quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Registos de Santos

Santos, santas, santinhos e santalhada constituem o objecto de uma das minhas paixões mais recorrentes. Talvez a psicologia possa explicar a razão misteriosa desta minha fixação nas imagens religiosas, pois não sou sequer crente num ser supremo, quanto mais em santos e beatos, que supostamente intercedem pela humanidade junto de Deus.

Talvez por ser completamente ateu, não me impressione com as imagens dos martírios, com olhos revirados para o céu, com as expressões beatíficas e com os pobres Cristos crucificados. Neles só consigo ver o trabalho magnífico dos artistas que no passado trabalharam quase em exclusivo para os temas religiosos. Por outro lado, hoje em dia já quase que nada sabemos de religião e somos completamente ignorantes em iconografia cristã e decifrar os símbolos cristãos é uma tarefa fascinante, é um poço sem fundo de pesquisas, em que se descobrem histórias fascinantes de símbolos, que remontam aos cultos primitivos, à Mesopotâmia ou que foram pedidos emprestados à arte grega e romana.

Como não tenho posses para adquirir as boas imagens barrocas portuguesas, que alcançam preços proibitivos no mercado de velharias, tenho-me dedicado a coleccionar registos de santos do século XVIII, que são de longe os mais bonitos. Para quem não saiba, os registos de santos eram pequenas folhas de papel com a imagem de um santo gravado, que eram vendidas em santuários ou nos próprios estabelecimentos dos livreiros-impressores. Serviam também para aquela função que Martinho Lutero designou muito ironicamente por tráfico de indulgências, isto é, quem comprasse aquela estampa e rezasse umas quantas orações, obtinha uns x número de dias de indulgência. As pessoas guardavam essas pequenas folhas volantes nos livrinhos de orações e outras obras de literatura piedosa (como bibliotecário, tenho encontrado muitos no meio das páginas dos livros) ou então as senhoras e meninas educadas em casas religiosas faziam-lhes umas molduras muito bonitas, com seda, florinhas em tecido, galões e papeis coloridos e eram afixadas nos oratórios, maquinetas ou pura e simplesmente na parede.
S. Vicente Ferreira. Em baixo, há uma legenda, cujo texto se reproduz Exmo Snr Card. Patriarc. conc.de 50 dias de indulg.a a qm. rezar hu. P. N. e Ave M, diante desta Estampa

Pela minha casa há registos desses espalhados por todo lado, no quarto, na sala, na cozinha e até na casa de banho já começaram a aparecer alguns. Alguns deles herdei-os, outros comprei-os em alfarrabistas ou na feira-da-da-ladra. No geral, não são peças caras, pois as pessoas apreciam pouco o género e acham-nos macabros. Há uns tempos, o meu amigo Manel e eu comprámos na Feira-da-Ladra uma dúzia de registos do século XVIII, por um euro cada, pois a vendedora, uma rapariga ainda nova, com muito bom ar, tipo “esquerda caviar”, achava os “registinhos de santos” uma coisa absolutamente pavorosa e nem quis acreditar que se pode livrar daqueles monos.

Como já acima anteriormente, não os acho nada macabros, até pelo contrário, há neles uma doçura muito teatral. As mártires cristãs são representadas como senhoras da Corte, os santos são afáveis, os meninos Jesus rechonchudos, os Cristos e os S. Sebastiões tem corpos atléticos e tudo isto normalmente é emoldurado em ornatos barrocos e rococó, enfeitados com flores. No fundo, quando olhamos para estas figuras, parece que estão representar uma pequena peça de teatro para um auditório íntimo de cortesãos, num palácio qualquer barroco do século XVIII. Creio que denotam o tal intimismo muito característico da pintura portuguesa barroca, de que a Josefa de Óbidos é um perfeito exemplo.


