sábado, 30 de setembro de 2017

8 º Aniversário do “velharias do Luís”




O velharias do Luís faz hoje 8 anos e talvez por isso deva reflectir um pouco acerca das razões de escrever um blog dedicado ao pequeno coleccionismo, isto é, destinado aquelas pessoas que não tem dinheiro para comprar nos bons antiquários e nas grandes leiloeiras, mas gostam de coleccionar pagelas, gravuras, faianças do século XIX e XX, xícaras da Vista Alegre e outras bugigangas ao alcance de uma bolsa da classe média.

Há pouco tempo li um texto de Bruce Chatwin, publicado na obra Anatomia da Errância. Lisboa: Quetzal Editores, 2008, que é um elogio ao nomadismo, aos povos e as pessoas que vivem e transportam consigo os objectos estritamente essenciais. Segundo esse escritor o coleccionismo é uma actividade dos povos sedentários e sobretudo daqueles que se viram para dentro de si mesmos, se fecham nas suas casas e vivem para os objectos, já que receiam o mundo exterior e as emoções. As velhas pinturas, os selos, as gravuras, as faianças ou os paliteiros em prata comprados avidamente pelos coleccionadores substituem os afectos que poderiam conceder a outros seres humanos. O conteúdo deste texto pode parecer um pouco exagerado, mas o Bruce Chatwin conhecia bem o meio do coleccionismo, pois trabalhou durante muito anos numa das melhores leiloeiras de Londres e talvez até a sua descrição se possa aplicar a mim. Viajo pouco. Encho a casa de velharias e antiguidades quase até à loucura, praticamente não recebo ninguém e possivelmente todas estas gravuras do século XVIII, fotografias antigas, terrinas e móveis, carregados de histórias antigas, substituem as emoções e o calor que um grupo de amigos ou amantes me poderiam proporcionar. Provavelmente para contrariar essa tendência que todo o coleccionador tem para se fechar sobre si, escrevo regularmente um blog, para partilhar com uma comunidade de desconhecidos, aquilo que compro ou herdei e os estudos que faço acerca dos objectos antigos. É como se semanalmente abrisse a porta da minha casa e convidasse muita gente, para conhecerem as velharias que se amontoam pelo chão, pelas paredes e nos móveis e lhes contasse detalhadamente a história de cada uma delas.
 
 
 
Aos seguidores do “velharias do luís” no blog ou facebook, de Portugal, do Brasil, ou em outro canto qualquer do ciberespaço, agradeço a visita, que semanalmente fazem a minha casa.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Prato Companhia das Índias: parras e cachos de uvas


Nunca foi um entendido em porcelana da China. Gosto de a ver nos museus, encanto-me com a delicadeza da pintura e olho com cobiça para as porcelanas de exportação, aquelas peças que os chineses produziram para o mercado europeu e até otomano, com motivos decorativos ao gosto ocidental ou islâmico. Na Europa e nas Américas, essa porcelana chinesa feita de encomenda para o Ocidente durante o século XVIII e ainda XIX é designada pelos antiquários e coleccionadores por Companhia das Índias. Mas, como não sou um entendido e os preços que se praticam nos mercados de velharias costumavam ser proibitivos, nunca comprei nenhuma peça da chamada Companhia das Índias.
O prato não está marcado

Em 2011 tinha visto no Museu Nacional de Arte Antiga, na exposição Coleccionar em Portugal: doação Castro Pina umas peças de um serviço Companhia das Índias, decoradas no bordo com uns cachos de uvas e parras, pelas quais me tinha apaixonado loucamente. Mas pensei logo para os meus botões escusas de suspirar pois estas peças não são para o teu bico. E de facto assim parecia, pois passado uns dois anos vi uma molheira decorada com essas parras e cachos de uvas na feira de Estremoz, e estava à venda por quase duzentos euros, apesar de esbeiçada.
Imagens retiradas do catálogo Coleccionar em Portugal: doação Castro Pina. Lisboa: MNAA, 2011

