Mostrar mensagens com a etiqueta faiança: ratinho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta faiança: ratinho. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Uma elegante junto a pratos ratinho em 1913



Há uns tempos, tentando encontrar notícias sobre os tribunais de guerra criados para o julgamento de conspiradores monárquicos, após as duas primeiras incursões de Paiva Couceiro, resolvi bater todo o ano de 1913 da Ilustração Portuguesa, revista de actualidades, disponível on-line na Hemeroteca Digital. Mesmo quando se têm um objectivo preciso, folhear revistas antigas é uma perdição e rapidamente nos distraímos a ver os anúncios antigos, os figurinos das últimas modas, as crónicas mundanas ou ler notícias de conflitos, que na altura eram muito actuais, como a segunda guerra balcânica e que hoje foram remetidos para notas de rodapé dos manuais de oficiais de história.

Entre todas essas actualidades do passado, encontrei a notícia de um serão literário no Mosteiro de Alcobaça, com fotografias dos vários participantes e chamou-me logo a atenção, o retrato do poeta Afonso Lopes Vieira (1878—1946) e da sua mulher à saída do Mosteiro. Durante o período em que fui bibliotecário na Universidade Católica coordenei o tratamento do espólio de António Sardinha (1887-1925) e existiam muitas cartas de Afonso Lopes Vieira, que se distinguiam de imediato das outras, porque aquele poeta tinha uma caligrafia linda, muito pessoal, mas legível e usava ainda um papel timbrado com o motivo de uma vieira. Desde logo, percebia-se que era um esteta. Também me recordo muito bem de ver a sua casa de S. Pedro de Muel, que era e é um encanto. Apesar de ligado ao Integralismo Lusitano, a seguir ao 28 de Maio de 1926, demarcou-se do Salazarismo. Sempre simpatizei com esta figura, embora tenha aprofundado pouco ou nada sobre a sua obra.

O poeta Afonso Lopes Vieira


Este serão literário ou festa de arte foi organizado por Manuel Vieira Natividade (1860-1918) , ouviu-se muita poesia e naturalmente os convidados eram mulheres e homens de cultura. À saída ou à entrada do evento, os convidados percorreram o mercado semanal de Alcobaça e um casal elegante parece ter-se encantado com as cerâmicas. A jovem muito elegante com uma saia muito cingida e um lenço artisticamente enrolado parece estar a passar dinheiro ao senhor. Não sei o que compraram, se a cerâmica vidrada, se a panela de barro ou os pratos ratinhos no canto esquerdo. Nesta época, em 1913, neste meio de pessoas como o poeta Afonso Lopes Vieira ou o Manuel Vieira Natividade, que valorizavam a tradição, a história e a etnologia era provável que se apreciassem os ratinhos, estes pratos de faiança com uma decoração inconfundível.

Os ratinhos estão no canto inferior esquerdo

Achei muita graça a esta imagem, pois quanto vejas fotografias antigas de mercados e feiras, tento sempre identificar, que tipo de cerâmicas, se encontravam à venda, mas a definição é sempre má e nunca consigo descortinar nada. Mas desta vez, tive sorte e encontrei pelo menos três ratinhos, acabadinhos de sair da oficina em 1913.


Fonte consultada: Ilustração portuguesa, nº 394 (8 Setembro de 1913)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ratinhos: um prato falso

Todos nós já lemos nos jornais ou revistas histórias acerca de falsificações de obras de arte. Normalmente, são as pinturas de grandes artistas como Picasso, Van Gogh ou Rembrandt, cujos valores no mercado de arte atingem milhões de euros, que são objecto de cópias, contracções, falsificações e outras trafulhices.

Nós, os coleccionadores amadores, achamos que essas histórias só acontecem nos mercados de arte de Londres, Paris e Nova Iorque e que por cá, ninguém se vai dar ao trabalho de falsificar e vender peças cujo preço anda na casa das dezenas de euros, ou quanto muito numa centena.

Porém, as falsificações também são comuns nesta fatia de mercado das velharias e o meu amigo Manel foi recentemente vítima de um logro, ao comprar como genuíno um prato ratinho de figura, que eu mostrei aqui no blog, no passado dia 2 de Fevereiro.