Uma Santa Ursula da minha colecção

Para quem gostar destes "santinhos", recomendo

- o belíssimo site da Casa de Sarmento, http://www.csarmento.uminho.pt/ndat_261.asp

- Inventário da colecção de registos de santos / org. e pref. Ernesto Soares. - Lisboa : Biblioteca Nacional, 1955 (on line na Biblioteca Naccional) http://purl.pt/700/3/ba-2633-v_PDF/ba-2633-v_PDF_24-C-R0075/ba-2633-v_0000_capa1-guardas8_t24-C-R0075.pdf

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Outeiro Seco - Solar dos Montalvões

Neste blogue dedicado a velharias não poderia deixar de mencionar, uma das antiqualhas que desde pequeno me marcou. Creio que ouvir falar o meu pai e a minha avó tantas vezes daquela casa, durante a minha meninice, foi determinante na apetência, que cedo manifestei para as coisas do passado, para a história e as coisas velhas em geral. Ao contrário de Vinhais, poucas vezes dormi lá. Terei lá passado uma ou outra semana nas férias muito pequeno e já tenho poucas recordações do interior da casa. Posteriormente, visitei-a mais vezes, quase sempre a correr, e já a casa estava sem vida, na sua última e derradeira fase, sendo que as minhas lembranças são pouco significativas.
Claro, lembro-me muito bem de alguns pormenores, como por exemplo, os tectos dos quartos. Quando se é criança, uma das coisas que com mais nitidez se fixa numa casa são os tectos. As crianças são obrigadas a fazer a sesta e enquanto não adormecem, olham fixamente para cima e vão observando os pormenores todos. As rachas tomam formas de animais e pessoas. Tudo é visto e revisto, até que o sono finalmente chega.
Um dos tectos de masseira da casa. O quarto do "Lili"
Por essa mesma razão tenho bem presente na minha memória os tectos de Outeiro seco, que eram tão diferentes das casas que eu conhecia. Formavam pirâmides truncadas, vistas por dentro. Na verdade, como vim a saber mais tarde, tratavam-se dos chamados tectos de masseira, tão comuns na arquitectura solarenga portuguesa.
Apesar dessas memórias, o que foi construindo de Outeiro Seco na cabeça foi um processo à posteriori. O meu pai encheu-me a cabeça com histórias antigas daquela casa, no tempo em que era habitada, em que era a cabeça de uma grande propriedade agrícola, em que ali vivia uma família fidalga respeitada na região, em que existia uma bonita capela cheia de talha dourada, uma vasta biblioteca, e até um museu, cheio de curiosidades reunidas pelo meu trisavó. Também não faltavam pormenores pitorescos às histórias que o meu pai me contava da casa, um quarto secreto em que o meu trisavó se escondeu logo após as incursões do Paiva Couceiro por volta de 1911 ou 1912, ou até uma aldraba, que noutros tempos, quem pegasse nela, ficava ao alcance da justiça.
A capela
Para uma criança como eu, que vivia num bairro banal e triste como Benfica, todas estas histórias soavam fascinantes e encheram-me a cabeça com imagens do passado, que foram determinante nas minhas opções profissionais e nas minhas inclinações culturais. Claro, descender de uma família fidalga, também me tornava diferente dos colegas da escola, pois o ser humano, como toda a gente sabe é dado à vaidade.
Agora, em adulto, tento forçar a minha memória, rebuscando o poucochinho que me lembro do solar. Vejo vezes sem conta dois filmes, que o meu pai fez nos 60, com o recheio da casa completo, móveis, espelhos, sofás, a biblioteca, o museu, e pátio de honra, No primeiro, aparece o meu bisavó e no segundo, a minha bisavó e os meus avós paternos, todos eles hoje já falecidos. Consegui até identificar no filme uma mesa bufete, que hoje me pertence e um conjunto de cadeiras “balonné”, que calharam ao meu irmão., Leio e releio também um livro que o meu pai compilou com as suas recordações da casa, na sua tentativa de preservar um mundo, que já morreu definitivamente.

Um fogão de sala

Há uns tempos, com o meu amigo Manel, fomos até Outeiro Seco, e a partir de uma planta esquematizada feita pelo meu Pai, este meu amigo arquitecto realizou uma planta muito mais exacta da casa, um documento lindíssimo com alçados e tudo. Foi um processo muito giro, obrigar-me a mim próprio a extrair da memória as poucas recordações, que ainda tinha de Outeiro Seco, para responder as perguntas que o Manel me fazia a toda a hora e a todo o momento sobre a casa e as funções de cada divisão. Foi um pouco, como ser um antigo passageiro do Titanic e 100 anos depois, mergulhar num escafandro, visitar o navio e tentar reconstituir as salas, salões e os quartos á partir dos despojos e das ruínas. Esse grande solar, casa da minha família paterna, foi vendido nos anos 80 e hoje está completamente abandonado, invadido pelas silvas, esventrado e arruinado. E no entanto, que dignidade e que beleza aquelas ruínas ainda tem.

