terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estampa do Séc. XVIII com Nossa Senhora do Rosário


Comprei não há muito tempo, mais um registo do século XVIII, desta vez uma Nossa Senhora do Rosário. Gostei muito da estampa, que está muito bem desenhada, sobretudo a veste de Maria, que é um autêntico traje de Corte.

 Um autêntico traje de corte
Fui procurar mais informações sobre esta imagem e comecei pelo nome do vendedor da estampa, a Loja de José da Fonseca ao Arsenal. Fiz umas pesquisas aqui e ali e descobri um anúncio na Gazeta de Lisboa, de 1785, publicitando, que na que loja do José da Fonseca se vendia o livro Privilégios e Prerogativas que o Género Feminino tem por Direito comum, e Ordenações do Reino mais que o Género Masculino. Este anuncio da Gazeta de Lisboa, espécie de antepassado longínquo do malfadado Diário da República permitiu-me saber, que a Loja de José da Fonseca estava activa em 1785 e por conseguinte a minha estampa deve ter sido impressa algures pelo último quartel do século XVIII.



Depois, no motor de pesquisa do arquivo Nacional da Torre do Tombo, o DIGITARQ, descobri um frontispício impresso, também vendido na loja de José da Fonseca, capeando uma série de documentação alusiva ao Padre Bartolomeu Gusmão, datada entre 1722 e 1752. Tal como a minha estampa, é um trabalho com um desenho muito cuidadoso, o que me paz pensar que este Senhor José da Fonseca venderia e talvez editasse impressões com uma boa qualidade.


 
De seguida, debrucei-me sobre a iconografia da imagem, isto é, tentei saber qual é o significado de Nossa Senhora do Rosário e confesso-vos, experimentei alguma dificuldade em destrinçar a simbologia, talvez por me faltar a crença para a boa compreensão de algumas das devoções mais fervorosas do catolicismo.


O culto de Nossa Senhora do Rosário começou no século XIII, depois da aparição da Virgem a S. Domingos de Gusmão e os Dominicanos foram os principais propagadores deste culto no mundo cristão, e talvez por isso julgo, que esta minha estampa impressa em Lisboa, será a representação de uma imagem célebre de Nossa Senhora do Rosário, existente no Convento de S. Domingos de Benfica. Segundo a Correia de Campos, na obra A Virgem na Arte Nacional. Braga, 1956, a primeira confraria de Nossa Senhora do Rosário, foi criada em Portugal, no ano de 1484 no Convento de S. Domingos de Benfica, em Lisboa e a devoção à sua imagem seria talvez a mais célebre na capital do reino, no tempo em que a minha estampa foi impressa, mas isto sou eu a supor sem provas.
Convento de S. Domingos de Benfica. Foto www.monumentos.pt

O culto da Senhora do Rosário relaciona-se com o objecto do Rosário, que é uma espécie de colar de contas que serve para rezar. Consoante o tamanho e o formato, as contas equivalem a orações diferentes. Umas são aves-marias, outras padres.nossos, outras ainda glórias e jaculatórias. Segundo um cálculo que fiz e não sei se estará correcto, o rosário equivalerá pelo menos a 150 avés-marias e a 15 pais-nossos. Portanto, é uma devoção muitíssimo longa e percebemos desde logo porque é que a expressão Rosário, se tornou um sinónimo de uma coisa grande e aborrecida. Dizemos por exemplo, que fulano apresentou um rosário de queixas e que a carta de beltrano foi um rosário de lamentações. Mas, isso é para mim, que sou um descrente. Mesmo em miúdo, quando frequentava a catequese nunca consegui experimentar qualquer sentimento místico numa oração. Rezar era repetir uma ladainha sem qualquer significado. Ao contrário, um católico convicto experimenta naquelas orações um conjunto de quatro meditações sobre a vida de Maria e Jesus, os chamados Mistérios.


Julgo que o Rosário permitirá aos crentes uma abstracção dos problemas dolorosos do quotidiano e um sentimento de elevação, que os fará pensar que estão próximos da Virgem ou de Deus.

