Recentemente houve aqui no blog um certo desentendimento a propósito da atribuição de faianças a Fervença e a Viana, fábricas de Gaia e Viana do Castelo, respectivamente. Essa disputa levou-me a consultar o catálogo dos Meninos Gordos de Isabel Fernandes, Porto: Civilização, 2005 para ver como eram os pratos fabricados em Viana com os Meninos Gordos.
Prato reproduzido de Meninos Gordos/ Isabel Fernandes. - Porto: Civilização, 2005 |
Estes apresentam uma decoração muito simples na aba, com um filete a uma ou duas cores e a orla é encordoada e de facto, nada tem a ver com os pratos dos meninos gordos das fábricas de Fervença ou Bandeira.
Detalhe da decoração encordoada de um prato Viana com um Menino Gordo |
Mostrei esse catálogo ao Manel, que é um livro muito bem feito, que sistematiza as decorações típicas de Fervença ou da Bandeira, a propósito dos Meninos Gordos.
O prato do Manel |
Passadas umas semanas, o Manel passou pela banca de um cigano em Estremoz, que vende tudo ao preço das jóias da Coroa de Inglaterra e viu aí um belo prato de faiança, com uma borda semelhante aos pratos de Viana dos Meninos Gordos. Contudo, o prato não estava marcado e encontrava-se em muito mau estado. Em tempos tinha-se partido ao meio e tinha sido mal e porcamente restaurado com uma massa branca.
Talvez por estar tão mal restaurado, ou talvez porque estivesse a chover, o cigano (que descobrimos ser evangelista) vendeu o prato muito baratinho ao Manel, por um preço que rondou as duas dúzias de euros.
Quando chegamos a casa, o Manel correu para a banca da cozinha e pôs-se a raspar a massa nojenta do restauro. Descobriu que o prato tinha sido gateado, mas, num período qualquer da vida deste prato, uma criatura mal inspirada, tinha resolvido tirar os gatos e colar as partes com massa.
Talvez por estar tão mal restaurado, ou talvez porque estivesse a chover, o cigano (que descobrimos ser evangelista) vendeu o prato muito baratinho ao Manel, por um preço que rondou as duas dúzias de euros.
Quando chegamos a casa, o Manel correu para a banca da cozinha e pôs-se a raspar a massa nojenta do restauro. Descobriu que o prato tinha sido gateado, mas, num período qualquer da vida deste prato, uma criatura mal inspirada, tinha resolvido tirar os gatos e colar as partes com massa.
Os orifícios dos gatos |
Contudo, o Manel não descobriu só aos orifícios deixados pelos gatos. Ao retirar a massa, apareceu a letra V, seguida de um tracinho, a marca típica e inconfundível da célebre Fábrica de Viana (1774-1855). Como dizem os franceses, foi uma verdadeira trouvaille!
O V de Viana |
Segundo o Dicionário de Marcas de Faiança e Porcelana Portuguesa, Lisboa Estar Editora, 1996 este v, seguido de um tracinho, corresponderá talvez ao segundo período da laboração da chamada fábrica de Darque (1780-1820). Esta crença é reforçada pelo facto de o Manel ter encontrado na obra A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte, um prato com muitas semelhanças e que está atribuído ao segundo período.
Prato fabricado no segundo período de Viana e reprozido em A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte |
Esta fase da existência da Fábrica de Viana é considerada a mais original, com as suas decorações florais feitas com cores alegres.
Que achado! Foi mesmo um golpe de sorte do Manel!
ResponderEliminarRealmente este prato , com aquele tipo de orla, é dos que não suscitam grandes dúvidas, mesmo que não tivesse marca. Felizmente a Fábrica de Darque tinha a prática salutar de marcar a sua produção, talvez porque a marca adotada era muito fácil de colocar à mão por qualquer pintor, mesmo analfabeto que fosse.
E digo-lhe, Luís, que aquele bouquê ao centro com tons muito frescos e suaves é dos motivos florais mais bonitos que tenho visto neste tipo de faiança.
Também foi sorte o Manel não ter encontrado mais mazelas por baixo daquela massa, que desfeassem o prato. Assim ficou muito bem... e considerando a origem e época, uma pechincha!
Parabéns ao Manel e obrigada pela partilha.
Abraços
Que maravilha de achado! Imagino a excitação de vocês quando surgiu o "V _" por baixo da massa!! O Manel gritando, "Luis! Luiiiiiiiiiiiiis!, Venha cá ver isso!!" :-)
ResponderEliminarNão só foi um tremendo golpe de sorte mesmo, como a decoração e a modelagem do prato são LINDOS!
parabéns e abraços
Olá Luís
ResponderEliminarQue golpe de sorte! Comprar um prato de Viana, embora camuflado, não acontece a todos. E comprar a um cigano. Até gosto dos ciganos. Lembro-me de uma família que ocupava uma vivenda abandonada. Todos os dias, a caminho do trabalho, passava junto deles. Ou havia confusão e gritaria, ou, pacatamente todos giravam em torno do patriarca, homem grande, imponente nos seus trajes negros onde sobressaia a alvura da longa barba.
Mas nada disto tem a ver com o prato do Manel. O encordoado do bordo com os filetes em tons de verde e amarelo sao lindos. A leveza do ramo central enriquece-o.
Cumprimentos
If
Fábio
ResponderEliminarAdivinhou. O Manel estava na cozinha a raspar o prato com uma faquinha e eu na sala, em volta do blog e o Manel chamou-me tanto, que pensei, que estivesse algum bicho selvagem à porta, que o Manel quisesse que eu visse.
Abraços
Manel
ResponderEliminarEste certamente foi um dos teus bons negócios. É por isso que dá jeito espiolhar os manuais todos de cerâmica e visitar museus, para poder reconhecer as oportunidades no chão das Feiras.
Cara IF
ResponderEliminarUm dos mais aspectos mais interessantes da Feira de Estremoz é que uma boa parte das bancas são asseguradas por ciganos. Aliás, parece que é tradição no Alentejo, os ciganos comprarem e venderem coisas velhas. Segundo me informaram, alguns deste ciganos tem acordos com os melhores antiquários de Lisboa e vendem à consignação peças mal restauradas ou monos, que esses mesmos antiquários não conseguem vender nas suas lojas.
Naturalmente há ciganos mais simpáticos que outros e muitos deles até negoceiam e conseguem-se bons preços, mas aquele a quem o Manel comprou o prato é torcidinho, torcidinho
Bjos e obrigado pelo seu comentário
Maria Andrade
ResponderEliminarO bouquet é tão bonito e tão bem pintado que ainda conversei com o Manuel se teria sido executado por alguma forma de estampilhagem ou transfer way. Mas não, é de facto pintado à mão e requereu uma enorme perícia e uma mão muito firme.
Beijos
A decoração, ainda que de elevada qualidade, estava de tal forma escondida, em parte, por massas de mau restauro, que não conseguiu perceber o que estava a vender.
ResponderEliminarDe tal forma deram pouca importância à peça que a expuseram debaixo de outras, mal se conseguindo ver.
Fábio, foi isso mesmo, quando descasquei as massas que cobriam a superfície e apareceu o "V _" chamei logo o Luís para vir ver!
Tal como diz a Maria Andrade, este desenho do "bouquet" é de uma beleza que me agrada bastante, executado com uma mão firme e segura, com traços fortes e cores bem aplicadas. Foi a beleza deste desenho que mais me chamou à atenção, apesar do prato estar perdido debaixo de muitos outros, de forma que mal se conseguia perceber.
Manel