sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Paris ou Rio de Janeiro

Av. Rio Branco, Rio de Janeiro com ares de Paris
 
Já uma vez aqui tinha escrito sobre a influência do urbanismo parisiense na Europa. A esse propósito citei a obra o Danúbio, onde o autor, Claudio Magris, compara Paris com o arquétipo platónico. À medida que desce o Danúbio para Oriente, Magris vai encontrando imitações de Paris. Viena copiou a Paris dos Boulevards do Barão Haussamann e por sua vez Budapeste imitou essa imitação da Paris e torna-a mais aparatosa, com fachadas ainda mais teatrais. Praga, também construiu uma Avenida Pariska e mais a Sul, Bucareste copiou Budapeste, que por sua vez já era um mimetismo de Viena. Mas esta é rota oriental do modelo Parisiense de Urbanismo.

Budapeste. Avenida Andrassy, onde a arte imita a imitação da arte

Esse modelo de cidade do Barão Haussmann atravessou o Atlântico e difundiu-se também em direcção ao hemisfério Sul e chegou a Buenos Aires e ao Rio de Janeiro. Já tinha ouvido falar desse tempo em que a cidade maravilhosa, o paradigma actual do exotismo para muitos europeus, se assemelhou a Paris. O Fábio Carvalho já várias vezes tinha escrito sobre essa época, a seguir a queda da monarquia e ao exílio dos Braganças, em que se quis apagar a todo o custo a velha arquitectura portuguesa e procurar uma coisa mais moderna, palavra que no início do Século XX era sinónimo de qualquer coisa francesa, de preferência Parisiense. Contudo, foi a desfolhar o álbum fotográfico Vistas do Rio de Janeiro. Rio: Papelaria Mendes, 1911, que me permitiu ver até que ponto, aquela cidade passou por um período, em que almejou ser uma espécie de Paris dos trópicos

Av. do Rio Branco. Cerca de 1911

Toda essa renovação urbana se passou entre 1902 e 1906, sob égide do Prefeito, Francisco Pereira Passos. Pretendeu-se por fim à velha cidade colonial, caracterizada por um urbanismo muito concentrado e propenso à ocorrência de epidemias como a cólera ou a varíola e nesse sentido, fizeram-se a terraplanagens, demolições e ao fim de 4 anos uma cidade nova emergia, tendo como eixo fundamental a Avenida Rio Branco, onde se alinhavam os prédios e edifícios públicos, construídos num gosto ecléctico, mas com um sabor muito francês. A calçada era no entanto portuguesa.

A calçada portuguesa numa avenida de edifícios de gosto eclético, mas a pretender ser Paris

Além da destruição da velha cidade colonial, outra das consequências desta política de demolições foi o aparecimento das primeiras favelas nos morros, construídas por pessoas pobres expulsas do centro.

Outro aspecto da Av. Rio Branco

Mas, os ares parisienses do Rio de Janeiro tiveram vida curta e a partir dos anos, 40 e 50, os prédios com sabor a belle époque foram sistematicamente demolidos para dar lugar aos arranha-céus em cimento, ao estilo americano ou modernista.

Paris em South American Ways



Agradeço ao Ramiro Gonçalves as digitalizações.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Fuga para o Egipto, Boas festas e tremoços


Uma Fuga para o Egipto não é exactamente o tema certo para ilustrar um postal de boas-festas, mas como este episódio do Novo Testamento ainda faz parte do ciclo da Natividade, esta pequena estampa que vos apresento hoje servirá em todo o caso para desejar a todos um bom natal.


A gravura é muito ingénua e está de acordo com toda uma série de lendas e histórias populares que se criaram à volta deste episódio, em que Jesus, Maria e José fogem para o Egipto, para escapar a matança dos inocentes, ordenada por Herodes. Esta história é narrada de forma sumária no Evangelho de S. Mateus, mas é desenvolvida nos evangelhos apócrifos, onde se lêem toda uma série de pequenas historietas e incidentes à volta desta fuga, que a tradição popular aumentou ainda mais.