Porta da sala do Museu no pátio de honra. Aqui desembocaria a segunda escadaria que nunca chegou a ser construída

O Solar dos Montalvões desenvolveu-se em basicamente 4 corpos, que foram sendo construídos ao longo do tempo, em torno de um pátio central, o chamado pátio de honra. No fundo, nos séculos XVII e XVIII, período em que supostamente data a sua construção, as pessoas continuavam inconscientemente com o modelo da domus romana no seu espírito e tendiam a adoptar com frequência esta solução da casa construída em torno de um átrio central.

A casa tem dois pisos, o piso térreo que é o das lojas e o andar superior, que era destinado a habitação e à cozinha. Na parte mais nobre da casa, existiam ainda uns terceiros, que no tempo em que o meu pai os conheceu, já só serviam para arrumos.

Imagem de uma das manjedouras em granito

Para quem não saiba, “Lojas” é a designação tradicional para divisões destinadas a guardar alfaias agrícolas, adegas, gado, cavalos, etc. No andar térreo desta casa, abundam manjedouras em pedra, pois um dos principais construtores da casa, era capitão de cavalos e enfim, queria ter os seus equídeos bem tratados. Apesar da ruína em que está a casa estas manjedouras, ainda hoje são bem visíveis. Esta divisão entre lojas e habitação também é bem característica das casas rurais portuguesas e um dos seus objectivos principais era proporcionar aquecimento às habitações. A minha Tia Chica lembra-se perfeitamente da casa de umas primas algures no Concelho de Vinhais, que se mantinha quente em pena invernia transmontana, graças aos animais que eram conservados nas lojas. Segundo a minha tia, parece é que o cheiro era insuportável, mas naquela época as pessoas estariam certamente habituadas.

Na parte de cima da casa, existia um primeiro corpo com a zona da cozinha, muito grande (Alçado Sul). Depois no segundo corpo (Alçado Nascente), existia a sala de jantar, uma sala polivalente e dois quartos, ambos, com tectos de masseira. O terceiro corpo (alçado Norte) era constituído basicamente por quartos e finalmente existia a parte mais nobre da casa(alçado Poente), com os 3 salões de aparato, a biblioteca, a sala de visitas, o museu e ainda capela. A fachada deste corpo era caiada, e tinha um tratamento arquitectónico mais elegante que os restantes corpos do edifício. Aqui se abria a entrada mais nobre da casa, encimada com pedra de armas. em cuja porta que esteve colocada uma aldraba, que dava direito de asilo, a quem se agarrasse a ela. Sem duvida uma prática do antigo regime, cuja existência terá passado de boca em boca, até aos nossos dias. Segundo o meu pai, seria uma peça bonita, com a forma de um leão (talvez um mascarão) e no tempo do dele, já estaria colocada no "museu"

A fachada nobre do solar dos Montalvões

Na padieira da porta, que se encontra em frente à escada que dá acesso ao segundo corpo, pelo pátio de honra, está gravada uma data, “1782”, o que levou Firmino Aires, no artigo Solar dos Montalvões, publicado na p. 21 da Revista Outeiro Seco, Nov. de 1990, a afirmar que o corpo nobre do Solar (alçado Poente) era o mais antigo, sendo que os restantes corpos seriam de construção mais recente, coeva com aquela data. Pessoalmente, discordo dessa opinião, embora não tenha documentos ou estudos arqueológicos para suportar este meu palpite. Julgo antes que essa data foi gravada quando da construção da parte mais nobre do solar. Quando ergueram este corpo, foi necessário tratar do acesso aos salões nobres, pois esta alea não tinha nenhuma escadaria interior, bem como ao corpo da sala de Jantar. Doutra forma, os convidados mais distintos teriam que entrar pela cozinha ou pela zona dos quartos e atravessar toda a parte privada da casa para chegar aos salões nobres.

Para esse efeito foi projectada uma dupla escadaria no pátio central, uma das escadarias daria acesso à zona da sala de Jantar, no alto da qual está gravada a referida data, bem como à cozinha, e outra daria acesso directo à sala do Museu e aos salões nobres. Acontece é que e segunda escadaria nunca foi concluída, muito embora tivessem chegado a encomendar a cantaria, pois há uma fotografia do meu avô no pátio com as pedras bem talhadas amontoadas a um canto e o meu pai também ainda se lembra delas. Ainda hoje existe na sala do museu, uma porta virada para o pátio, sem qualquer gradeamento, que seria o local onde a segunda escada desembocaria. Em suma "1782" será antes uma data próxima da construção da ala nobre do solar. Em favor desta minha opinião, está também o estilo arquitectónico desta ala, nomeadamente da capela, cujo barroco já acusa a nova tendência para o classicismo, típica dos finais do século XVIII

