, já aqui tinha mostrado uma pequena terrina, ou talvez uma molheira, com a marca de Sacavém, correspondente ao período de 1856-1861, ou seja à época mais antiga da Fábrica, anterior aos patrões ingleses, que dominaram praticamente toda a existência de Sacavém. Quando mostrei esta peça, fui de opinião que a influência inglesa era óbvia, mas não a relacionei com nenhum padrão em particular, até que o Manel e eu colocámos esta peça ao lado de uma saladeira da Copeland, de que já aqui tinha apresentado duas azeitoneiras e uma molheira do mesmo serviço e as semelhanças eram eloquentes. 

Portanto, em Sacavém, entre 1856-1861 alguém tomou como modelo a decoração e as formas de um serviço da Copeland, registado em 1849 e conhecido pelos nomes de garland ou rose briar.

As semelhanças são tão evidentes nas fotografias, que escuso de maçar quem lê estas linhas, com descrições exaustivas da decoração, referindo que há um filete aqui, uma grinalda acolá e uma faixa decorativa acoli. Não há dúvida que Sacavém copiou Copeland, mas fê-lo com gosto.
Sacavém copiou Copeland, mas com gosto

domingo, 26 de abril de 2015

Vaquinhas da Fábrica de Louça de Sacavém


Embora não seja um motivo decorativo muito vulgar e fácil de encontrar no mercado de velharias, o padrão vaquinhas é ao meu ver das decorações mais charmosas de Sacavém. A abadia em ruínas, as vaquinhas a pastar, os cavaleiros e a decoração são uma adaptação muito feliz dos motivos românticos da faiança inglesa.

Conforme já notou o MAFLS do blogue Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, esta decoração só foi usada na louça sanitária, isto é, em peças como as que aqui agora apresento, um conjunto de gomil e lavanda ou em penicos. Portanto, este motivo não foi utilizado em serviços de chá, café ou jantar.

Não se sabe ao certo qual o padrão inglês, que deu origem a esta decoração, mas numa vista rápida pelos sites ingleses e americanos de faiança, parece inspirado nas chamadas english scenery, isto é, paisagens campestres e bucólicas da velha Albion, em particular nas decorações Abbey e o Cattle Scenery.
O padrão Abbey foi popular na faiança inglesa
O motivo Abbey  representava uma abadia gótica em ruínas e deve ter sido muito popular, pois assim numa pesquisa à vol d'oiseau, como diria a Princesa Rattazzi, percebi que foi produzido por umas quantas fábricas inglesas, como exemplo pela Livesley Powell, Williams Adams, Gorge Jones em Inglaterra, mas também  mais tarde por Petrus Regout, em Masstricht, na Holanda. Este padrão traduzia o gosto muito peculiar que romantismo do século XIX tinha pela ruína e sobretudo pela Idade Média. Aliás, é no século XIX, que a Idade Média começa a ser objecto de grande interesse pela historiografia.
Prato com o padrão Domestic Cattle, atribuído a Careys
Por outro lado, as vaquinhas de Sacavém parecem ter ter ido buscar também inspiração a outros motivo populares da das paisagens campestres inglesas, como a Cattle Scenery ou o padrão da Milkmaid, este último, já mostrado pela nossa Maria Andrade, num dos seus concorridos chás de terça-feira.


Em termos de datação, o gomil e a lavanda, apresentam marcas diferentes. O gomil parece apresentar a marca 729 do Dicionário de marcas de faiança/ Filomena Simas, Sónia Isidro. – Lisboa: Estar Editora, 1996 e portanto terá sido fabricado por volta de 1885. A Lavanda ostenta no reverso a marca 214 do mesmo Dicionário e portanto foi feita entre 1880-1896. Enfim, para simplificar a coisa, as duas peças datam dos últimos quinze anos do século XIX.

Mas é curioso observar que não só as datas são distintas, a decoração difere ligeiramente da lavanda para o Gomil. Na primeira peça há vaquinhas e ovelhas a pastar, mas também há um cavaleiro, que talvez dirija galanteios a uma linda pastora e tudo isto com a abadia gótica lá ao fundo. 
No Gomil, os cavaleiros conduzem as ditas vaquinhas a um ribeiro, onde estas bebem água. 
As próprias reservas não iguais. Uma paisagem com barcos num rio com aquilo que ao fundo parecem ser as pirâmides de Gizé preenche as reservas da lavanda. 