Mas a paciência é a melhor amiga do coleccionador de antiguidades, velharias e trastes e recentemente consegui comprar um prato com essa decoração de cachos de uvas e parras, por um preço muito aceitável na Feira de Estremoz. Segundo o catálogo da exposição Coleccionar em Portugal: doação Castro Pina, as várias peças apresentadas desse serviço são da Dinastia Quing, período Jianqing (1796-1820) ou da mesma dinastia, mas do Período Daoguang (1821-1850). As peças da antiga colecção Castro Pina diferem do meu prato no motivo central. Enquanto que as primeiras ostentam um brasão, o meu prato apresenta uma paisagem com casario. Mas, no Oportunity leilões, no Lote 4413, encontrei um conjunto de 4 chávenas, exactamente iguais ao meu prato, com o mesmo motivo central e atribuídas ao período Jianqing (1796-1820).

Oportunity leilões, no Lote 4413

Se o meu prato é do período Jianqing ou Daoguang, não tenho conhecimentos de louça oriental, para fazer atribuições, mas posso afirmar com segurança que é Companhia das Índias, Dinastia Quing, fabricado durante a segunda metade do séc. XIX na longínqua China, com motivos tipicamente ocidentais, as parras e as uvas, já que os chineses não bebiam vinho.
 

 Alguma bibliografia:
-Coleccionar em Portugal: doação Castro Pina. Lisboa: MNAA, 2011

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Porto de Mós: uma pequena gravura francesa da primeira metade do século XIX


Embora tenha mais tendência para comprar gravuras do século XVIII, também aprecio muito as estampas coloridas impressas na primeira metade do século XIX, normalmente extraídas de antigos livros de descrições geográficas e históricas ou de narrativas de viagens. Creio que esse meu gosto advém do facto de viajar pouco e assim nas paredes da minha casa, através destas estampas representado cidade e paisagens, vou todos os dias a Paris ou a Londres, nem que seja por uns segundos apenas.

Conhecendo este meu gosto, o meu amigo Manel ofereceu-me esta estampa representando um cruzeiro ou pelourinho da localidade portuguesa de Porto de Mós. Além de bonita, está também muito bem emoldurada, o que é raro. Muitas vezes, quando compramos gravuras temos que deitar fora a moldura e procurar uma coisa mais adequada. Aliás, por esse motivo, estou sempre a comprar molduras nas feiras de velharias e a deitar fora as reproduções de quadros célebres que estão lá dentro. Aliás na minha casa, há uma secção de estampas por encaixilhar e outra de caixilhos sem gravuras, que se procuram constantemente umas às outras.

A estampa representando o pelourinho em Porto de Mós foi publicada na obra Portugal / par. M. Ferdinand Denis. Paris: Firmin Didot, 1849
Esta gravura não está assinada, mas através de meia dúzia de pesquisas no Google, consegui identificar o autor na página de um alfarrabista em Hamburgo, Le voyage en papier - Marc Dechow como sendo obra de Augustin François Lemaitre (1797-1870), impressor, litografo, desenhador e editor, que viveu e trabalhou em Paris. O mesmo site indica a data de impressão como de 1846. Com mais umas buscas no Google e no catálogo da Biblioteca Nacional de França, descobri que a estampa representando o pelourinho em Porto de Mós foi publicada na obra Portugal / par. M. Ferdinand Denis. Paris: Firmin Didot, 1849. Este livro fazia parte de uma gigantesca colecção de 65 volumes, intitulada L'univers pittoresque : histoire et description de tous les peuples, de leurs religions, moeurs, coutumes, industries, etc e que se foi publicando entre 1835-1863.
L'univers pittoresque : histoire et description de tous les peuples, de leurs religions, moeurs, coutumes, industries
Mais tarde esta gravura foi reutilizada na obra Portugal pittoresco ou descripção historica d'este reino / M. Fernando Denis. - Lisboa : [s.n.], 1846-1847, mas numa versão muito estropiada, litografada por um tal Sá.
Uma cópia de má qualidade desta gravura foi publicada na obra Portugal pittoresco ou descripção historica d'este reino / M. Fernando Denis. - Lisboa : [s.n.], 1846-1847
Quanto ao assunto representado, não consegui averiguar sequer se representa o antigo pelourinho ou um cruzeiro da povoação. No site da Direcção-Geral do Património Cultural, menciona-se que é seguro que em Porto de Mós existiu um pelourinho, pois um Livro dos Acordos da Câmara de 1863 refere um Largo do Pelourinho. Mas esse pelourinho foi destruído em data incerta e em 1985 a Câmara mandou erguer uma picota num estilo qualquer incerto. Talvez esta estampa represente o antigo cruzeiro do adro, do qual se conservam um conjunto de fragmentos na Igreja de São Pedro da cidade. Em todo o caso, este monumento devia ser peça muito interessante, com uma imagem de um uma virgem e um menino, e que a julgar pela gravura, deveria ser um objecto de muita devoção pelos habitantes de Porto de Mós.
 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Sopeira de faiança portuguesa: cores como num um arco-íris