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Casa de Souto Covo em Vinhais




Julgo que as casas em que fomos criados ou passámos a nossa infância moldam o nosso gosto, sobretudo se lá fomos felizes. A Casa de Vinhais é um desses sítios mágicos, onde passei férias estupendas na minha meninice. Para mim, criado num apartamento de cidade, aquela casa grande era um espaço fantástico de brincadeiras e depois tinha uma propriedade à volta, onde os meus irmãos e eu experimentávamos uma liberdade completamente desconhecida em Lisboa. A minha tia Maria Adelaide que tomava conta de nós nessas temporadas era também uma pessoal muito especial, que só agora que sou pai, dou o devido valor. Não se zangava connosco por andarmos sujos das brincadeiras nem se incomodava por andarmos o dia inteiro à solta numa propriedade que ainda era grande. (Nos dias de hoje, imaginaríamos um pedófilo escondido atrás de cada árvore a ameaçar os nossos filhos, estradas perigosas cheias de transito e as criancinhas caídas em falésias abruptas, etc).

Além dessa liberdade, havia também uma paisagem magnífica, com montes desertos de gente e a perder de vista e castanheiros, carvalhos, e lameiros num verde tão viçoso, que anunciavam já o Norte da Europa.

Os anos correram, continuei sempre a passar férias em Vinhais. As pessoas foram morrendo. Ninguém já vive na casa, que está decadente e só é aberta nas férias pelo meu pai. Mas, tenho tido a sorte de proporcionar aos meus filhos férias em Vinhais e os miúdos adoram.

Em todos os apartamentos que fui tendo ao longo da vida, tomei sempre por referência a Casa de Vinhais. Houve sempre uma cortina, um móvel, uma janela ou loiças, que evocaram aquela casa, aquele tempo feliz de infância e as pessoas que ali viveram e que já quase que morreram todas.
O meu gosto pela faiança dita de Miragaia ou cantão popular começou naquela casa, onde existe uma travessa e uma terrina daquele motivo, aliás muito bonitos. Coleccionar aquela loiça tem sido a minha forma de evocar Vinhais, de reconstituir um gosto português, de província, que existiu naquela casa.

Souto Covo: a minha filha Carminho e uma travessa de Cantão popular

Faiança Ratinho


Comprei na feira da Ladra um belo prato de faiança Ratinho por apenas 10 Euros! É certo que está em mau estado, foi colado e mal, mas tem a beleza ingénua desta faiança de Coimbra, que evoca a arte do Islão.

Como toda a gente sabe, os Ratinhos eram os trabalhadores agrícolas das beiras que se deslocavam para o Alentejo na altura das colheitas. Este movimento sazonal é antiquíssimo, pois o termo aparece já na obra de Gil Vicente. Com o tempo “ratinho”, tornou-se sinónimo de rústico, plebeu e acabou também por designar uma faiança grosseira e ordinária feita em oficinas populares de Coimbra, em oposição à faiança fina produzida por um Domingos Vandelli, naquela mesma cidade.

Em suma Ratinho, não designa uma fábrica ou uma oficina, mas sim um tipo de faiança rústica fabricada em Coimbra, entre o segundo terço do século XIX até às primeiras décadas do século XX.

Hoje, com o gosto formado na arte contemporânea, temos capacidade para admirar as formas quase abstractas desta loiça e o que no passado parecia grosseiro e ratinho, parece-nos actualmente ingénuo, espontâneo e cheio de beleza.


Faianças Ratinho num Leilão Cabral Moncada

Mais informações e bibliografia:

Blogue do Júlio Pomar http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2009/07/map-1996.html