Foi uma Senhora de Coimbra, uma coleccionadora de faiança, que graças à sua intuição, que muitos anos de experiência conferem, quem detectou que o prato era falso. Esta revelação deixou-nos um pouco desorientados, pois o prato estava esbeiçado e parecia-nos antigo, mas quer o Manel, quer eu, temos por hábito tomar em conta a opinião de quem já lida com antiguidades há muitos anos e ficámos desconfiados sobre a autenticidade do Prato.

Esta Senhora de Coimbra, que já tem colaborado com este blog, mostrando algumas peças suas, voltou-me a escrever para repararmos se na frente do prato, existiam as marcas feitas pela trempe. Para quem não saiba, a trempe é o um pequeno tripé de cerâmica, que antigamente se usava entre os pratos, postos em pilha no forno, evitando que se colassem uns aos outros durante a cozedura. As trempes deixavam sempre pequenas marcas no prato, cerca 6,5 e 7cm de distância entre cada ponto, formando entre si um triângulo e são visíveis em 99% dos pratos que medem entre os 29 e os 32 cm.

Uma trempe. Cortesia do http://artelivrosevelharias.blogspot.pt 

Ora o prato do Manel não apresentava nenhuma marca de trempe, mas enfim, podia ter sido o último da pilha e não apresentar as referidas marquinhas.

Depois, esta Senhora de Coimbra, habituada a consultar muitos catálogos de leilões e livros de arte, lembrou-se que normalmente quem copia loiça antiga fá-lo a partir de peças que já foram reproduzidas em publicações e deve ter desatado a folhear os seus livros e de facto encontrou num leilão do Cabral Moncada de 2009, o prato que serviu de modelo à cópia, que o Manel comprou.



O Manel e eu ficámos então perfeitamente convencidos que o seu prato era de facto uma boa cópia de um prato antigo.

Entretanto levamos o prato a casa de uma outra coleccionadora de faiança portuguesa, aqui de Lisboa, que muito gentilmente se ofereceu para nos dar de jantar e ajudar-nos nesta tarefa quase policial de desvendar uma falsificação. Quando chegámos a sua casa, a primeira coisa que vimos foi o Ratinho com o tocador de guitarra, que tinha servido de modelo ao prato do Manel. De facto, tinha sido esta Senhora e o marido quem tinham comprado o prato que esteve a Leilão no Cabral Moncada.

Pudemos então comparar os dois pratos lado a lado, a cópia e o original. Como acontece muitas vezes a quem reproduz uma obra a partir de uma fotografia, a pintura foi feita muito mais lentamente e de forma mais cuidadosa do que no original. Os artistas que faziam os ratinhos tinham uma pincelada rápida, pois havia muito prato para pintar e não havia tempo a perder com pormenores. Por outro lado, o prato falso apresenta o chamado craquelé, termo francês que designa uma superfície estalada. Ora, os Ratinhos tem um tipo de vidrado que nunca apresenta craquelé. O tardoz do prato original também é rústico cheio de imperfeições, ao contrário do prato do meu amigo, que foi lixado propositadamente.

Não sabemos se quem executou o prato do Manel, o fez já com intenção de o vender no mercado como original. Também não sabemos se o vendedor estava consciente que estava vender uma falsificação. Pessoalmente, acho muito bem que os ceramistas actuais encontrem inspiração nas peças antigas de faiança portuguesa, mas tem o dever de marcar as suas peças, para evitar que o consumidor compre gato por lebre.

Espero que esta pequena história seja útil a todos os amadores de faiança antiga portuguesa, para não serem vítimas de um logro. Quero também agradecer em meu nome e do Manel, às duas coleccionadoras de Coimbra e de Lisboa que nos ajudaram a desvendar esta falsificação.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Um folião de calça listrada que saiu por aí: Faiança Ratinha

Neste período em que o Governo lança as garras de fora e se lança sobre a classe média, baixando salários, reformas, retirando direitos e sabemos lá que mais vão inventar, nada como voltar à alegria das cores dos Ratinhos e mostrar a nova aquisição do meu amigo Manel, um prato com um musico folião, tocando viola, rodeado por uma grinalda florida.