Os Evangelhos Apócrifos são aqueles textos antigos, que também contam episódios da Vida de Cristo, mas que a Igreja Católica, excluiu da Bíblia e não os considerou canónicos.


Esta gravura apresenta, uma iconografia típica da Fuga para o Egipto. Observamos S. José com o seu cajado decorado com açucenas e a Virgem com o Menino ao colo montados num burro. O grupo é conduzido por um anjo. Ao fundo, vemos uma Tamareira, que faz parte de um dos episódios anedócticos desta fuga. Segundo os tais textos apócrifos, a Sagrada Família teria passado fome e sede na viagem e ao passar por uma Tamareira, Jesus ordena a árvore que incline as suas ramas, de modo a que todos pudessem alcançar os seus frutos e com eles satisfazer a fome.


Mas o episódio mais delicioso que conheço desta fuga para o Egipto e que combina com a ingenuidade desta estampa, é uma tradição popular, contada por Moisés Espírito Santo nas Origens orientais da religião tradicional portuguesa. Segunda essa lenda, os tremoços porque chocalhavam e denunciaram a passagem da sagrada família, foram castigados e condenados a não matar a fome de ninguém, seja qual for a quantidade que deles se coma. Efectivamente, podemos comer sempre muitos tremoços, que temos sempre apetite, por mais, ainda mais tremoços.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Árvores centenárias em Vinhais

 


Talvez o que me impressiona mais nas terras de Vinhais seja a natureza. O povoamento é escasso, há montanhas desertas e árvores assombrosas por todo o Concelho, o único em Portugal onde não há eucaliptos. Não é preciso metermo-nos por picadas agrestes para encontrar árvores seculares.



Basta encostar o carro à beira da estrada e por todo o lado abundam castanheiros centenários com troncos enormes e copas descumunais. Enfim, é difícil encontrar adjectivos para os sentimentos, que nos despertam estas árvores quase imortais. O povo costuma dizer que um castanheiro leva 300 anos a crescer, 300 a viver e 300 a morrer 


Este ano decidi começar a fotografar alguns desses castanheiros. Talvez por saber que mais tarde ou mais cedo, vou perder a casa de Vinhais, quero ficar com boas imagens de tudo aquilo, que me impressiona naquela terra, de todas as coisas, que me recordam a infância e as pessoas, que ali me acarinharam e que já estão todas mortas. E os castanheiros são sem dúvida um símbolo não só de Vinhais, mas também de um certo sentimento de eternidade, que encontramos nas terras dos nossos ancestrais, onde sentimos, que poderíamos a dar continuidade ao destino de gerações e gerações, que viveram antes de nós, se por acaso ali continuássemos a viver.



Eu que estou habituado a fotografar os objectos pequenos, com os quais encho a minha casa, tive dificuldade em fixar com a câmara os castanheiros gigantescos que fui encontrando ou ainda uma nogueira duplamente centenária em Quintela, também no Concelho de Vinhais.


A copa gigantesca do castanheiro
Os meus filhos não ficaram indiferentes a estas árvores, e julgo que puderam sentir, ainda que de uma forma empírica, que o tempo pode ser muito mais que os escassos oitenta e poucos anos de vida, que, nós os humanos dispomos.


Uma nogueira secular e os meus filhos

sábado, 15 de dezembro de 2012

Nossa Senhora das Almas



Não sei se ainda haverá gente que reze pelas alminhas do Purgatório. Talvez o Purgatório esteja pejado de almas esquecidas, por quem ninguém já se lembra de rezar um Padre-nosso, Ave-maria. Aconteceu-lhe o mesmo que as antigas divindades pagãs da Península. Estão esquecidas de todos. Já ninguém em Chaves faz um sacrifício ao Deus Larouco e no Alentejo há muito que deixaram de levar oferendas a Endovélico.