-António Capucho: retrato do homem através da colecção. Cerâmica portuguesa do século XVI ao século XX. - Porto: Livraria Civilização Editora, 2004
- CARVALHO, Francisco Augusto Martins
 Antigas Fábricas de Cerâmica em Coimbra" in Algumas Horas na Minha Livraria. -  Coimbra, 1910.
- CARVALHO, J.M. Teixeira de
Cerâmica Coimbrã no século XVI. Coimbra, 1921.
-Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX / de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007. Tem uns dois ou três parágrafos interessantes, sobre esta matéria.
- LEPIERRE, Charles
Estudo Chímico e Tecnológico sobre a Cerâmica Portuguesa Moderna. - Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, 1912.
- MELO, Adelino António da Neves e
Apontamentos sobre a História da Cerâmica em Coimbra".-  Portugália Editora, 1886.
-MENDES, José Maria Amado
Memorial Histórico da Exposição Distrital de Coimbra 1884. Coimbra, GAAC, 1985
- (Os) Ratinhos. Faiança Popular de Coimbra. Lisboa: Museu do Azulejo, realizada em 1998,
-VASCONCELLOS, Joaquim de
Catálogo de Cerâmica Portugueza. - Porto, 1909.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Figurinha em Terracota


Este é um dos meus achados preferidos na feira-da-ladra. É uma figurinha em terracota, que não ultrapassa os 10 cm. Está quebrada na base e no topo, pois terá feito parte de um conjunto que estaria encastoado numa parede duma casa rural muito antiga, algures na península de Setúbal. Ter-se-ia partido quando a tentaram tirar da parede. Enfim, são as informações que me forneceu o vendedor acerca deste busto de homem barbudo, que obviamente poderão ser mentira.

Em todo o caso, a peça está extraordinariamente bem moldada. Faz-me lembrar aquelas representações que na pintura do renascimento se faziam dos indianos, dos assírios ou dos índios da amazónia. Aliás, toda esta peça me sugere o Renascimento.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mais azulejos de padrão


Gosto tanto de azulejos que resolvi revestir a cozinha da casa de bonecas da minha filha Maria do Carmo com os bons e velhos azulejos portugueses. Arranjei umas boas imagens de azulejos de padrão na internet, inseri-os no word, depois fiz uma composição com bonitos lambris de padrão, recortei à medida, colei em cartolina, colei por cima aquele papel adesivo transparente para dar brilho azulejar e revesti as paredes da cozinha da Sô Dona Maria do Carmo. Acho que o resultado ficou espantoso

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Santos de roca ou imagens de vestir

Aqui estão alguns dos meus investimentos sentimentais mais pesados, dois santos de roca, que também se designam por imagens de vestir. O primeiro é uma santa não identificada, o segundo é um santo franciscano, pois tem uma tonsura e uma barba. Não me parece que seja o Santo António de Lisboa, que é normalmente representado imberbe. Apresenta um orifício nas mãos, talvez feito para suportar um Menino Jesus ou um livro, uma cruz ou outro atributo qualquer, pelo qual os fieis o identificariam.

A origem destas imagens não assenta na roca de fiar como o nome parece indicar. Embora, de facto, a forma inferior da primeira santa sugere de imediato uma roca de fiar.


O seu nome tem origem nas representações barrocas religiosas surgidas em Espanha, após o Concilio de Trento, em que se representava o nascimento de Cristo numa caverna rochosa ou a Paixão de Cristo no alto dum monte, isto é, uma rocha. Como toda a gente sabe, “Rocha” em espanhol é “roca”e daí a origem deste nome.

Em Espanha, em Portugal e depois no Brasil, essas representações evoluíram para procissões complicadas e opulentas, em cenários rochosos, em que se usavam imagens de madeira, ocas, muito leves, que poderiam ser facilmente transportáveis nos andores. Essas imagens poderiam ainda ser vestidas de maneira diferente consoante tratar-se de um cerimonial de Páscoa ou de Natal.


Apareceram assim as Santas de roca ou imagens de vestir, que passaram a envergar trajes luxuosos, jóias, coroas e resplendores. Alguns dos trajes eram confeccionados por grandes damas fidalgas, outros eram deixados em testamento às Santas. Na minha família existiam uns brincos muito valiosos e antigos que só eram usados pela santa Padroeira local, a Senhora da Azinheira, no dia da sua procissão (foto do lado esquerdo, cedida por Altino Rio). O resto do ano os brincos eram guardados numa vitrina na casa familiar.

Estas imagens eram muitas vezes articuladas, nos braços, nas mãos ou troco, precisamente para permitir que se adaptassem a esta função teatral dos actos religiosos.

Quem quiser saber um pouco mais sobre a história das imagens de vestir ou santas de roca, sugiro a consulta da página http://www.revistaohun.ufba.br/Microsoft_Word_-_Maria_Helena_Flexor_IMAGENS_DE_ROCA_E_DE_VESTIR_NA_BAHIA.pdf

As minhas imagens estão despidas. Faltam-lhes as sedas bordadas a prata, confeccionadas por Senhoras devotas e bem nascidas. Mas o facto de estarem nuas dá-lhes a áurea que os actores têm nos camarins antes de se vestirem. Ainda parecem pessoas comuns, mas estão prestes a transformarem-se. 

