Esta imagem de Santa Brígida que comprei numa feira de alfarrabistas ali ao pé da Bertrand é um caso curioso por duas razões:
Primeiro é uma estampa do século XVIII, colada num pagela recortada dos finais do XIX ou princípios do XX e encaixilhada no século XXI. Foi feita ao longo de três épocas;
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Três épocas distintas: a estampa do séc. XVIII colocada sobre uma pagela dos finais do XIX, príncipios do XX e encaixalhada numa moldura feita nos dias de hoje |
Em segundo lugar, há uma certa áurea de mistério sobre esta Santa Brígida, que torna a estampa muito atractiva.
Quando a comprei nunca tinha ouvido falar de Santa Brígida e mal tive algum tempo iniciei umas quantas pesquisas no google e no dicionário de iconografia cristã do Réau e descobri surpreendido que afinal não houve uma só Santa Santa Brígida, mas sim três! Uma irlandesa, uma sueca e ainda uma outra francesa.
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Santa Margarida de Cortona |
Mais, comecei a perceber que iconograficamente era quase impossível distinguir as duas primeiras Brígidas, pois podem ser ambas representadas como abadessas segurando uma cruz na mão, o que é uma iconografia comum a mais não sei quantas beatas e santas, como por exemplo Margarida de Cortona ou a beata Elisabetha de Bona.
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Beatav Elisabetha Achler |
A terceira Brígida ou melhor Brigitte de Nogent-les-Vierges foi uma virgem mártir e portanto é mostrada como donzela, com uma palma de mártir e não como uma abadessa. Julgo que posso excluir esta pobre mártir como candidata a ser a minha Santa Brígida.
Procurei saber se através da biografia das referidas Santas, conseguiria perceber qual delas seria objecto de maior devoção em Portugal e qual delas era mais provável estar representada na minha estampa.
A santa Brígida ou Brigitte da Suécia nasceu em 1302 perto de Upsala e teve uma vida notável, para uma mulher da sua época, tendo viajado por quase todo o mundo conhecido. Com o seu marido caminhou da Suécia até Santiago de Compostela e imaginámos as aventuras que não terá experimentado nesta viagem em pleno século XIV, numa Europa sem estradas e cheia de assaltantes e perigos Já depois da morte do marido, voltou a atravessar a Europa e visitou a Roma a cidade eterna, que a deve ter impressionado muitíssimo com todos os seus edifícios em pedra, ela que vinha de um país onde apenas se construía em madeira. O seu propósito era obter do Papa uma autorização para fundar uma ordem religiosa, mas como os santos padres andavam nesta época divididos entre Avinhão e Roma, experimentou as maiores dificuldades em fundar a ordem.
Mas, Brigite devia ser uma mulher com coragem e espírito de aventura e com 68 anos voltou a fazer a trouxa e partiu para a Terra Santa, passando por Napóles e Chipre. Morreu na viagem de regresso e os seus ossos voltaram a Suécia onde se tornou, depois da canonização em 1391 uma espécie ícone nacional. Talvez por causa desse seu lado viajante e cosmopolita é uma das Santas padroeiras da Europa, juntamente com Catarina de Siena e Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein, a judia que se fez carmelita e foi assassinada em Auschwitz.)
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Brigída da Suécia |
A Santa Brígida da Irlanda viveu num tempo mais recuado e a sua existência é lendária e também mais fascinante. Terá nascido cerca de 452 na Irlanda, baptizada por um discípulo de Santo Patrício, fundou também uma ordem religiosa e depois da sua morte tornou-se na santa nacional irlandesa, substituindo-se ao culto pagão da deusa da fertilidade dos campos da antiga Hibérnia. A propósito dela, contam-se lendas curiosíssimas que ilustram esta função de deusa da fecundidade, como por exemplo de uma vaca que possuía e dava leite várias vezes ou dia e cujo leite servia para fazer manteiga e alimentar muitos pobres ou ainda uma vez que transformou a água do seu banho em cerveja, também com o propósito de dar beber aos necessitados.
O seu culto espalhou-se para o País de Gales e para a Bretanha francesa e talvez causa deste seu lado mais pagão a Santa é uma das figuras que os celtistas mais usam com estandarte, para as suas convicções de que existe uma tradição cultural que remonta ao período celta entre a Irlanda, o País de Gales, a Bretanha francesa, a Galiza e o Norte de Portugal. Segundo a Wikipedia, há uma lenda que conta como Brígida teria nascido na Galiza, raptada na infância e levada para a Irlanda.
Aliás muito curiosamente há uma cabeça de Santa Brígida da Irlanda na Igreja do Lumiar, em Lisboa, trazida por uns Cavaleiros irlandeses ao tempo do Reinado de D. Dinis. Esta relíquia foi muito venerada no passado, chegou mesmo ter uma festa popular assaz concorrida, dia 1 de Fevereiro, mas que hoje caiu no esquecimento.
Talvez a existência desta relíquia em Portugal, me faça pensar que a minha imagem represente Santa Brígida da Irlanda, mas esta minha convicção é certamente condicionada pela simpatia que experimento pelo lado mais pagão e fantástico da Santa.
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Monja Brigidina sueca dos dias de hoje. O toucado é igual ao da Santa Brígida da minha estampa |
Na verdade, a estampa poderá muito bem representar a Brigitte da Suécia, pois o toucado é igual ao que ainda hoje usam as irmãs brigidinas na Suécia, conforme descobri por acaso numa pesquisa na Internet.
Fico sem certezas absolutas sobre esta imagem, mas talvez na cabeça dos crentes do Século XVIII as duas santas brígidas se associassem numa só pessoa.