Talvez seja por simpatizar tanto por coisas esquecidas e causas perdidas, que tenho uma predilecção especial pelas imagens das alminhas do Purgatório e quando vi esta estampa no chão da feira de Estremoz, não a pude deixar ficar por lá. Fazia parte de um conjunto de quatro, todas emolduradas numa madeira pintada de azul cueca. O Manel e eu compramo-las em conjunto e a coisa ficou muito em conta. Nem meia dúzia de euros custou cada das estampas.


Só deu algum trabalho raspar a tinta azul. O resto foi só limpar o vidro e passar muita cera.


A estampa foi feita por Teotónio José de Carvalho e vendia-se na travessa de S. Domingos, nº 58. A julgar pela cercadura, parece-me um trabalho dos finais do XVIII. Não encontrei nada de relevante sobre este Carvalho nas obras do Ernesto Soares.



Terá sido um impressor gravador sem grande brilho, que vendia estampas baratas, como esta Nossa Senhora das Almas. Segundo li na obra de Manuel J. Gandra, Estampas religiosas gravadas do Concelho de Mafra, esta actividade de imagens devotas estava de tal forma bem organizada, que os impressores deixavam em branco o campo destinado à legenda alusiva à invocação e competia ao comprador da edição a impressão do nome do santo ou santa. Por exemplo, esta Senhora das Almas tanto podia ser a Estremoz, como a Virgem das Almas de Viana. Era só uma questão de mudar o título. Por essa razão, nos dias de hoje, temos a maior das dificuldades em perceber se uma estampa antiga representa a Rosa de Viterbo ou de Lima ou a Brígida da Irlanda ou da Suécia.

A localização final da Nossa Senhora das Almas

A Brígida da Irlanda, a Rosa de Viterbo ou as Alminhas do Purgatório são todas elas devoções esquecidas, cujas imagens são vendidas ao desbarato nas feiras das velharias e ainda bem para mim, que as acho encantadoras.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Nossa Senhora em Espuma de Mar




Recentemente, cometi mais uma pequena loucura e comprei uma Nossa Senhora em espuma do mar. É literalmente uma pequena loucura pois mede apenas 11,5 x 9,5 cm, aliás a minha casa é tão cochichosa e está tão sobrecarregada, que só lá consigo pôr peças com estas dimensões.


Encantei-me com o trabalho minucioso da Nossa Senhora, com as flores em pano, que a rodeiam e a moldura oval muito oitocentista e lá consegui arranca-la às mãos da vendedora por um bom preço, depois de algum regateio. Também estava um frio de rachar e a feirante queria era ir-se embora o mais depressa possível e com algum dinheiro nos bolsos. Não há nada como os dias muito frios ou de chuvisco para comprar pechinchas nas feiras de velharias. Pelo contrário, os dias de Sol, quando a turistada invade às feiras, são os piores. Qualquer tareco velho é apresentado como muito antigo, pombalino, marca Miragaia ou Companhia das Índias e vale muito dinheiro.


Mas, voltando a Minha Nossa senhora, ela irá fazer companhia a uma Santa Ana Mestra, que já tenho em casa, feita no mesmo material, espuma de mar.


A espuma de mar é o nome vulgar que se dá a um mineral chamado Hidrogenosilicato de magnésio, que é comum na Turquia. É um material muito leve e de cor clara, que costuma aparecer a boiar nas águas do Mar Negro e por isso ficou conhecido pelo nome espuma do mar, que os ingleses e alemães designam por meerschaum e os franceses écume de mer. Como é um mineral muito suave presta-se a trabalhos de escultura muito delicados e as peças mais famosas em espuma de mar são sem dúvida nenhuma os cachimbos, mas não só.
 
Cachimbo em Espuma de Mar
 
Em França, na segunda metade do século XIX, desenvolveu-se uma pequena indústria de objectos devotos feitos em espuma de mar, normalmente encaixilhados nestas molduras ovais pretas e vendidas nos centros de peregrinação, como Lourdes.