Mais sobre santas de  roca

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Azulejos pombalinos

Tenho a mania dos azulejos e este painel que está na minha casa é dos meus preferidos. A maioria dos azulejos que o compõem foi achada em plena Baixa Pombalina, na rua 1º de Dezembro, num contentor das obras. Aliás, os contentores de obras do bairros históricos de Lisboa são muito ricos em azulejos...

Durante dois ou três dias fiz figura de pedinte a vasculhar o contentor. O Manel andou a ajudar-me e os meus filhos, quando eu passava pelo contentor já me puxavam pela mão, com vergonha. Levei ainda mais que uma vintena de azulejos para casa.

Todos eles estavam pintados dum castanho cor de caca e alguns deles estavam partidos. Fui levando tudo para a minha casa. Depois, com o auxílio de um escopro e de um martelo retirei-lhes a argamassa. Paralelamente, com uma faca, raspei-lhes a tinta castanha toda e começaram a surgir os vibrantes azuis e brancos dos azulejos. Pu-los de molho em água, raspei-os uns contra os outros, para tirar o resto da argamassa e tirar os restinhos de tinta.

Claro, a minha cozinha minúscula ficou um nojo e a roupa para engomar e os restantes trabalhos domésticos foram-se acumulando, mas o resultado foi fantástico. Consegui compor quase um painel de azulejos com este motivo de flores e ainda fiquei com uns 3 ou 4 azulejos marmoreados, uns 8 do motivo da trepadeira e um azulejo solto da fábrica do Rato.

Ficou a faltar-me um canto e uns dois azulejos do lado direito da flor. Fiz um desenho deles e numas quantas idas à feira-da-ladra consegui terminar a montagem do puzzle. Creio que não terei gasto mais do que 15 ou 20 euros. Nesta feira há uns 4 ou 5 vendedores que se especializaram em azulejos. Finalmente, pedi ao Senhor que me costuma fazer obras em casa para encastra-los na parede e ficaram lindos.
Pelo sítio onde os encontrei, a Baixa Pombalina, pela espessura, pela superfície irregular, e pelo vidrado cheio de bolinhas sei que são da segunda metade do século XVIII. São aquilo que vulgarmente se chama azulejos de padrão e que foram usados em larga escala na reconstrução pombalina. Encontrei um padrão igual no Museu Nacional do azulejo, datado entre 1755 e 1780, inv 791

É pena que haja pouca coisa sobre esta azulejaria mais industrial do período pombalino, pois os manuais de arte dedicam-se quase exclusivamente aos grandes painéis historiados. O site do Museu Nacional do Azulejo também não esclarece muito sobre quem quer saber um pouco mais sobre azulejaria de padrão.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Piano Baby


Enquanto pesquisava na Internet por figurinhas de biscuit e à conta de ver centenas de imagens, acabei por me interessar por descobrir o fabricante de outro menino no mesmo material, que tenho lá por casa, dado pela minha Mãe e que tinha sido da minha avó Mimi. Sempre o achei uma peça deliciosa, o menino a comer o chocolate ou mel do pote, com um ar de quem aproveitou a ausência dos pais para fazer um disparate dos grandes. Na minha infância, meti na cabeça que aquele bonequinho representava uma traquinice que o meu pai tinha feito em criança. Ao que parece, um dia, o meu pai foi deixado sozinho no bacio e quando a criada voltou encontrou-o a pintar-se e a pintar tudo à volta com cocó.



Enfim, chegado à idade adulta, continuei a apreciar a delicadeza da manufactura do bonequinho e convenci-me que era uma peça francesa.