No Gomil também há barcos num rio, com um jarrão clássico em primeiro plano e um templete em último plano.
Enfim, esta mistura de paisagens inglesas, abadias medievais em ruínas e pirâmides do Egipto é bem típica do século XIX e foi concebida de forma muito feliz nestas peças de Sacavém de inspiração inglesa, que pertencem ao meu amigo Manel.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Creme n. 2 da Thaber: um boião da Fábrica de Loiça de Sacavém

 
aqui tinha mostrado este boião em faiança, que continha um creme de beleza da antiga fábrica de cosméticos Thaber. Na altura pouco ou nada consegui apurar sobre esta Thaber, para além de que era uma casa portuguesa de cosméticos, ainda activa nos anos 60 e 70 do século XX.

A encomenda terá sido feita entre Fevereiro/Março e Abril de 1945.
Recentemente fui contactado pelo Museu de Cerâmica de Sacavém, pedindo-me emprestado o boião para uma exposição temporária. Com efeito, naquele Museu, descobriram através de um dos antigos livros de encomendas da Fábrica, que a Thaber encarregou Sacavém do fabrico dos boiões dos seus produtos de beleza. O registo da encomenda é tão preciso que nele está impresso o monograma da Thaber, um cesto com um laço, a legenda que deveria figurar em cada um dos boiões, a cor e ainda as quantidades pedidas. No referido registo, encontra-se a descrição do boião igual ao meu, o creme, nº 2, vidrado a azul e a preto. Também por por lá está identificado, o boião que a minha irmã recebeu da minha avó, pintado a rosa com o fundo preto. 


No acervo do Museu existe também um boião com um formato exactamente igual, mas sem qualquer tipo de decoração, mas sabe-se que se trata de um boião THABER, conforme vem referido num dos catálogos de 1950 da fábrica, cuja cópia tiveram a gentileza de me fornecer por e-mail.


Mas voltando à encomenda de Boiões pela Thaber, ficámos também a saber que a proprietária dessa Fábrica de produtos de beleza era nada menos nada mais do que a célebre Bertha Rosa Limpo (1894-1981), a autora do O livro de Pantagruel. Para todos aqueles que alimentar-se significa comer um  hamburguer no Macdonald's ou encomendar uma pizza pelo telefone, há que explicar que O livro de Pantagruel é o mais conhecido manual de cozinha português. Desde que saiu em 1945, já teve duzias de reedições e pode-se afirmar que está para a culinária nacional, como os Lusíadas estão para a literatura portuguesa. Aliás, este ano de 1945, deve ter sido particularmente produtivo para a Sra. D Bertha Rosa Limpo, pois além de ter publicado o Pantagruel, encomendou também estes boiões a Sacavém.  Em 1945, além de iniciar uma carreira como autora de livros de cozinha, a Sra. Dª. Bertha Rosa Limpo tornava-se também uma empresária de sucesso . 


Berta Rosa Limpo terá aproveitado o receituário seu pai, dono de uma farmácia, para pôr em prática esta fábrica de cosméticos. A Thaber, que é o anagrama de Bertha, tinha também um salão de beleza, que funcionava no mesmo local da sede da firma, a Av. António Serpa, nº 22.
 
Em suma, o meu boião Thaber foi fabricado por Savavém, talvez entre 1945 e os anos 50 e pode ser visto na exposição IMAGENS DE MARCA(S) - SACAVÉM É OUTRA LOIÇA, que está patente no Museu de Cerâmica de Sacavém, de Segunda a Sábado, das 10h às 13h e das 14h às 18h, pelo ano de 2014 fora.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Uma terrina dos primórdios de Sacavém



O Manel conseguiu a proeza de comprar uma pequena terrina de Sacavém, dos primórdios da fábrica, mais exactamente entre 1856 e 1861. O conjunto está num óptimo estado de conservação e ainda para mais completo. É composto pela terrina propriamente dita, pela travessa e pela concha, o que é muito raro, pois esta é sempre a primeira coisa a partir-se.


A marca de Sacavém, do período de Manuel Joaquim Afonso, 1856-1861

A peça está marcada, com um monograma, que apresenta as iniciais MJA e as palavras Fábrica de Sacavém. Segundo a obra Porta aberta às memórias. 2 ed. . Museu de Cerâmica de Sacavém, 2009 esta marca corresponde ao período de 1856-1861, ou seja à época mais antiga da Fábrica, anterior aos patrões ingleses, que dominaram praticamente toda a existência de Sacavém. Esta encantadora terrina foi feita no tempo em que o industrial Manuel Joaquim Afonso fundou a fábrica na Quinta dos Coruchéus com licença para produzir cal hidráulica, cimento e porcelanas artificiais. Este Senhor não era um amador qualquer. Era um industrial conceituado, tinha estado na Vidraria da Marinha Grande e quando fundou Sacavém já era proprietário de uma fábrica de vidros e cerâmica em Lisboa.