Fiz umas quantas pesquisas na internet sobre estas imagens devotas em espuma de mar e curiosamente em França não lhe ligam muito. Nos antiquários franceses pedem em média 50 euros por elas e imagino, que nas feiras se venderão mais baratas. Pelo contrário, nos Estados Unidos são muito caras vendem-se a cento e cinquenta e duzentos dólares. Julgo que que os franceses terão tão boas antiguidades, que não ligarão muito as estas esculturas devotas em espumas de mar.



Eu pessoalmente encanto-me com estas molduras ovais e as suas imagens piedosas muito oitocentistas, que devem ter decorado muitas casas portuguesas no passado. Talvez as senhoras mais ricas as trouxessem de França, quando iam visitar os lugares onde a pobre Bernadette Soubirous viu a Virgem ou talvez fossem importadas por casas de artigos religiosos, em Braga, Porto ou Lisboa.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Velharias do Luís na Televisão



O blog velharias do Luís esteve na televisão, no passado dia 4 de Dezembro. Aqui o autor deste blog foi entrevistado no programa da SIC Querida Júlia e a minha casa foi objecto de uma pequena reportagem.


Além de me ter divertido com a experiencia de participar num programa televisivo, fiquei muito contente por sentir que o trabalho desenvolvido ao longo de 3 anos de escrita de pequenos textos sobre velharias, antiguidades e memórias familiares neste blog, teve o reconhecimento público de um programa televisivo. Claro, o Querida Júlia não é o Câmara clara, nem o Bouillon de culture do Bernard Pivot, mas eu também não sou de forma alguma um intelectual de craveira. O meu blog é como que uma conversa de café sobre arte e velharias e foi interessante transpor essa amena cavaqueira para a televisão, para um programa com muita audiência.


Outro aspecto interessante da minha participação neste programa, que o nosso amigo Zé Júlio reparou, foi chamar a atenção para um estilo de vida alternativo, baseado na reciclagem, nas compras em segunda mão e no gosto pela memória e cultura, e que é possível experimentar com humor e e sem grandes regras ou convenções.


Se quiserem assistir aos meus cinco minutos de fama, a que segundo os sociólogos cada cidadão aspira, cliquem aqui

sábado, 1 de dezembro de 2012

Gente à janela no Solar de Outeiro Seco.


Ao desfolhar pela décima ou vigésima vez o álbum de fotografias do meu pai, deparei com esta fotografia do Solar de Outeiro Seco, que nunca me tinha chamado a atenção. Já aqui havia mostrado outras fotografias da velha casa dos Montalvões, que seleccionei desse álbum, com uma qualidade superior, mas esta tem uma particularidade, que só agora dei conta, há pessoas à janela e uma outra à porta de casa.
 
 
 

Não é uma mera fotografia de arquitectura, uma coisa estática para apreciar o traçado do edifício. É um retrato de uma casa viva, onde há uma criada a sacudir tapetes ou a Senhora da Casa, a minha bisavô Aninhas, espreitando os campos em frente. Também nesta imagem é possível ver a caixilharia das janelas intactas.



A fotografia está datada do ano de 1938, com a caligrafia angulosa da minha avô Mimi, que tentei imitar quando era jovem. Ainda hoje tendo a fazer umas pernas compridas no final de algumas letras. A procura de um estilo de caligrafia corresponde sempre a uma busca da nossa própria identidade.

 
Fotografia da Foto Alves, um estúdio fotográfico de Chaves

Em 1938, o meu pai teria 4 anos e ainda vivia com os seus avós paternos no Solar de Outeiro Seco. Foi um período de felicidade para ele. Adorava os avós e nunca mais esqueceu a meninice passada em Outeiro Seco. Talvez por isso tenha sido o único membro da família, que depois da venda do solar se tenha preocupado em anotar cuidadosamente as memórias dispersas do Solar dos Montalvões, impedindo assim que se perdessem para sempre. Registar o passado foi para ele uma forma de relembrar uma infância feliz.  