Acabei por descobrir umas quantas peças muito semelhantes na Internet. Trata-se afinal de um Piano baby, uns bonequinhos que costumavam ser colocados em cima dos pianos e que estiveram muito na moda nos finais do século XIX, princípios do XX. Enfim, correspondiam ao gosto arrebicado e superornamentado da época e faziam parte do cenário das aulas de piano de meninas prendadas. Os alemães eram os fabricantes mais famosos deste tipo de bibelots feitos em biscuit e houve um deles que se notabilizou pela perfeição do modelado e pintura das peças, o Heubach.
Um típico par de piano babies da Heubach

Para além destas figurinhas para pôr em cima dos pianos, Heubach (1840 1925) notabilizou-se no fabrico de bonecas para meninas, cujas faces tinham expressões muito vivas, como as de tristeza ou de beicinho

Mais tarde os pianos babies alemães começaram a ser copiados um bocado por toda a parte, mas claro sem grande qualidade. Os japoneses começaram a faze-los depois da segunda guerra mundial e há uns tempos encontrei numa casa de velharias um destes bonecos, com a marca da Fábrica de Louça de Sacavém

Os verdadeiros pianos babies da Heubach, bem como as suas bonecas são hoje objecto de uma verdadeira caça pelos coleccionistas. Houve até um aficcionado que descobriu há pouco numa feira de velharias alguns moldes da antiga fábrica Heubach e começou a produzir réplicas.

No verso do meu piano baby encontra-se uma marca, que tanto poderá ser um “H” ou “I”


Acabei por escrever para um site americano de venda de antiguidades, o Ruby Lane, e que tem uma secção que dá apoio à identificação de peças o What’s this?, pedindo uma opinião sobre o fabricante do meu boneco

Transcrevo aqui a resposta
Dear Luís,
Unfortunately, this is not a recognizable or documented mark and more than likely it was applied by either a previous owner or is an internal manufacturing reference. Although the letter "H" could conceivably indicate HEUBACK BROS., a very famous and accomplished manufacturer of Porcelain Dolls, Dolls Heads, Porcelain Figurines and other related Ceramics, located in Germany since the 1860s (closed in 1994), we have a hard time ascertaining that this would be the correct attribution for this "mark".
Yet, this is definitely old, probably dating to ca 1900 - 1920s, and obviously made by a very skilled Modeller or company, and in fact very much to the same high standards as Heubach. The style is also very German in origin.
It is possible that this was part of a Set and perhaps another larger piece may have an actual maker's mark. But, and in conclusion, based on what is shown in the photos, we can only be certain as to its country of origin and its age, but allow for the possibility that it may indeed be a Heubach piece.
Thanks and regards,

 
Fiquei muito contente com esta resposta, que confirmava o resultado das minhas buscas, tratava-se de uma peça alemã, datada entre 1900-1920, com um acabamento requintado e provavelmente da Heubach.

 
Há uns tempos, descobri em casa do meu pai um inventário manuscrito feito pela minha avó Mimi dos bens que existiam em casa da sua mãe, realizado logo a seguir à morte da desta última, a minha bisavó Aninhas. Pedi uma cópia ao meu pai e andei entretido a lê-lo, tentando identificar peças que me calharam em herança, a reconstituir de memória as coisas que ainda me lembro de ver naquela casa ou a imaginar como seriam as restantes. No referido livrinho encontrei referência ao meu menino com o pote de mel e logo ao lado, outra referência a um menino com uma grinalda. Seria o par da minha peça, conforme sugeriram os peritos da RubyLane? Estaria marcado Heubach? E quem herdou o menino da grinalda?

Mais um mistério que ficará por resolver

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Paliteiro



Este menino que tenta tirar um grilo ou uma barata do braço deu-me algum trabalho a identifica-lo. Estava todo feito em pedaços e foi o meu amigo Manel, que percebeu a ordem pela qual se deveriam juntar as várias peças depois colou-o. Confesso que passei horas na Internet a fazer pesquisas sobre esta pecinha encantadora em biscuit. Descobri exactamente o que era quando coscuvilhava a secção de arte da Livraria Bulhosa nas Amoreiras. Ao folhear um catálogo de um leilão da Vista Alegre, descobri um menino muito semelhante ao meu, produzido por aquela fábrica na primeira metade do século XX. As costas que faltam ao meu boneco estão cheias de buraquinhos e descobri que afinal o menino é um paliteiro!


Comprei depois o livro Paliteiros: Vista Alegre, de Jorge Manuel Ferreira e na pág. 103 aparece uma reprodução deste modelo, acompanhada de um ficha de arquivo da Fábrica, com um desenho de J. Cazaux, de Agosto de 1922. Há uns tempos fui visitar o Museu da Vista Alegre em Ílhavo e lá estava uma peça semelhante à minha. Acabei por escrever um e-mail ao referido Museu e tiveram a gentileza de me enviar umas imagens das costas do boneco.


