Há uns tempos, tentando encontrar notícias sobre os tribunais de guerra criados para o julgamento de conspiradores monárquicos, após as duas primeiras incursões de Paiva Couceiro, resolvi bater todo o ano de 1913 da Ilustração Portuguesa, revista de actualidades, disponível on-line na Hemeroteca Digital. Mesmo quando se têm um objectivo preciso, folhear revistas antigas é uma perdição e rapidamente nos distraímos a ver os anúncios antigos, os figurinos das últimas modas, as crónicas mundanas ou ler notícias de conflitos, que na altura eram muito actuais, como a segunda guerra balcânica e que hoje foram remetidos para notas de rodapé dos manuais de oficiais de história.
Entre todas essas actualidades do passado, encontrei a notícia de um serão literário no Mosteiro de Alcobaça, com fotografias dos vários participantes e chamou-me logo a atenção, o retrato do poeta Afonso Lopes Vieira (1878—1946) e da sua mulher à saída do Mosteiro. Durante o período em que fui bibliotecário na Universidade Católica coordenei o tratamento do espólio de António Sardinha (1887-1925) e existiam muitas cartas de Afonso Lopes Vieira, que se distinguiam de imediato das outras, porque aquele poeta tinha uma caligrafia linda, muito pessoal, mas legível e usava ainda um papel timbrado com o motivo de uma vieira. Desde logo, percebia-se que era um esteta. Também me recordo muito bem de ver a sua casa de S. Pedro de Muel, que era e é um encanto. Apesar de ligado ao Integralismo Lusitano, a seguir ao 28 de Maio de 1926, demarcou-se do Salazarismo. Sempre simpatizei com esta figura, embora tenha aprofundado pouco ou nada sobre a sua obra.
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O poeta Afonso Lopes Vieira |
Este serão literário ou festa de arte foi organizado por Manuel Vieira Natividade (1860-1918) , ouviu-se muita poesia e naturalmente os convidados eram mulheres e homens de cultura. À saída ou à entrada do evento, os convidados percorreram o mercado semanal de Alcobaça e um casal elegante parece ter-se encantado com as cerâmicas. A jovem muito elegante com uma saia muito cingida e um lenço artisticamente enrolado parece estar a passar dinheiro ao senhor. Não sei o que compraram, se a cerâmica vidrada, se a panela de barro ou os pratos ratinhos no canto esquerdo. Nesta época, em 1913, neste meio de pessoas como o poeta Afonso Lopes Vieira ou o Manuel Vieira Natividade, que valorizavam a tradição, a história e a etnologia era provável que se apreciassem os ratinhos, estes pratos de faiança com uma decoração inconfundível.
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Os ratinhos estão no canto inferior esquerdo |
Achei muita graça a esta imagem, pois quanto vejas fotografias antigas de mercados e feiras, tento sempre identificar, que tipo de cerâmicas, se encontravam à venda, mas a definição é sempre má e nunca consigo descortinar nada. Mas desta vez, tive sorte e encontrei pelo menos três ratinhos, acabadinhos de sair da oficina em 1913.
Fonte consultada: Ilustração portuguesa, nº 394 (8 Setembro de 1913)