Talvez nesta fotografia, o meu pai, esteja agarrado às saias da minha bisavô que assoma à janela, pedindo que o agarrem também para espreitar. Não suspeitaria certamente, que dali há uns dois anos seria tirado do carinho dos avós e levado a viver com os seus pais, pessoas cultas e educadas, mas decididamente sem qualquer vocação para cuidarem de crianças. Mas deixemos o meu pai ficar no ano de 1938 e talvez se olharmos melhor a fotografia, a sua cabecita nos apareça à janela, fixando-nos com os seus grandes olhos escuros.    

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Um prato de faiança Viana ou um golpe de sorte



Recentemente houve aqui no blog um certo desentendimento a propósito da atribuição de faianças a Fervença e a Viana, fábricas de Gaia e Viana do Castelo, respectivamente. Essa disputa levou-me a consultar o catálogo dos Meninos Gordos de Isabel Fernandes, Porto: Civilização, 2005 para ver como eram os pratos fabricados em Viana com os Meninos Gordos.
Prato reproduzido de Meninos Gordos/ Isabel Fernandes. -  Porto: Civilização, 2005
Estes apresentam uma decoração muito simples na aba, com um filete a uma ou duas cores e a orla é encordoada e de facto, nada tem a ver com os pratos dos meninos gordos das fábricas de Fervença ou Bandeira.
Detalhe da decoração encordoada de um prato Viana com um Menino Gordo
Mostrei esse catálogo ao Manel, que é um livro muito bem feito, que sistematiza as decorações típicas de Fervença ou da Bandeira, a propósito dos Meninos Gordos.

O prato do Manel
Passadas umas semanas, o Manel passou pela banca de um cigano em Estremoz, que vende tudo ao preço das jóias da Coroa de Inglaterra e viu aí um belo prato de faiança, com uma borda semelhante aos pratos de Viana dos Meninos Gordos. Contudo, o prato não estava marcado e encontrava-se em muito mau estado. Em tempos tinha-se partido ao meio e tinha sido mal e porcamente restaurado com uma massa branca.


Talvez por estar tão mal restaurado, ou talvez porque estivesse a chover, o cigano (que descobrimos ser evangelista) vendeu o prato muito baratinho ao Manel, por um preço que rondou as duas dúzias de euros.


Quando chegamos a casa, o Manel correu para a banca da cozinha e pôs-se a raspar a massa nojenta do restauro. Descobriu que o prato tinha sido gateado, mas, num período qualquer da vida deste prato, uma criatura mal inspirada, tinha resolvido tirar os gatos e colar as partes com massa.
Os orifícios dos gatos
Contudo, o Manel não descobriu só aos orifícios deixados pelos gatos. Ao retirar a massa, apareceu a letra V, seguida de um tracinho, a marca típica e inconfundível da célebre Fábrica de Viana (1774-1855).  Como dizem os franceses, foi uma verdadeira trouvaille!
O V de Viana

Segundo o Dicionário de Marcas de Faiança e Porcelana Portuguesa, Lisboa Estar Editora, 1996 este v, seguido de um tracinho, corresponderá talvez ao segundo período da laboração da chamada fábrica de Darque (1780-1820). Esta crença é reforçada pelo facto de o Manel ter encontrado na obra A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte, um prato com muitas semelhanças e que está atribuído ao segundo período.

Prato fabricado no segundo período de Viana e reprozido em A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte

Esta fase da existência da Fábrica de Viana é considerada a mais original, com as suas decorações florais feitas com cores alegres.


domingo, 25 de novembro de 2012

D. Pedro II: uma estampa do século XVII tirada de um livro


Já há algum tempo adquiri esta estampa francesa, arrancada de um livro, conforme pude ver imediatamente pelo verso, preenchido por um extenso texto que descreve o período em que D. Pedro consegue apear do trono o seu irmão, Afonso VI e casar com a rainha, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia.