Como muito bem explica a Ivete Ferreira no catálogo Cerâmica na colecção da Fundação Manuel Cargaleiro. - Castelo Branco, Câmara Municipal, 2012, relativamente a gramática decorativa, os ratinhos dividem-se nas seguintes categorias: pré-ratinhos, decoração irradiante, figuração humana, flores, vegetação exuberante, covo despojado, decoração fraccionada, figuração zoomórfica e arquitectura.

Este exemplar do Manel pertence ao grupo da figuração humana e são dos mais difíceis de achar no mercado das velharias, ao contrário dos grupos das flores ou decoração exuberante, que ainda se vão encontrando aqui e acolá. Neste grupo da figuração humana, os ceramistas da região de Coimbra, de onde é originária esta faiança, deram grande ênfase aos músicos, que aparecem representados, tocando viola, guitarra, violoncelo, harpas, castanholas, clarinete, gaita-de-foles e por aí fora. 

No referido catálogo, Cerâmica na colecção da Fundação Manuel Cargaleiro, aparece reproduzido na página 54 um prato, com muitas semelhanças a este e que foi datado pela autora do texto como sendo do último quartel do século XIX.
Prato da Fundação Manuel Cargaleiro

Tentei averiguar que espécie de viola toca este folião do prato do Manel. Certamente será um dos oito tipos de violas portuguesas, mas eu sou tão ignorante em termos musicais, que não me atrevo a dar qualquer espécie de palpites sobre qual desses tipos estará representado neste prato.


Toque uma viola toeira, típica da região da Beira Litoral ou uma viola beiroa, parece-me certo que o músico deste prato do Manel, que vestiu a sua calça listrada, prepara-se para uma grande folia, um pouco à maneira daquela célebre música de Assis Valente, popularizada por Carmen Miranda e Maria Berthânia e aqui numa versão deliciosa de Carla Adduci:

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele tomou parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega
leão

Tirou seu anel de doutor pra não dar o que falar
Saiu dizendo eu quero mama,
Mamãe eu quero mama, mamãe eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega
leão

Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Tirou minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu meu guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para o seu cordão

Agora que a batucada já vai começando
Não quero e não consigo meu querido debochar de mim
Porque se ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar



Mais sobre este prato

quarta-feira, 20 de março de 2013

Ratinhos da Flor


Hoje apresento dois pratos ratinhos, com muitas semelhanças entre si. De tal forma me parecem familiares que decidi junta-los neste post, apesar do primeiro me pertencer e o segundo ser do meu amigo Manel.

Apresentam os dois uma simplicidade que me encanta. Tem aquela beleza dos desenhos das crianças, das pinturas populares e das obras arrojadas de alguns pintores modernistas do início do século XX.

Segundo a classificação proposta por Ivete Ferreira na obra Cerâmica na colecção da fundação Manuel Cargaleiro. - Castelo Branco: Câmara Municipal, 2012, estes dois pratos fazem parte do grupo das flores, isto é, são peças em que a flor tem um lugar de destaque na decoração da peça, de tal maneira que invade muitas vezes a orla dos pratos, como se o seu crescimento fosse incontrolável.


No prato do Manel há uma particularidade muito curiosa, a planta parece nascer de um prado e floresce na parte superior do prato numa explosão de cor.

Talvez na decoração destes pratos com cerca de 100 anos encontremos uma alegria de vida, que hoje nos parece faltar a todos.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Faiança dos Ratinhos: ancestrais e modernas


O prato da segunda seguidora Anónima

As peças de faiança conhecidas pelos Ratinhos são objecto por parte dos seus proprietários de um verdadeiro culto. São loiças simultaneamente ancestrais e modernas, pois os desenhos tanto podiam ter saído das mãos de um artesão muçulmano da idade Média como da imaginação de um Picasso ou de um Matisse. E no entanto, estas faianças não se confundem com mais nenhumas outras.



