Já há algum tempo adquiri esta estampa francesa, arrancada de um livro, conforme pude ver imediatamente pelo verso, preenchido por um extenso texto que descreve o período em que D. Pedro consegue apear do trono o seu irmão, Afonso VI e casar com a rainha, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia.
Portanto, para mim ficou logo claro que a gravura representaria ou D. Afonso VI ou D. Pedro II. Depois, de uma leitura mais atenta à gravura, descobri no canto superior esquerdo, uma legenda P. R. de Portugal, que obviamente eram as iniciais de Pedro, Rei de Portugal.
O fundo da estampa apresenta uma multidão de cavaleiros envolvidos numa batalha, uma alusão às lutas da Restauração. D. Pedro tomou o poder quando ainda decorria esta guerra e foi ele quem conseguiu as pazes com a Espanha e o reconhecimento da independência de Portugal, em 1668, pondo fim a 28 anos de guerra. Foi sem dúvida a mais longa e esforçada guerra portuguesa e D. Pedro por lhe ter posto fim, ganhou o cognome do pacificador.
Fiz de seguida umas pesquisas no Google pelos termos De l’Europe, figure CXLV e fui ter ao site da Biblioteca Nacional, onde encontrei digitalizada uma estampa exactamente igual à minha e a catalogação feita por aquela Casa permitiu-me ter a certeza que se tratava de D. Pedro e forneceu-me o local, o nome e o ano da impressão da espampa, Paris : Allain Manesson Manet, 1683. O registo bibliográfico remeteu-me para o Dicionário de iconografia Portuguesa / de Ernesto Soares e Henrique de Campos Ferreira. – Lisboa Instituto de Alta Cultura, 1950.
Lá fui eu todo pimpão consultar o referido Dicionário e encontrei o nome exacto do livro de onde a minha estampa foi rasgada. Trata-se da Description de l'univers : contenant les differents systemes du Monde, les cartes generales & particulieres de la geographie ancienne & moderne, les plans & les profils des principales villes & des autres lieux plus considerables de la Terre, avec les portraits des souverains qui y commandent, leurs blasons, titres & livrées, et les moeurs, religions, gouvernemens & divers habillemens de chaque nation da autoria de Allain Manesson-Mallet e impresso em Paris, por Denys Thierry, no ano de 1683.
Este Senhor Allain Manesson-Mallet (1630–1706) era um engenheiro militar francês, que lutou em Portugal durante a Restauração, ao serviço de D. Afonso VI e participou na fortificação de Arronches, Ferreira, Évora e Estremoz. De regresso a França, dedicou-se também à cartografia e fez publicar esta Description de l'Univers em 5 volumes, com muitos mapas e numerosas ilustrações mais pitorescas que exactas, mas que são muito procuradas pelos coleccionadores
Lá fui eu todo pimpão consultar o referido Dicionário e encontrei o nome exacto do livro de onde a minha estampa foi rasgada. Trata-se da Description de l'univers : contenant les differents systemes du Monde, les cartes generales & particulieres de la geographie ancienne & moderne, les plans & les profils des principales villes & des autres lieux plus considerables de la Terre, avec les portraits des souverains qui y commandent, leurs blasons, titres & livrées, et les moeurs, religions, gouvernemens & divers habillemens de chaque nation da autoria de Allain Manesson-Mallet e impresso em Paris, por Denys Thierry, no ano de 1683.
O Rei de Espanha na Description de l'univers . Imagem retirada no alfarrabista http://www.alte-landkarten.de |
Este Senhor Allain Manesson-Mallet (1630–1706) era um engenheiro militar francês, que lutou em Portugal durante a Restauração, ao serviço de D. Afonso VI e participou na fortificação de Arronches, Ferreira, Évora e Estremoz. De regresso a França, dedicou-se também à cartografia e fez publicar esta Description de l'Univers em 5 volumes, com muitos mapas e numerosas ilustrações mais pitorescas que exactas, mas que são muito procuradas pelos coleccionadores
Inde. Vue de la ville de Goa. Imagem retirada da Bibliothèque nationale de France |
Depois de identificar a gravura, tratei de encontrar uma moldura adequada. Encontrei uma bonita, em mogno, na feira de velharias de Estremoz, com uma fotografia de uns meninos vestidos à maruja, tirada no início do século XX. O Manel fez o favor de restaura-la, limpando-lhe a madeira e concertando falhas. Para finalizar, coloquei-lhe os cantos em latão e ficou muito muito bem.