Portanto, para mim ficou logo claro que a gravura representaria ou D. Afonso VI ou D. Pedro II. Depois, de uma leitura mais atenta à gravura, descobri no canto superior esquerdo, uma legenda P. R. de Portugal, que obviamente eram as iniciais de Pedro, Rei de Portugal.



O fundo da estampa apresenta uma multidão de cavaleiros envolvidos numa batalha, uma alusão às lutas da Restauração. D. Pedro tomou o poder quando ainda decorria esta guerra e foi ele quem conseguiu as pazes com a Espanha e o reconhecimento da independência de Portugal, em 1668, pondo fim a 28 anos de guerra. Foi sem dúvida a mais longa e esforçada guerra portuguesa e D. Pedro por lhe ter posto fim, ganhou o cognome do pacificador.


Fiz de seguida umas pesquisas no Google pelos termos De l’Europe, figure CXLV e fui ter ao site da Biblioteca Nacional, onde encontrei digitalizada uma estampa exactamente igual à minha e a catalogação feita por aquela Casa permitiu-me ter a certeza que se tratava de D. Pedro e forneceu-me o local, o nome e o ano da impressão da espampa, Paris : Allain Manesson Manet, 1683. O registo bibliográfico remeteu-me para o Dicionário de iconografia Portuguesa / de Ernesto Soares e Henrique de Campos Ferreira. – Lisboa Instituto de Alta Cultura, 1950.


Lá fui eu todo pimpão consultar o referido Dicionário e encontrei o nome exacto do livro de onde a minha estampa foi rasgada. Trata-se da Description de l'univers : contenant les differents systemes du Monde, les cartes generales & particulieres de la geographie ancienne & moderne, les plans & les profils des principales villes & des autres lieux plus considerables de la Terre, avec les portraits des souverains qui y commandent, leurs blasons, titres & livrées, et les moeurs, religions, gouvernemens & divers habillemens de chaque nation da autoria de Allain Manesson-Mallet e impresso em Paris, por Denys Thierry, no ano de 1683.
 
O Rei de Espanha na Description de l'univers . Imagem retirada no alfarrabista http://www.alte-landkarten.de

Este Senhor Allain Manesson-Mallet (1630–1706) era um engenheiro militar francês, que lutou em Portugal durante a Restauração, ao serviço de D. Afonso VI e participou na fortificação de Arronches, Ferreira, Évora e Estremoz. De regresso a França, dedicou-se também à cartografia e fez publicar esta Description de l'Univers em 5 volumes, com muitos mapas e numerosas ilustrações mais pitorescas que exactas, mas que são muito procuradas pelos coleccionadores

Inde. Vue de la ville de Goa. Imagem retirada da Bibliothèque nationale de France

Depois de identificar a gravura, tratei de encontrar uma moldura adequada. Encontrei uma bonita, em mogno, na feira de velharias de Estremoz, com uma fotografia de uns meninos vestidos à maruja, tirada no início do século XX. O Manel fez o favor de restaura-la, limpando-lhe a madeira e concertando falhas. Para finalizar, coloquei-lhe os cantos em latão e ficou muito muito bem.



Quanto aos irmãos vestidos à maruja não tive coragem de os deitar para o caixote de lixo e usei a fotografia para servir de verso à moldura. Talvez daqui a uns trinta ou quarenta anos, quando meus filhos ou netos virarem a moldura e encontrarem a fotografia dos irmãos vestidos de marinheiros atrás do Rei D. Pedro II, essa descoberta possa ser para eles uma charada curiosa e intrigante deixada por este pai ou avô com a mania das velharias.

o verso da moldura

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estampa do Séc. XVIII com Nossa Senhora do Rosário


Comprei não há muito tempo, mais um registo do século XVIII, desta vez uma Nossa Senhora do Rosário. Gostei muito da estampa, que está muito bem desenhada, sobretudo a veste de Maria, que é um autêntico traje de Corte.