Talvez por causa desta singularidade dos Ratinhos, os posts que lhes dediquei ao longo deste blog sobre este assunto são dos mais consultados e certamente por essa razão, as pessoas contactam-me por e-mail enviando-me cópias dos seus Ratinhos. Nem sempre os publico no blog, pois sou um mero amador e não sei o que dizer sobre esses pratos, para além de que gosto deles. Mas desta vez resolvi fazer um apanhado e mostrar os que gostei mais e submete-los à apreciação desta tertúlia virtual, que formam os seguidores do meu blog. Gostava particularmente que a primeira seguidora misteriosa se pronunciasse quanto à classificação deles.



O primeiro é um prato gigantesco com 53 cm, que pertence a segunda seguidora anónima, que agora regressou ao nosso convívio. Esta peça de dimensões excepcionais está também marcada, o que é raríssimo. Foi feita na Casa de loiças de Justiniano Adélio Semedo. Procurei no Sandão e no Queiroz referência a este artesão e não encontrei nada. No entanto, a proprietária. Informou-me que no 4º leilão da colecção de António Capucho IV, na página nº 131 aparece um prato atribuído a Coimbra, com a seguinte referência Depósito de louça de João Marcelino Semedo.

Imagem gentilmente enviada  pela Seguidora Misteriosa, do catálogo do Leilão do Palácio do Correio velho, Colecção António Capucho, Parte IV, 2005

Ora como já vimos aqui no post sobre faiança de Coimbra, a profissão de oleiro e fabricante de faiança passava de pais para filhos é natural que este João Marcelino seja familiar do Justiniano e que se trata da mesma oficina. Quanto à decoração o prato classifica-se no género zoomórfico.

O Prato da Quina


Outro prato da Quina
o prato da Quina de decoração irradiante


Depois a nossa amiga idanhense a Quina, enviou-me dois pratos lindos com uma cercadura decorada e um terceiro de decoração irradiante, isto para usar a classificação citada pela Maria Andrade e que julgo ser da autoria da primeira seguidora misteriosa.

O prato da Constança

Seguem-se dois pratos enviados pela Constança, o primeiro com duas folhas que se distribuem livremente pela superfície e o segundo, absolutamente espectacular, dividido ao meio com duas flores nas bordas. Nunca tinha visto nada como este prato e acho-o de um modernismo assombroso, embora tenha sido feito por uma mulher ou homem que não sabiam ler.


O prato da Constança. Um modernismo que parece ter saído de um tempo em que Picasso, Matisse ou um Amadeo Souza Cardoso agitavam Paris


Finalmente o Luís, enviou-me uma imagem de um Ratinho, todo ele geometria, que também me fascina.

O Ratinho do Luís

Hoje não escrevi muito. Julgo que que muitas palavras distraem-nos de contemplar estas obras de arte dos humildes ratinhos.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O modernismo dos ratinhos

A nossa amiga a seguidora anónima resolveu presentear-nos com mais uma série de imagens de pratos ratinhos da sua colecção.

Se da última vez que abri o email da nossa seguidora com as imagens dos ratinhos, senti que estava na presença de objectos pintados com um vocabulário decorativo ancestral, onde a herança islâmica manteve traços aqui e acolá, vá lá a gente saber como, pois os mouros saíram definitivamente da região coimbrã no século XI, desta vez, ao abrir as fotografias, achei que esta faiança era absolutamente modernista, com a sua simplificação das linhas, o arrojo das composições e o abstraccionismo das formas.



O primeiro, prato, com uma figura masculina engalanada de cores garridas, rodeada por uma aba florida recordou-me de imediato, a família de Saltimbancos, de Pablo Picasso, que se encontra na National Gallery of Wahington. Este quadro data do chamado período rosa de Picasso (1905-1906), que coincide com a sua chegada a Paris e se caracteriza pela abundância de tons rosa e vermelho e pela presença de acrobatas, dançarinos e artistas de circo. É um período feliz, que se opõe à tristeza da anterior fase de Picasso, o chamado período azul.
A família de Saltimbancos de Picasso. National Gallery, Washington

Depois, as imagens três pratos seguintes trouxeram-me à memória as cores garridas dos ballets russes (1909-1929) de Serge de Diaghilev, que influenciaram com o seu arrojo toda a arte contemporânea, desde a dança, passando pela música, até à pintura, ao mesmo tempo que a montagem dos seus espectáculos contou com participação de músicos, bailarinos e artistas plásticos de vanguarda.





