quinta-feira, 14 de agosto de 2025

À procura das origens nas terras frias de Bragança: a prima Berta



Na genealogia que tracei da família do meu avô materno António da Purificação Ferreira, ficaram uns buracos negros por preencher, isto é, pessoas que eu ainda conheci, que sabia que eram deste ramo familiar, como a prima Berta, ou de que apenas ouvi falar, como a tia Natividade, mas que não fazia a menor ideia em que lugar se encaixavam na árvore genealógica.

Da prima Berta, lembrava-me que tinha sido enfermeira num hospital em Águeda, nunca casou e quando se reformou foi viver para a casa de Souto Covo, em Vinhais. Os meus primos, os meus irmãos e eu gostávamos dela. Todos os finais de tarde, a prima Berta pegava naquelas crianças ou pré-adolescentes e levava-nos a passearmos até ao Santo António. Era um caminho aprazível, arborizado com negrilhos, castanheiros ou carvalhos. A meio da estrada havia uma fonte dedicada ao Santo António com uma água muito fresca e saborosa. Nós, os Lisboetas, que estávamos habituados à água da torneira de Lisboa, muito calcária, com sabor a desinfectante, beber daquela fonte era um prazer, que nunca se esquece. Depois, chegados ao Santo António a vista sobre aquelas serras transmontanas, onde não se vê uma aldeia sequer era um deslumbramento. Creio que a Tia Berta, como nós lhe chamávamos foi de certo modo responsável pelo gosto que desenvolvi por aquela paisagem de montanhas, onde se sente a solidão e o isolamento, como em mais nenhuma parte do País.

O passeio até ao Santo António. A tia Berta é a segunda a contar da esquerda. Fotografia de meados dos anos 30. A senhora mais velha é a minha avó Adelaide, as minhas tias e tios, a minha mãe ao lado da menina com a boneca, que é a Teresa Lima Barreto 


Mas o hábito de passear da vila até ao Santo António já devia ser antigo na família, há uma fotografia de tirada em meados dos anos 30 com a tia Berta e família, nessa estrada, certamente por ocasião de uns desses passeios, e que terá até metido um piquenique.

No dia do passeio ao Santo António terá havido uma merenda



Em todo o caso, nem sabia tão pouco se Berta era o seu verdadeiro nome ou um diminutivo de Alberta, Adalberta, Felisberta ou de outos desses nomes que estiveram tão moda no início do século XX. Contactei com a minha prima Anabela, que herdou do avô uma boa memória para os acontecimentos familiares do passado ou talvez antes o prazer de escutar as histórias dos mais velhos. Anabela conhecia o nome daquela prima, Berta Benedita e adiantou-me que estava sepultada no cemitério de Vinhais, no quinhão da família e pôs-me na pista certa, pois lembrei-me que há uns anos tinha fotografado da sua sepultura, certamente com a ideia que um dia aqueles dados me seriam úteis. Lá vasculhei os meus arquivos digitais e encontrei a fotografia da lápide, Berta Benedita, 4.2.1899 /15-1-1987. 


Lápide da Tia Berta no Cemitério de Vinhais


Contudo o lapícida engatou a data de falecimento e alguém mandou corrigir a inscrição, pintando por cima 1977. A partir daqui parti para a consulta dos arquivos paroquiais, primeiro Terroso, Espinhosela de onde uma parte da família Ferreira era oriunda, mas como não encontrei nada fui até Bragança, a cidade onde a maioria destes meus antepassados nasceu, casou ou morreu e com efeito a Berta Benedita nasceu na paróquia de Santa Maria no dia 5 de Fevereiro de 1899, em vez de ser no dia 4 como está indicado na sepultura. A Berta era filha natural de Constância Ferreira, natural de Fontes de Transbaceiro e neta de Manuel António Ferreira e Doroteia de Jesus Pires e filha de pai incógnito. A sua mãe Constância era uma das irmãs do meu avô e portanto a Berta era sobrinha do António da Purificação e prima direita da minha mãe dos seus irmãos. A menina teve por padrinhos, a sua tia Cândida Augusta e António dos Santos da Cruz Rocha, estudante. Talvez este último fosse o pai biológico, mas enfim, é uma mera especulação.