 
Escrever sobre faianças portuguesas do século XIX é sempre ingrato, pois as peças não eram marcadas, as fábricas copiavam os padrões e os modelos umas das outras e quanto muito, conseguimos afirmar sem grande fundamentação, que uma peça é da zona centro, porque a pasta é mais amarelada ou é do Norte, porque a pasta é mais branquinha e o vidrado de melhor qualidade. Por vezes temos a sorte de encontrar num museu ou no num livro de arte uma peça idêntica à nossa e lá conseguimos dizer “isto deve ser Vilar de Mouros, Miragaia, ou Santo António de Vale da Piedade”. Mas, a maior parte das vezes as perguntas que fazemos sobre o centro de fabrico ou datação das nossas peças ficam sem resposta. Atribuímos esta ou qual peça a um centro de fabrico mais ou por intuição ou por experiência do que baseados em provas concretas.
 
Como a maioria das peças de faiança portuguesa do século XIX, esta sopeira não está marcada.
 
É o caso desta pequena terrina que comprei recentemente. A boa qualidade do vidrado e as cores vivas levam-me a intuir que será uma peça do Porto ou Gaia, fabricada algures na segunda metade do XIX. Mas, não consegui encontrar nada que sustente esta teoria. Percorri os catálogos da exposição do António Capucho e do respectivo leilão, da fábrica de Vilar de Mouros, de Miragaia, dos Meninos Gordos, a tese sobre Santo António de vale da Piedade de Laura Cristina Peixoto de Sousa e ainda Itinerário da faiança do Porto e Gaia e não encontrei nada igual.
 
Fragmento de louça de Santo António de Vale da Piedade. Este tipo de flores encontra-se em quase toda a faiança portuguesa. Foto extraída de "A Fábrica de Louça de Santo António de Vale de Piedade, em Gaia: arquitetura, espaços e produção semi-industrial oitocentista"
A decoração é feita com umas flores muito simples, que poderiam ter sido pintadas em qualquer época ou em qualquer ponto do País. A Fábrica de Santo António de Vale da Piedade, Massarelos, Bandeira e se calhar também em Coimbra usaram estas flores muitos simples na pintura das suas peças. Aliás, se a um de nós nos pedissem para desenhar umas flores rapidamente, faríamos umas iguaizinhas a estas. A decoração foi feita à estampilha, técnica usada por todas as fábricas ali no Porto e em Gaia, naquela época. Quanto à forma circular, também é muito comum. Até já apresentei uma dessas terrinas aqui no blog, que nunca sei se é Bandeira ou Fervença. Segundo a obra Itinerário da faiança do Porto e Gaia as terrinas circulares designavam-se pelo termo sopeiras.
 
Estampilha de tampa de recipiente da fábrica de Massarelos (MNSR).  Um artefacto semelhante a este foi usado para decorar a minha terrina. Foto extraída de "A Fábrica de Louça de Santo António de Vale de Piedade, em Gaia: arquitetura, espaços e produção semi-industrial oitocentista.
Em suma, posso apenas adiantar um palpite, de que esta sopeira foi fabricada algures pela segunda metade do Séc. XIX no Porto ou em Gaia. Contudo, apesar do anonimato em que se esconde o fabricante ou o artista, que concebeu desta sopeira de pequenas dimensões, não lhe faltava criatividade e houve aqui uma espontaneidade no uso das cores vivas, que ainda hoje nos desperta a admiração. Parece que de repente ouvimos ao longe aquela música Cindy Lauper, true colors, que encoraja as pessoas a não terem medo de mostrar as suas verdadeiras cores ao mundo.
 