 Um autêntico traje de corte
Fui procurar mais informações sobre esta imagem e comecei pelo nome do vendedor da estampa, a Loja de José da Fonseca ao Arsenal. Fiz umas pesquisas aqui e ali e descobri um anúncio na Gazeta de Lisboa, de 1785, publicitando, que na que loja do José da Fonseca se vendia o livro Privilégios e Prerogativas que o Género Feminino tem por Direito comum, e Ordenações do Reino mais que o Género Masculino. Este anuncio da Gazeta de Lisboa, espécie de antepassado longínquo do malfadado Diário da República permitiu-me saber, que a Loja de José da Fonseca estava activa em 1785 e por conseguinte a minha estampa deve ter sido impressa algures pelo último quartel do século XVIII.



Depois, no motor de pesquisa do arquivo Nacional da Torre do Tombo, o DIGITARQ, descobri um frontispício impresso, também vendido na loja de José da Fonseca, capeando uma série de documentação alusiva ao Padre Bartolomeu Gusmão, datada entre 1722 e 1752. Tal como a minha estampa, é um trabalho com um desenho muito cuidadoso, o que me paz pensar que este Senhor José da Fonseca venderia e talvez editasse impressões com uma boa qualidade.


 
De seguida, debrucei-me sobre a iconografia da imagem, isto é, tentei saber qual é o significado de Nossa Senhora do Rosário e confesso-vos, experimentei alguma dificuldade em destrinçar a simbologia, talvez por me faltar a crença para a boa compreensão de algumas das devoções mais fervorosas do catolicismo.


O culto de Nossa Senhora do Rosário começou no século XIII, depois da aparição da Virgem a S. Domingos de Gusmão e os Dominicanos foram os principais propagadores deste culto no mundo cristão, e talvez por isso julgo, que esta minha estampa impressa em Lisboa, será a representação de uma imagem célebre de Nossa Senhora do Rosário, existente no Convento de S. Domingos de Benfica. Segundo a Correia de Campos, na obra A Virgem na Arte Nacional. Braga, 1956, a primeira confraria de Nossa Senhora do Rosário, foi criada em Portugal, no ano de 1484 no Convento de S. Domingos de Benfica, em Lisboa e a devoção à sua imagem seria talvez a mais célebre na capital do reino, no tempo em que a minha estampa foi impressa, mas isto sou eu a supor sem provas.
Convento de S. Domingos de Benfica. Foto www.monumentos.pt

O culto da Senhora do Rosário relaciona-se com o objecto do Rosário, que é uma espécie de colar de contas que serve para rezar. Consoante o tamanho e o formato, as contas equivalem a orações diferentes. Umas são aves-marias, outras padres.nossos, outras ainda glórias e jaculatórias. Segundo um cálculo que fiz e não sei se estará correcto, o rosário equivalerá pelo menos a 150 avés-marias e a 15 pais-nossos. Portanto, é uma devoção muitíssimo longa e percebemos desde logo porque é que a expressão Rosário, se tornou um sinónimo de uma coisa grande e aborrecida. Dizemos por exemplo, que fulano apresentou um rosário de queixas e que a carta de beltrano foi um rosário de lamentações. Mas, isso é para mim, que sou um descrente. Mesmo em miúdo, quando frequentava a catequese nunca consegui experimentar qualquer sentimento místico numa oração. Rezar era repetir uma ladainha sem qualquer significado. Ao contrário, um católico convicto experimenta naquelas orações um conjunto de quatro meditações sobre a vida de Maria e Jesus, os chamados Mistérios.


Julgo que o Rosário permitirá aos crentes uma abstracção dos problemas dolorosos do quotidiano e um sentimento de elevação, que os fará pensar que estão próximos da Virgem ou de Deus.

Por outro lado há uma simbologia no Rosário. Etimologicamente, o rosário significa fiada de rosas e a rosa é o símbolo da Virgem por excelência. Para os católicos, as várias contas do Rosário, que desfilam pelos dedos, são pois rosas que se oferecem a Nossa Senhora.