Contudo, apesar das semelhanças continuei a achar a minha peça mais perfeita. A pasta em que é feito o meu menino não tem o brilho algo estridente da peça que está no Museu da Vista Alegre.

Depois de um comentário feito aqui me ter chamado a atenção para um site sobre porcelana, http://www.avaluart.com/, é que consegui resolver o mistério desta diferença entre o meu boneco e o do Museu. No Avaluar estava outro menino paliteiro, muito semelhante ao meu, mas deitado e em biscuit, datado entre entre 1881-1921. Fez-se luz na minha cabeça, a Vista Alegre fabricou o mesmo modelo em biscuit e em porcelana.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Faiança de Miragaia ou dita de Miragaia

Nesta imagem, está uma das minhas peças preferidas, a terrina de faiança, dita de “Miragaia”. Estas louças identificadas nos mercados de velharias por “Miragaia” são um caso bem curioso da faiança portuguesa.
Enfim, conseguimos perceber a origem do motivo, que é a célebre loiça inglesa do Willow pattern (o padrão do Salgueiro, desenhado por thomas Minton em 1790). Basicamente, este motivo, é a narração da história de um amor contrariado passado na China, que tal como Romeu e Julieta, termina mal. No site http://www.thepotteries.org/patterns/willow.html há uma boa descrição que conta o significado preciso de cada uma das partes da decoração. Este padrão terá se inspirado nos motivos chineses de Cantão.



Contudo, os fabricantes portugueses dos "miragaias", libertaram-se das amarras do padrão original do salgueiro e interpretaram-no livremente, com pinceladas rápidas, num resultado cheio de energia e com um gosto muito popular. Na dita loiça de Miragaia, as motivos que constituem o padrão do salgueiro são simplificados e esvaziados do seu significado original. Por exemplo, em vez de dois edifícios, passa a haver apenas um, ou ainda desaparecem as figuras humanas que representavam os apaixonados da lenda (Ver imagem em baixo). Já vi uma travessinha desta faiança em que a casa chinesa mais parece um prédio pombalino... No fundo há um processo de abstracção muito grande, só que em vez de ser levado a cabo por pintores modernistas em Paris, é feito por artífices populares em Coimbra ou no Porto.


Não há quase nada escrito sobre esta faiança. Percebemos que houve vários fabricantes ao longo de um período de tempo muito grande (inícios do século XIX até a segunda metade do século XX), que produziram este motivo com muitas variantes entre si. Contudo, as peças nunca têm marcas. Só uma vez apanhei uma marcada da Fábrica Lusitânia, que estava sediada em Lisboa.



No Itinerário da faiança portuguesa do Museu Nacional Soares dos Reis, p. 160 chamam a este motivo, o Cantão Popular ou o Cantão de Miragaia, por esta fábrica se ter destacado na sua produção. Mais tarde seriam as oficinas de Coimbra a darem-lhe continuidade pelo que chegou até nós popularizado como Cantão de Coimbra. Contudo, nesta recente exposição que se fez em 2008, no Porto, no Soares dos Reis, intitulada Fábrica de Louça de Miragaia, refere-se que nunca se encontrou nenhuma loiça com o motivo do salgueiro, com as marcas características da Fábrica Miragaia. No catálogo da exposição adianta-se que essa fábrica tornou-se famosa por fazer um tipo de motivo com uma paisagem em azul, conhecida por "País" (foto de cima) e que daí em diante toda a louça em azul com paisagens passou a ser conhecida por Miragaia.


Mo Museu Abade de Baçal em Bragança vi umas quantas peças deste nosso motivo dito de Miragaia ou de cantão popular e estão atribuídas ao um centro de fabrico em Coimbra (foto de cima). Creio que foi a Dra. Margarida Rebelo Correia do Museu Nacional Soares dos Reis que esteve recentemente em Bragança a reclassificar as peças de faiança. A da imagem acima pertencente ao museu brigantino é algo semelhante a uma das minhas peças (foto inferior). Em todo o caso, em que critérios se basearam para atribuir estas peças a Coimbra?



Enfim o mistério não se resolve.

Tenho imensas peças desta faiança dita de Miragaia. Comecei com duas peças herdadas da minha avó, e depois fui comprando mais e mais e agora tenho pratos, travessas e travessinhas, uma terrina, jarro, uma jarra, uma saladeira e sei lá que mais. Passei até a mania a a um amigo meu, companheiro destas andanças da Feira-da-Ladra, que neste momento já tem mais “miragaias” do que eu.