Entre estes artistas estava, León Baskt, um judeu nascido na actual Bielo-Rússia, que foi um dos criadores de figurinos mais imaginativos desta companhia de dança, além de ter tido também o mérito de ser o mestre de Marc Chagall. Julgo que os ratinhos atrairiam a simpatia de León Baskt.


Por último, abri a fotografia de mais um prato e descubro um conjunto de linhas em ziguezague, onde já não se procura representar nada e se chegou à abstracção total, ao modernismo levado às últimas consequências e no entanto, ao mesmo tempo, as linhas sugerem-nos um padrão artesanal, tecido pelas mãos imemoriais de uma qualquer Fátima do mundo islâmico.


Profunda conhecedora da faiança ratinho, a nossa seguidora que me perdoe pelo texto de hoje, onde escrevi ao sabor do acaso, associando livremente imagens, sem qualquer fundamento científico.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Outra vez os humildes ratinhos


A segunda seguidora misteriosa enviou-me por e-mail mais peças de faiança Ratinho da sua colecção, pedindo-me que as partilhasse convosco. É curioso, mas a medida que vou conhecendo mais estas peças e há uns dias visitei a casa de um casal de coleccionadores de ratinhos, sinto que penetro num mundo diferente do nosso, um mundo rural, há muito desaparecido, mas que nos finais do século XVIII e durante o século XIX, conservava ainda quase intacta uma herança decorativa antiquíssima, de tradição islâmica no entender de Joaquim de Vasconcelos. Ao visitar a colecção de ratinhos desse casal de coleccionadores apercebi-me que esse mundo produziu uma extraordinária variedade de motivos decorativos, mas ao mesmo tempo com uma unidade muito grande entre si, que não pode ser confundida com mais nenhuma loiça, a não ser talvez com os alguns briosos.



Parece que a segunda seguidora adivinhou estes pensamentos e mostrou mais algumas variedades de ratinhos. Um jarrinho e uma bacia de barba, decorada com o que eu julgo ser a flor do cardo. É uma peça muito profunda, o que a torna quase tão espectacular vista de trás, como pela frente.
O tardoz da bacia de barba

Por último, a nossa segunda seguidora, enviou-nos imagens de umas peças raras, uns covilhetes, que medem entre 8 e 13cm.

Os covilhetes

A nossa amiga apurou na obra Ratinhos Faiança Popular de Coimbra que a função destas peças seria meramente decorativa ou então serviriam para brinquedos, mas, não ficou muito convencida disso, dado que esta loiça barata era comprada por gente humilde. No Museu de Santa Clara a Velha, a nossa seguidora encontrou umas tacinhas com uma decoração semelhante e apresentando a inscrição DOCE, o que a fez pensar que poderiam ser usadas para servir um doce típico de Coimbra o manjar branco, ainda hoje servido em tacinhas de barro. Ainda segundo a nossa amiga, estes covilhetes poderiam ser usados para guardar fermento de pão.




Seria necessário, que uma obra sistemática sobre faiança ratinho saísse do prelo para nos ajudar a todos a satisfazer estas dúvidas e a entender melhor este fenómeno artístico dos humildes ratinhos.

domingo, 8 de maio de 2011

Ratinhos na Feira de Estremoz


Ao contrário da Feira-da-ladra, os ratinhos abundam na Feira de velharias de Estremoz, o que é natural, pois era no Alentejo que os beirões apelidados ratinhos trocavam as suas faianças por roupas e outros produtos. Tenho visto peças desta faiança lindíssimas, mas estamos em tempos de contenção e tenho saído da feira alentejana de mãos a abanar (é mentira, comprei umas pecinhas de cantão popular, mas ficava bem escrever aqui, que não comprei nada).