Por outro lado há uma simbologia no Rosário. Etimologicamente, o rosário significa fiada de rosas e a rosa é o símbolo da Virgem por excelência. Para os católicos, as várias contas do Rosário, que desfilam pelos dedos, são pois rosas que se oferecem a Nossa Senhora.

11 comentários:

  1. Boa noite,Luis
    Como sempre uma bela estampa

    Abraço

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  2. Cara Grace

    Curioso. Começo a conhecer o seu gostto. Prefere sempre as coisas mais clássicas.

    Um abraço e obrigado pelo seu simpático comentário

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  3. Os serviços públicos são do mais insensível que há!!!!!!!! Olha só onde aqueles "bestuntos" da Torre do Tombo colocaram o carimbo!!! A peça, que era tão bonita e harmoniosa, perdeu logo o equilíbrio! E, ainda por cima, a azul!
    Nem ao pontapé lá vão!
    E assim vai ficar até ao final dos dias!

    As peças são muito bonitas, como já te disse, mas o traje de corte da santa, mais me parece uma peça de vestuário do século XVI que do século XVIII.
    Vejo mais uma Catarina de Aragão, uma Catarina de Médicis, ou mesmo a de Áustria, metida naqueles aparatos, que a Mariana Vitória de Bourbon, ou mesmo a nossa Maria I.
    O da santa trata-se de um traje mais ibérico, bem fechado até ao pescoço, como era hábito nas cortes rígidas dos Áustrias, em Espanha, e de Portugal (não me esquece o sentimento desagradável, quase de repulsa, ou mesmo chacota, que os usos, tradições e porte austeros de Catarina de Bragança causou na corte inglesa, mais leve e livre, para não lhe chamar libertina; o mesmo tinha sucedido anteriormente com Catarina de Aragão, na corte de Henrique VIII).
    Sei que as modas naquela época não se alteravam a cada estação, como acontece hoje, com a febre de mudança que acomete a sociedade contemporânea; não obstante atávica, esta procura pela mudança era mais moderada, contudo, e devo reconhecer, sempre havia alguma renovação nos adereços e modas.
    Esta procura pela renovação da moda, tornara-se mais dinâmica com o aparecimento de Luís XIV, o qual a utiliza como arma política, tornando-se um dos ícones da moda europeia na segunda metade do século XVII (os anos finais do século XVII, e os iniciais do século XVIII, a influência austera e piedosa da Maintenon envolveu a corte francesa numa mortalha férrea, de índole religiosa).
    Posteriormente, já em pleno século XVIII, no período da Pompadour de Luís XV, uma mulher cujo gosto é refinado e dotado de uma extrema elegância (foi ela, com o seu acesso ao poder económico/político, e a sua consequente influência no ramo das artes, o que se traduziu numa corte brilhante de artistas com que se rodeou, que reinventou o que se convencionou denominar de "estilo Luís XV"), aparecem-nos mulheres muito "décolleté" e, algumas mesmo, vestidas com tecidos algo diáfanos; finalmente, já na segunda metade do século XVIII, surge a tendência para uma maior, e aparente, austeridade clássica, ou mesmo bucólica, muito mais ao gosto da austríaca, e tristemente célebre, Maria Antonieta (que já anuncia o classicismo "à la rigueur" da imperatriz Josefina) - creio que este facto não surge por acaso, pois não é esta rainha proveniente da corte dos Habsburgos austríacos, que, tal como os seus congéneres espanhóis, sempre foi tida como uma das mais rígidas na Europa daquele período?
    Bem, isto deveria ser um comentário pequeno, mas alonguei-me pelas modas ...
    Manel

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  4. Adoro registos e imagens antigas de santos. Tenho quase a certeza que tenho uma igual a esta (mas não sei onde está) e, de qualquer modo, tenho uma muito parecida, mas minúscula (2 x 2 cm).

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    1. Cara Margarida Elias

      Os registos são uma paixão e depois estão ao alcance da bolsa de míseros funcionários públicos.

      É natural que tenha uma estampa igual, mas mais pequena. Há uns tempos vi à venda num antiquário uma gravura de Nossa Senhora da Piedade da Merceana, exactamente igual à minha, só que numa escala maior. Julgo que os impressores produziam estes registos em diferentes tamanhos com preços também distintos. Muitas vezes também usavam a mesma figura central, mas faziam-lhe uma cercadura nova, segundo uma decoração mais em voga.