O assento de baptismo de Berta Benedita. Era filha de pai incógnito


Fui então procurar registo de nascimento da Constância, irmã do meu avô, em Fontes de Transbaceiro, mas achei logo a coisa estranha, porque só o primeiro filho dos meus bisavôs, a Cândida Augusta, tinha nascido naquela aldeia em 3-1-1884. Os restantes filhos de Manuel António Ferreira e Doroteia de Jesus Pires (casados em 25-11-1853) nasceram em já Bragança, respectivamente em 20.10.1886 e 9-1-1889. Esta Constância não se encaixava aqui.


Pensei então que a minha bisavó, a Doroteia de Jesus Pires, tinha tido um anterior casamento, realizado em Fontes de Transabaceiro, a 6 de Maio de 1869, com Manuel de Morais e fui procurar a descendência deste casal e com efeito, no dia 24 de abril de 1876, tiveram uma menina, a Constância de Jesus. Portanto a Berta era filha da Constância de Jesus, uma meia-irmã do meu avô. Seguindo o mesmo raciocínio, lembrei-me que a célebre tia Natividade, de que minha mãe e tias contavam episódios cómicos, cujo assento de nascimento eu não encontrava, fosse igualmente filha da Doroteia de Jesus e Manuel de Morais- E com efeito, confirmei que, a Natividade da Assunção nasceu em 27 de Fevereiro de 1870, em Fontes de Transabaceiro, filha de Manuel de Morais e da referida Doroteia. Portanto era meia imã do meu avô.


Os descendentes e ascendentes de Doroteia de Jesus Pires


Quanto à prima Berta Benedita é um mistério como é que uma menina filha de pai incógnito e de uma mãe, que era jornaleira, o que na linguagem nestes registos paroquiais designa uma mulher humilde, que trabalha à jorna, se tornou enfermeira. Nesta época o mais natural é que a menina nem fosse mandada à escola e ficasse a trabalhar nos campos. Mas alguém providenciou que a pequena Berta tivesse uma educação para lá do conhecimento das primeiras letras. Talvez o pai biológico, a madrinha, a minha tia-avó, a Cândida Augusta ou outro parente qualquer tivessem providenciado os seus estudos e até uma formação. Enfim, só posso especular sobre o assunto.



A tia Berta em 1932. Estaria a trabalhar no hospital de Águeda desde 1923 


Na época em que a Berta Benedita era jovem, a guerra de 1914-1918, aumentou exponencialmente a necessidade de enfermeiras qualificadas e nos anos 20 havia pelo menos três cursos de enfermagem em Portugal, um Lisboa, no Hospital de são José, outro em Coimbra e outro junto do Hospital de Santo António, no Porto. Talvez a Berta Benedita tenha frequentado algum deles





O que é certo é na família, temos fotografias da Tia Berta nos anos vinte e trinta em pleno serviço no Hospital, com o uniforme e um ar muito profissional. A minha irmã lembrava-se até do nome da instituição, Hospital Asylo Conde De Sucena, onde teria trabalhado com o Dr. António Ponto Breda e a prima Anabela acrescentou as estas memórias, mais um facto interessante, que a Berta Benedita foi também parteira e ajudou a nascer o poeta Manuel Alegre, em 12 de Maio de 1936.

Depois deste trabalho, pelo menos consegui reviver de alguma forma a vida da Prima Berta e descobrir quem era a Tia Natividade. Claro meia dúzia de parágrafos não explicam quem foram estes seres humanos, mas a maioria de nós pouco ou nada deixa para a posterioridade


O avô paterno de Doroteia de Jesus, Manuel Pires era natural de Gimonde e e acrescentei essa aldeia ao mapa das origens dos Ferreira


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