Quanto aos irmãos vestidos à maruja não tive coragem de os deitar para o caixote de lixo e usei a fotografia para servir de verso à moldura. Talvez daqui a uns trinta ou quarenta anos, quando meus filhos ou netos virarem a moldura e encontrarem a fotografia dos irmãos vestidos de marinheiros atrás do Rei D. Pedro II, essa descoberta possa ser para eles uma charada curiosa e intrigante deixada por este pai ou avô com a mania das velharias.
o verso da moldura |
Caríssimo Luís:
ResponderEliminarApenas uma pequena nota para referir que a maioria das fontes indica as datas de 1630-1706 para Allain Manesson Mallet.
Já agora, também uma ligação para algumas gravuras do mesmo autor (http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/tag/mallet), onde se incluem representações de Elvas e Estremoz.
Abraço!
MAFLS
Caro Mafls
ResponderEliminarTem toda a razão. já corrigi a gralha. Tenho este problema, faço muitas gralhas, embora corrija os textos inúmeras vezes.
Gostei muito das estampas que publicou com as fortificações abaluartadas e o link que indicou é muito oportuno. Eu só encontrei digitalizadas na Bilioteca Nacional de França as ilustrações referente à Ásia.
Um abraço e obrigado
Boa noite,Luís
ResponderEliminarMais uma bela estampa.
Mas sabe que a foto dos meninos vestidos de marinheiros são uma ternura?
Fez bem em as guardar...
Eu também não teria coragem de as deitar para o lixo ou rasgar
Já que duraram tantos anos...
Abraço
Amigo Luís,
ResponderEliminarRealmente é uma bela estampa e está muito bem emoldurada! E foi uma ótima ideia deixar a fotografia das crianças assim salvaguardada.
Só tenho pena que a tenham arrancado de um livro tão antigo, com uma temática tão interessante, de um autor tão prolífico! Li a página no verso da foto, num francês muito claro, e estou convencida que também o Luís teria preferido encontrar este volume intacto com as estampas e o texto. E a gravura da Biblioteca Nacional também foi arrancada da mesma obra ! Eu sei que muitas vezes as estampas eram aproveitadas de livros em mau estado, mas mesmo esses são recuperáveis, o problema é quando lhes faltam muitas páginas. É o que me acontece com um que trago em mãos há imenso tempo, a que faltam muitas gravuras e texto. Já parece outro, mas ainda estou à espera de o conseguir completar...
Voltando ao seu texto, para mim tão enriquecedor, quando se fala em franceses, Guerra da Restauração e Alentejo, lembro-me logo da figura de Mariana Alcoforado. Simpatias... ;)
Beijos e tenha uma ótima semana.
E não esquecendo que temos aqui um irmão de outra das minhas simpatias :)- Catarina de Bragança!
EliminarCara Grace
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. Quando compro molduras antigas com fotografias incluídas, tenho optado com alguma frequência por reaproveita-las, colocando-as atrás da gravura ou no verso. Sei que é uma prática que vai baralhar os meus descendentes...
Maria Andrade
ResponderEliminarDesde que há muitos anos dei aulas em Campo Maior, onde havia uma impressionante fortaleza abaluartada do século XVII, fiquei fascinado pela Restauração. Nestes 28 anos (1640-1668) levantaram-se ao longo da fronteira portuguesa, mas sobretudo no Alentejo, um conjunto admirável de fortificações, que me fascinam como obras de arquitectura e que creio que ainda estão pouco valorizadas. Estas fortalezas foram erguidas num curto espaço de tempo e numa época que havia pouco dinheiro. Houve um enorme esforço colectivo dos portugueses para manter a independência, que foi coroado de sucesso. A Catalunha, que iniciou a sua revolta em 1640 não consegui manter-se e foi derrotada, ocupada e humilhada em 1652.
Beijos
Mais um trabalho de Sherlock Holmes bem sucedido, graças às publicações on-line que os centros de documentação, em boa hora, vão levando a cabo, o que vai tornando a vida mais fácil a gente como nós, pois os "expertos", como dizem os "nuestros hermanos", sabem exatamente o que querem e onde encontrar a informação.