      Um abraço

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  5. Manel

    Gostei muito do teu comentário.

    Como escrevi agora à Margarida Elias, os impressores gravadores usavam durante muitos anos a mesma figura central e e iam actualizando a cercadura com decorações novas, mais ao gosto da época. Portanto, é possível que esta Senhora do Rosário traje de acordo com uma moda anterior à época em que foi impressa, nos últimos 20 ou 30 anos do Séc. XVIII, segundo creio eu.

    A Torre do Tombo coloca uma marca de água nos documentos digitalizados para fazer respeitar os direitos de autor e impedir que as pessoas usem as imagens em publicações sem sua autorização. Por mim, colocaria era a marca de água, mais ao cantinho da imagem, para não estragar a beleza da estampa.

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  6. O carimbo foi de facto muito mal colocado, mas esse já é antigo e penso que hoje em dia a Torre do Tombo procurará colocar os carimbos em sítios mais discretos

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  7. Bem, Luís, mais uma vez, não é só a beleza do registo que me cativa - e sabe como eu também gosto de gravuras antigas - mas é o seu trabalho detetivesco em livros e publicações a descobrir tudo o que de interessante se relaciona com a imagem. E depois o texto apelativo que daí resulta. Até achei graça à sua contabilidade das avé-marias e dos pai-nossos... ;)
    Tenho na minha memória visual várias santas com este tipo de vestes, até a brasileira Nossa Senhora da Aparecida se veste assim, com um manto que resulta numa figura em cone, mas não me tinha ocorrido poder tratar-se de uma moda de determinada época.
    Como sabe, a minha cabeça tem andado ocupada com um berbicacho que não consigo resolver, mas é claro que já tinha lido o seu texto e gostei muito, assim como do comentário do Manel, que li agora.
    Um abraço

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  8. Maria Andrade

    Dá-me um gozo doido descobrir informações acerca dos impressores, gravadores ou editores destas estampas e este trabalho está muito facilitado porque as grande bibliotecas colocaram muitos conteúdos on line. Não há dúvida que a digitalização do património é uma forma muito bem conseguida de democratizar o acesso à culura.

    As nossa Senhoras em forma de cone são muito comuns e e há quem diga que se relacionam com antigas divindades pagãs, nomeadamente a deusa fenícia e cartaginesa Tanit. Por outro lado, o triângulo é também ele próprio, um símbolo do sexo feminino.

    Beijos

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    1. Segundo algumas teorias vigentes em história da arte, esta forma tronco-cónica, predominante na estatuária das civilizações que se desenvolveram nas regiões do próximo e médio oriente, advém, muito provavelmente, da falta de pedra nessas locais, traduzindo-se então a arquitetura e a escultura em materiais feitos de terra, como aconteceu em todo o crescente fértil (essencialmente na Mesopotâmia, onde floresceram as primeiras grandes civilizações).
      Não é por acaso que as primeiras construções que utilizaram estruturas que deram orgem ao arco e, mais tarde, à cúpula romanos, tiveram a sua origem nestas regiões do próximo e médio oriente.
      A "escultura de terra" condicionou assim as formas, traduzindo-as em estruturas feitas pelo método aditivo conjugado com o da roda, ao contrário da estrutura cúbica, típica da escultura de pedra, que está ligada ao método subtrativo, a qual floresceu nas regiões ricas neste material (Egipto, por exemplo).
      Não obstante, algumas regiões ricas em pedra, como Creta, a pouca escultura minóica que nos chegou apresenta-se com uma estrutura tronco-cónica, como é o caso da muito conhecida "deusa das serpentes", mas creio que isso se deve às influências muito fortes que vieram dessas regiões do Médio Oriente, com quem os cretenses, sendo um povo marítimo, possuíam laços muito fortes, ligados às trocas comerciais.
      Manel

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  9. Manel

    Muito obrigado por essa tua explicação muito pertinente das Virgens com uma forma cónica.

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