Um detalhe do ratinho. Uma pintura rápida que tanto parece ser contemporânea como de um passado longínquo qualquer
No passado Sábado, vi este prato a chamar por mim por um preço tentador. Negociei com o casal de ciganos. Ela quis abater-me dez euros, ele não. Houve ali um desentendimento conjugal, durante quase um minuto, que ainda me inquietou e só se resolveu quando o marido percebeu, que eu me ia embora se não houvesse o abatimento. Acabei com o prato dentro da mochila, por uma quantia muito aceitável. As antiguidades e velharias estão decididamente a baixar de preço



O meu Ratinho não é tão espectacular como as peças da nossa seguidora misteriosa. Mas apresenta tal como a bacia degolada daquela nossa amiga uma espiral no centro, motivo decorativo antiquíssimo, usado pelos homens desde sempre e que me fascina. É comum nos monumentos megalíticos, na arte antiga chinesa é um símbolo do sol e em termos filosóficos representa a dialéctica. Aparece na natureza, por exemplo nos caracóis e em algumas conchas.

É daqueles motivos decorativos, que mesmo sem sabermos nada de história, iconografia ou simbologia, somos capazes de o transcrever do nosso cérebro, passando-o ao papel ou pintando-o numa cerâmica.

A espiral é um motivo decorativo comum nos ratinhos, conforme se pode ver nos pratos já aqui apresentados, pertencentes ao Manel e à primeira seguidora misteriosa. Opinião que é confirmada pelo que escreveu João Pedro Monteiro no catálogo António Capucho homem através da colecção, p. 163

Pela minha parte, estou encantado porque a partir de hoje tenho um prato na minha cozinha, com essa decoração velha como o mundo.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Faianças Ratinho cheias de poesia

Esta semana, a nossa primeira seguidora misteriosa (onde andará a segunda?), resolveu presentear-nos com um paliativo para a crise, composto com uma série de pratos ratinhos invulgares.

Como sabem as formas dos Ratinhos são pouco diversificadas. A maioria das faianças manufacturadas por estes artificies coimbrões são grandes pratos e as palanganas. Peças como o púcaro para servir vinho, que já apresentámos anteriormente, ou uma bacia de barba como esta que a nossa seguidora nos mostra hoje são muito mais raras e por isso tem um interesse acrescido.

Tardoz da bacia de barba

Mas a seguidora misteriosa não ficou por aqui em nos surpreender com boas peças. Enviou-me também por e-mail a fotografia de outro prato, que escapa à tradicional divisão por temas dos ratinhos em zoomórficos, vegetalistas e geométricos e humanos, pois é uma paisagem de arquitectura.


Este motivo decorativo que ficou conhecido por País, é muito vulgar nas outras faianças portuguesas, mas  nunca o tinha viso num prato com as características de Ratinho.


Last but not least, a nossa seguidora enviou-nos um terceiro Ratinho, que me parece dos mais antigos, talvez seja mesmo dos finais do Século XVIII, muito embora as obras de carácter ingénuo nos pareçam ser mais antigas do que aquilo que realmente são, como Ernesto de Sousa escrevia.


Este prato com um passarinho no centro é muitíssimo semelhante a um azulejo de figura avulsa, tal como outro prato, que a segunda seguidora misteriosa apresentou anteriormente.


Nestes tempos em que tudo o que nos rodeia é desagradável, talvez o passarinho represente as coisas melhores de Portugal, a sua cultura e a sua arte, que produziram coisas tão geniais como uma azulejaria verdadeiramente única.

Painel de azulejos com figura avulsa no centro

quarta-feira, 16 de março de 2011

Peixes

A nossa segunda seguidora misteriosa enviou-me por e-mail mais um conjunto de faiança coimbrã, datada entre o século XVIII e XIX, dedicada a um único tema, os peixes. Por coincidência, ou por qualquer entendimento telepático entre amantes das belas artes, a nossa primeira seguidora misteriosa enviou-me pouco tempo depois outro prato subordinado ao mesmo tema, que remata em beleza esta pequena exposição de faiança de Coimbra dedicada aos peixes.