 

And I'll see your true colors
Shining through
I see your true colors
And that's why I love you
So don't be afraid to let them show
Your true colors
True colors are beautiful
Like a rainbow


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Magnífica Chaves


O centro histórico de Chaves está bem conservado. A cidade é uma espécie de Guimarães em miniatura e depois passear pelas suas ruas antigas, onde viveram tantos dos meus antepassados paternos, é sempre uma espécie de peregrinação sentimental. Cada parte da cidade é um conjunto de histórias de que eu ainda me recordo ou de que me lembro de ouvir o pai ou a avó falar. No bairro da Madalena viveram os meus bisavôs, logo ao lado, os pais da minha bisavó Aninhas, um pouco mais frente, a minha tia Natália, num prédio antigo do século XIX, no último andar, cuja varanda dava a volta à casa toda e da qual se tinha uma vista espantosa sobre o Jardim da Madalena. Em miúdo, o meu avô Silvino levava-me a passear a esse jardim e ainda hoje, quando sinto o cheiro a buxo, comovo-me sempre, porque traz-me à memória esses momentos, que devem ter sido felizes. Na outra margem do Tâmega moraram a minha avó Mimi, a tia Maria Antónia e ainda, a tia Antoninha, cuja forma de receber fazia justiça à célebre generosidade transmontana. Quando a visitávamos, recebia-nos na sala de estar, trocava meia dúzia de palavras de circunstância e depois desaparecia para dentro, deixando a filha a entreter as visitas. Passado algum tempo, voltava, abria as cortinas da sala de jantar e o pequeno lanche para o qual a Tia Antoninha nos tinha convidado era um verdadeiro banquete. A Tia Antoninha era daquelas pessoas, que sabia conquistar o coração dos outros através da arte da culinária. Cozinhar com empenho e arte é uma forma de amar. 

Mais além, no largo em frente ao Tribunal de Chaves, a minha irmã aprendeu a andar de bicicleta. Na altura, logo no início dos anos 70, ninguém suspeitava que, por debaixo do empedrado com calçada portuguesa, existiam umas termas romanas luxuosas, que foram postas recentemente a descoberto, aquando da construção de um parque de estacionamento. A Câmara abandonou a ideia do parque para estacionar carros e tomou a decisão corajosa de manter as ruínas e abri-las ao público, e fez muito bem, porque elas são as termas romanas mais bem preservadas de toda a Península Ibérica. É um conjunto impressionante do qual as fotografias não conseguem transmitir a escala grandiosa. Creio que poderiam servir em simultâneo cerca de 70 a 80 pessoas, o que dá ideia da importância da Chaves romana. Mas não eram umas termas quaisquer cujos banhos tivessem apenas fins higiénicos e que existiram em todas as cidades romanas com alguma importância. Eram termas com fins terapêuticos, aliás as piscinas estão ainda cheias de água quente, que brota do solo. Este conjunto termal ocupava uma parte importante da cidade e constituía um núcleo definidor do aglomerado urbano. Aliás, percebe-se agora muito melhor o antigo nome da cidade Aquae Flaviae, que traduzido à letra, quer dizer, as águas dos Flávios. Só é pena que este monumento arqueológico esteja tão mal aproveitado. No interior não há qualquer placa na parede com uma explicação do que foi o edifício, quando foi construído ou destruído e muito menos legendas explicativas sobre as várias piscinas e condutas de água. Também não há à venda um desdobrável, uma brochura ou postais ilustrados. Enfim, quem quiser saber mais que vá chafurdar para o Google, e é uma pena porque uma boa musealização das ruínas poderia atrair muitos e muitos turistas à cidade. Chaves, além de contar com a melhor ponte romana do território português, passa agora a ter o melhor conjunto termal da Península.  
 


Mais informações sobre Balneário Termal Romano podem ser lidas em: