As velhas fotografias de família exercem sobre nós uma espécie de atracção, a qual não é simples explicar. Representam os nossos pais, tios e avós num momento qualquer da sua vida em que nós ainda não os conhecíamos e olhar para estes retratos é como tentar entender um pouco a sua existência, que já terminou. Por outro lado procuramos sempre nestas antigas fotografias dos nossos pais ou avós algo de nós próprios, um traço fisionómico ou uma expressão que teremos em comum. É como se procurássemos o que somos, mesmo ainda antes de termos nascido. Aliás, a Marguerite Yourcenar começa as suas memórias familiares com o significativo epitáfio em forma de pergunta quel était votre visage avant que votre père et votre mère se fussent rencontrés?
Mas a atracção que as fotografias antigas em nós exercem não tem só a ver com a procura da nossa própria entidade, mas também com um momento da história que elas gravaram com exactidão, ainda que seja apenas da vida doméstica e do quotidiano.
Mas a atracção que as fotografias antigas em nós exercem não tem só a ver com a procura da nossa própria entidade, mas também com um momento da história que elas gravaram com exactidão, ainda que seja apenas da vida doméstica e do quotidiano.
A Adelaide, a irmã mais velha. Um tempo sem máquinas de lavar, duro para as mulheres |
Esta fotografia da minha mãe (1927-2012) e da sua irmã mais velha, Adelaide (1913-1997) é um dos exemplos do que acabei de escrever. Foi tirada em Vinhais, depois da guerra, a julgar pelo cumprimento curto das saias e antes de 1949, pois as duas ainda não estão de luto pela morte do pai e ainda antes de 1948, quando começa a moda das saias com grande roda, lançada por Dior. Mostra as duas irmãs a lavar roupa num tanque construído em pedra na propriedade da grande casa familiar. Ainda me lembro dele a ser usado na lavagem da roupa no final dos anos 60, início dos anos 70. Aproveitando uma nascente de água, este tanque construído em pedra de xisto, que está hoje integralmente coberto por silvas, ainda era bastante longe de casa, cerca de uns duzentos metros e imagino o trabalho duro que não seria carregar com cestos de roupa aquela distância toda e fazer a lavagem nas águas frias, sobretudo no Inverno, onde naquela zona do País as temperaturas chegam a ser negativas. Claro, a família contratava uma mulher para este trabalho, mas muitas vezes seriam as próprias senhoras da casa a fazer esta tarefa dura, como documenta esta fotografia. Era ainda um tempo quem que as máquinas de lavar eram um objecto quase desconhecido na Europa. Só na segunda metade do séc. XX é que estes electrodomésticos se começaram a generalizar. Julgo até que em Portugal, só pelos anos finais dos anos 60, com o crescimento do nível de vida da classe média estas máquinas começaram a ser vendidas em massa. Aliás, a primeira máquina de lavar a roupa só apareceu lá na casa de Vinhais pelo no final dos anos 70 e avariou-se para sempre há cerca de dois anos (paz à sua alma)
O sorriso da minha mãe, Teresa |
Esta fotografia que documenta um aspecto da vida quotidiana portuguesa nos anos 40 é também uma forma de conhecer alguma coisa da juventude de duas pessoas de quem gostei muitíssimo, de reencontrar nelas os traços do meu rosto e da minha filha e sobretudo a alegria de vida que a minha mãe tinha nessa época e de que eu só conheci em alguns momentos passageiros. Talvez ela tivesse a alegria das pessoas ingénuas que esperam sempre mais da vida do aquilo que ela realmente dá, traço de carácter que com o tempo proporciona desilusões amargas, mas que nas fotografias antigas se exprimia por um bonito sorriso.