Sacavém, ainda antes de ser comprada pelos ingleses, arrancou logo com um fabrico de grande qualidade

Em suma e também a julgar pela qualidade desta terrina, que se não fosse a marca, qualquer um de nós diria que era inglesa, Manuel Joaquim Afonso (1807-1871) começou a produção desde logo de uma forma moderna, para os padrões da época, que nada a tinha a ver com o ar artesanal dos pratos estampilhados ou pintados à mão de uma Fábrica da Fervença ou Bandeira.


Sacavém e o azulejos do padrão bicha-da-praça, uma combinação feliz

Apesar da evidente qualidade da cerâmica produzida por esta unidade industrial, os negócios não correram bem a Manuel Joaquim Afonso, houve um incêndio, terá sido roubado pelos sócios e enfrentou ainda uma crise económica, de modo que, em 1861, passou a Fábrica para as mãos do inglês John Scott Howorth e desde essa altura até ao seu fecho, Sacavém manteve-se propriedade de patrões ingleses.

A raridade de um conjunto completo, onde nem a concha falta

Para saber mais sobre este período recomendo a obra História da Fábrica de Loiça de Sacavém. Museu de Cerâmica de Sacavém, 2000 ou o blog do nosso amigo Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O serviço Júpiter da Fábrica de Louça de Sacavém



Serviço Júpiter da Fábrica de Louça de Sacavém

O meu amigo Manel consentiu em mostrar aqui neste blog algumas peças de um serviço completo da Fábrica de Louça de Sacavém, que ele usa em jantares especiais. O motivo decorativo deste conjunto de jantar designa-se por Júpiter. Está marcado a azul com o monograma de Sacavém e segundo o Dicionário de marcas e Faiança e porcelana portuguesa / Filomena Simas, Sónia Isidro. Lisboa estar Editora, 1996 foi fabricado no ano de 1896.



Para além de ser um serviço antigo e bonito da última década do séc. XIX, o prato que seleccionei para aqui apresentar é um bom exemplo de como Sacavém copiou e introduziu no mercado português não só os motivos decorativos da faiança inglesa, como toda a gente sabe, mas também de outras fábricas de cerâmica europeia.

Danish Blue da Royal Copenhagen Porcelain, pertencente ao Manel

O Serviço Júpiter é na verdade uma cópia de uma das produções mais famosas da Fábrica Real de Copenhaga, o Blue Fluted, também conhecido por Danish Blue. O Blue Fluted foi o primeiro serviço produzido pela Royal Copenhagen Porcelain, pouco tempos depois da sua fundação em 1775 e ao longo de duzentos anos de produção ganhou uma enorme popularidade não só na Dinamarca como em toda a Europa. De tal forma, que o Danish Blue tornou-se a imagem de marca da Den Kongelige Porcelainsfabrik e confundiu-se com a sua própria existência. Mais, o Blue Fluted, designado na fábrica pela decoração imortal, faz parte do património cultural dinamarquês. Por essas razões é o serviço com a marca número 1 da manufactura real dinamarquesa, conforme se pode ver pela fotografia que aqui apresento.

Marca da Den Kongelige Porcelainsfabrik datada entre 1894-1900. Apresenta a coroa dinamarquesa. O 1 quer dizer o serviço primeiro da Fábrica. Os números na linha de baixo reportam-se ao pintor. As três faixas onduladas simbolizam os três estreitos da Dinamarca: Oresund, o pequeno Belta e o Grande Belta

Muito a propósito, o Manel conseguiu comprar um prato deste Danish Blue, datado entre 1894-1900, que nos permite comparar o motivo original com a cópia feita na Fábrica de Sacavém. O prato dinamarquês é de porcelana e apresenta uma superfície com ondulados, enquanto que o de Sacavém é de faiança e a superfície lisa, mas basicamente são iguais e percebemos de imediato que a fábrica portuguesa foi beber inspiração no popular serviço dinamarquês.

Danish Blue e Sacavém

O serviço dinamarquês não encantou só os responsáveis da Fábrica de Savavém. No Porto, Massarelos produziu também uma versão deste azul dinamarquês uns dez ou quinze anos depois, conforme nos informou a nossa amiga If.



A versão de Massarelos do Danish blue



A marca de Massarelos. Na base, o nome que a Fábrica do Norte escolheu para o serviço: "Dania", de Dinamarca. Agradeço à Maria Andrade ter conseguido decifrar o nome, que se escondia atrás da da marca esborratada.
Está cópia poderá levar-nos a pensar que à Fábrica de Sacavém ou de Massarelos faltou originalidade e que se limitaram a copiar o que se fazia na época na Europa e sobretudo na Inglaterra, mas julgo que essa seria uma análise limitada. Pessoalmente, penso que o conceito de obra original é uma ideia contemporânea, formada talvez no seio do movimento impressionista, cubista ou modernista. No passado, um ceramista, um desenhador ou gravador devia copiar o que era considerado de grande qualidade, como uma obra da antiguidade, da renascença ou então oriental, de preferência da China. Neste último caso está a Royal Copenhagen Porcelain, que para criar o blue fluted, se inspirou nos azuis e brancos da porcelana Chinesa. Sacavém mais não fez do que fazer eco desta atracção pelo Oriente, que norteou a produção da cerâmica europeia desde os Descobrimentos até quase aos nossos dias.


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Bule da Fábrica de Loiça de Sacavém


Poucas serão as famílias portuguesas que não têm uma peça de faiança da Fábrica de Sacavém em casa. Estas loiças são praticamente uma referência nacional, como o galo de Barcelos, o Atum Bom Petisco ou uma dessas outras marcas que acompanharam a vida de gerações de portugueses. É certo que a produção da fábrica seguia muito de perto as modas da faianças inglesa, pois seus patrões eram britânicos, mas como conseguiram fazer chegar os seus produtos a quase todos os lares do nosso País, passámos a identificar o serviço do cavalinho com os nossos pais, avós e as casas antigas de família, ricas ou remediadas.



Apesar de a loiça de Sacavém, existir em todas as casas e ser a faiança mais abundante em todas as feiras de velharias, continua a surpreender-nos pela variedade da sua produção, que se estendeu por um período de quase um século e meio. Foi aquilo que me aconteceu a mim e ao Manel quando descobrimos este bule de chá no chão da Feira de Estremoz. Achamo-lo tão raro, que à primeira vista nos pareceu inglês. Mas quando, o virámos lá vimos a marca de Sacavém e ainda por cima das mais antigas.

Segundo o Dicionário de marcas de faiança e porcelana portuguesas- Lisboa: Estar Editora,1996 esta marca data de cerca de 1870

O Manel comprou o Bule por um preço muito em conta e colocou-o no aparador da sala jantar, onde expõe os azuis e brancos, essa combinação que se tornou a imagem de marca da cerâmica em Portugal.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Azeitoneira da John Meir & Son



Embora goste de faiança inglesa, tenho pouca coisa. O espaço que disponho em casa é diminuto e tento-me mais pelas estampas religiosas do século XVIII que cabem em qualquer soleira de porta ou pela faiança portuguesa.




Mas por vezes, lá me deixo tentar por uma destas faianças da velha Albion, com os motivos em transfer way muito perfeitos. Foi o caso desta azeitoneira, que a comprei porque era baratinha, satisfez-me o desenho de consumo e arranjei-lhe sítio facilmente numa das minhas paredes superlotadas.

A perfeição da faiança inglesa


Segundo o site http://www.thepotteries.org/ esta pequena peça da John Meir & Son, foi fabricada provavelmente entre 1837 e 97.


O motivo decorativo chama-se Balmoral, o nome do castelo onde a família real britânica passa o Verão, desde os tempos da Rainha Victória. As famílias pequeno-burguesas da Inglaterra deveriam sentir que estavam a emprestar um toque de realeza ao seu jantar, quando serviam esta travessinha com alguma entrada, que certamente não eram azeitonas. Enfim, toda a gente sabe que a azeitona não faz parte da alimentação tradicional dos súbitos de sua Majestade Britânica. Azeitoneira foi o nome que demos em Portugal, a este tipo de travessinha.



Azeitoneira de Sacavém, 1856-1861
Aliás é muito curioso, que Sacavém fabricou uma azeitoneira com um formato em todo semelhante à que aqui é mostrada e que aparece reproduzida no livrinho Roteiro das Reservas. – Loures: Câmara Municipal, 2000, com o número de inventário 7. Essa azeitoneira de Sacavém é das mais antigas produções daquela fábrica (1856-1861) e é também mais umas das provas de como Sacavém seguiu muito de perto os modelos ingleses, logo desde o seu início.