ResponderEliminarSobre esta figura real da nossa história, por quem inicialmente nutria alguma mal-querença, e depois de fazer uma pesquisa mais aturada sobre as vidas dele e do seu real irmão, acabei por alterar a minha opinião, apesar de a manter no caso de Maria Francisca Isabel de Sabóia, pois, ainda que entenda a sua posição, não se revelou à altura da circunstância de, e antes de tudo, ser uma rainha de Portugal e esposa de um monarca reinante (nos dias que hoje correm, temos uma circunstância muito semelhante na pessoa do personagem oportunista que é conhecido como "cherne" - ápodo dado pela própria consorte - e realmente é verdade, cada vez está mais parecido com aquele augusto peixe, que, infelizmente para este, não tem culpa de ser com o outro comparado).
Não vou dizer que Pedro II não fosse uma pessoa muito ambiciosa, que o deveria ser, mas é igualmente verdade que se arriscou bastante e que, em conjunto com a ação pertinente do anterior primeiro ministro, Conde de Castelo Melhor, conseguiu que, no período da sua regência (Pedro só viria a ser rei após 1683, data da morte de Afonso VI), a Espanha reconhecesse a nossa independência e, facto notável, conseguiu igualmente estabelecer acordos os quais, ainda que ruinosos para o país, foram os possíveis, e que nos permitiram manter uma certa independência política.
Não obstante, os ingleses tiveram, neste caso, uma ação perniciosa de rapina desavergonhada, mercê dos tratados ruinosos então travados, que levaram, por exemplo, os nossos lanifícios à extinção, a perda de alguns dos nossos territórios na India, sob alegação de constituirem dote de Catarina de Bragança, além dos cidadãos ingleses, instalados nas principais cidades das nossas possessões ultramarinas, passarem a usufruir dos mesmos privilégios que os portugueses.
O facto de conseguirmos levar a melhor sobre os Espanhóis deve-se sobretudo à guerra dos trinta anos que a Espanha travava com a França (terminam em 1648) e à proclamação da Catalunha como região francesa, o que era realmente uma catástrofe para Castela.
Pior que perder Portugal seria mesmo perder a Catalunha!
E a Catalunha, depois de humilhada, acabou mesmo por ver desanexada do seu território a região do Rossilhão, que hoje é francesa.
Alguns dos catalães que conheço, e ainda que o digam em jeito algo jocoso e brincalhão, não perdoam o facto de Castela não ter dirijido os seus canhões para Portugal.
Manel
Manel
ResponderEliminarEsta história de D. Pedro, D. Afonso VI e D. Maria Francisca Isabel com intrigas políticas e adultério é fascinante, muito cinematográfica e nem falta uma terrível guerra como pano de fundo. Daria uma fita americana estupenda, um épico ao jeito de E tudo o vento levou.
Nutro uma grande simpatia pelos catalães, talvez por saber que foram nossos irmãos de luta.
Quanto ao mísero Cherne, a história dele, nem para uma novela da TVI teria proveito.
O Luís parece que se esqueceu que a história de D. Pedro, D. Afonso VI e D. Maria Francisca Isabel já foi passada a filme: "O Processo do Rei".
ResponderEliminarBem sei que não é um filme americano nem um épico mas trata de um facto pouco conhecido nesta história: a actividade sexual de D. Afonso VI foi sujeita a inquérito, com todos os pormenores sórdidos em destaque, de modo a comprovar a impotência do rei e a virgindade da rainha. Assim, foi possível justificar o golpe de estado de D. Pedro II e o seu casamento com a cunhada. Tudo para se aproveitar o dote da parenta do Rei-Sol!
O dinheiro lá terá ajudado na Guerra da Restauração...
Caro Joka.
ResponderEliminarFez muito bem em recordar aqui o filme o Processo do Rei. Nunca o vi por isso não referi o filme. Não gosto de emitir opiniões sobre livros ou filmes que não li ou vi. Parece que para filme português não era mau de todo. Costumo ver uma fita portuguesa 5 em 5 anos e quase sempre me arrependo. Mas em todo o caso, tenho curiosidade no processo do Rei, porque toda esta história à volta do Afonso VI é realmente um belíssimo material romanesco.
Quanto à luta pela independência é de facto admirável, pois foi feita no início sem grande apoio exterior. O apoio de França veio mais tarde, com o casamento de Afonso VI, com Dona Maria Francisca e o de Inglaterra, com o casamento da nossa célebre D. Catarina. Mas nos primeiros tempos, os portugueses estiveram sós contra a Espanha, que era uma das grandes potências mundiais na época.
Um abraço e obrigado pelo seu comentário