Os peixes são vulgares em toda a arte do Mediterrâneo. Creta, Grécia e Roma usaram-nos. O Cristianismo tornou-os um símbolo da sua fé. Em Portugal, o Peixe, ou melhor a pesca foi uma fonte de riqueza inesgotável desde o período romano. As costas portuguesas, desde Lisboa ao Algarve, estão cheias de vestígios de cetárias, os tanques onde os romanos produziam o garum, a célebre pasta de peixe, que era destas paragens exportado para todo o império. E por toda a nossa história a pesca permaneceu uma actividade essencial na vida portuguesa. Só agora com a União Europeia, abatemos quase por completo a nossa frota pesqueira. Portanto, é natural que este tema apareça com pujança na loiça portuguesa. Aliás é curioso, que a Maria Andrade há uns tempos apresentou uma travessa inglesa do Século XIX, com cavidades para o molho escorrer, que os britânicos usavam para servir a carne assada. Mais ou mesmo no mesmo período, Miragaia fabricou travessas com formas em tudo semelhantes às travessas inglesas, mas chamadas peixeiras, porque de facto em Portugal comer-se-ia muito mais peixe do que em Inglaterra.

Segundo as próprias palavras da segunda proprietária misteriosa, o primeiro prato apresenta uma borda que me encanta, julgo que como é hábito algum artista coimbrão resolveu fazer uma interpretação pessoal do motivo rendas do século XVII/XVIII. É sem dúvida uma peça de início de XVIII, de carácter sacro em que julgo ter-se tentado explorar também o motivo peixe na sua acepção religiosa!


De facto, o motivo é indubitavelmente de significado religioso. No topo está o Sagrado Coração de Jesus, uma devoção católica iniciada por Santa Margarida Maria Alacoque. Entre 1673 e 1675, Cristo terá aparecido a esta santa e terá prometido a todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, a graça na penitência final e o Seu Divino Coração como refúgio na hora da morte.

À volta do coração de Jesus, aparecem os peixes, um símbolo cristão. O peixe, como toda a gente que já viu os filmes Quo Vadis, A Túnica ou Ben-Hur sabe, era um símbolo secreto para os primeiros cristãos se identificarem entre si. A palavra grega para peixe, transcrita em latim, Ichthus, tem cinco letras, que dispostas verticalmente, são as primeiras palavras das frases Jesus Cristo Filho de Deus Salvador, conforme se pode ver no esquema que retirei da wikipedia francesa :

I (I, Iota): ΙΗΣΟΥΣ (Iêsoûs) Jesus;

Χ (KH, Khi): ΧΡΙΣΤΟΣ (Khristòs) Cristo;

Θ (TH, Thêta): ΘΕΟΥ (Theoû) Deus;

Υ (U, Upsilon): ΥΙΟΣ (Huiòs) Filho;

Σ (S, Sigma): ΣΩΤΗΡ (Sôtếr) Salvador.


Depois, na continuação directa deste prato, e avançando um século na produção coimbrã, a nossa segunda misteriosa, apresentou-nos um ratinho, com um motivo que eu nunca tinha visto nesta loiça, um peixe, talvez uma garoupa, segundo a Maria Andrade, envolto naquilo que me parecem ser as flores do linho.

Deste prato, passamos para outro exemplar ratinho, também com um motivo central do peixe, um ruivo (segundo a Maria Andrade), mas desta vez propriedade da nossa primeira seguidora.


Finalmente, a segunda seguidora, mostra outro ratinho com um sorridente peixe no meio, que a nossa Maria Andrade identificou como um Atum, mas sem certeza


Segundo a classificação apresentada para esta faiança Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX / de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007, estes pratos pertencem ao tipo zoomórfico e pelos vistos a um subtipo muito específico, os peixes

O mais curioso disto tudo é que estes peixes representados nos ratinhos, parecem representações naturalistas de espécies existentes. Infelizmente, não percebo nada de ictiologia e não os consigo identificar, mas os meus leitores e seguidores deram-me já uma ajuda e continuo aberto a mais opiniões.


Por mim, vou ficar a contemplar estes maravilhosos peixes, que parecem ter saltado de algum fresco cretense para a louça ratinha de Coimbra e despeço-me com mais um prato da nosa primeira seguidora com mais um ratinho representando...um pescador.