Desde há cerca de um ano que me dedico a estudar os dois álbuns fotográficos da família, contendo retratos tirados mais ou menos entre 1860 e 1902. Tenho também procurado consultar bibliografia sobre retrato fotográfico em Portugal no século XIX e um dos textos mais interessantes sobre o tema foi o de Francisco Queiroz (*1), que escreveu sobre os álbuns fotográficos de família em particular, chamando a atenção para a importância de os relacionar com outros álbuns de família da mesma região geográfica. Mais ou menos entre 1860 e 1900, as pessoas mais afortunadas tiravam o seu retrato fotográfico em formato carte-de-visite, guardavam um exemplar para si ofereciam os restantes sete exemplares pelos seus parentes ou gente do seu círculo social. Em teoria, os retratos do álbum de uma determinada família encontrar-se-ão também nos álbuns de outras famílias aparentadas entre si, do mesmo meio social e região geográfica.
Por essa razão, tenho vasculhado os arquivos com colecções fotográficas on-line à procura de retratos fotográficos do XIX e nas feiras de velharias sempre que vejo álbuns carte-de-visite, ou mesmo fotografias do século XIX, lanço-me sobre eles na esperança de encontrar um retrato igual aos que tenho por identificar, só que com uma legenda ou uma dedicatória, que me permitam reconhecer aqueles senhores de bigode retorcido ou uma daquelas damas vestidas com metros e metros de seda. No entanto, não tenho tido muita sorte, pois normalmente frequento à Feira de Estremoz e os álbuns e fotografias que encontro à venda pertenceram a famílias do Sul, de Lisboa ou mesmo do estrangeiro. O que eu realmente precisava era de comparar os dois álbuns de fotografias que tenho, com o de outras famílias transmontanas de Chaves, Valpaços, Montalegre, Vinhais ou Vila Real.
A fotografia do álbum do meu bisavô. |
Há pouco tempo, encontrei à venda um desses álbuns, datado mais ou menos da mesma época, daquele que foi formado pelo meu bisavô e a semelhança deste, estava cheio de retratos de condiscípulos da Universidade de Coimbra do proprietário original. Folheei o dito livro e imediatamente encontrei um finalista do curso de Direito de Coimbra, que constava também do álbum do meu bisavô, um jovem de bigode, com um certo ar de malandrete. Ainda tentei comprar o álbum inteiro, pois talvez houvesse mais retratos iguais, mas a senhora só vendia as fotografias à peça, pois assim fazia mais dinheiro.
A fotografia que comprei na feira de velharias de Estremoz |
Esta fotografia que comprei é de maiores dimensões, do que aquela que eu tenho. É o chamado formato cabinet, ou carte cabinet (*2) , como dimensões médias de 10,8×16,5cm, portanto, maior que o carte-de visite. Os dois retratos foram executados pelo mesmo estúdio, o J. Gonçalves, também designado por Centro Fotográfico Académico, com sede na Avenida Navarro de Pais (estrada da Beira), Coimbra e que tinha também um atelier na Figueira da Foz, a Photographia Europa.
A assinatura ilegível |
Apesar de ambas as fotografias estarem dedicadas, não conseguia ler a assinatura. O primeiro nome parecia-me Arthur, mas o apelido era indecifrável. Este jovem que foi condiscípulo do meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, esceveu seguir ao nome, Mousão, ou Monsão.
José Maria Ferreira Montalvão, meu bisavô, no momento da sua formatura. em 1902. Foto de Pinho Henriques, Coimbra |
Pensei ainda que fosse um título nobiliárquico, pois na altura era hábito colocar a seguir ao nome próprio o título de nobreza entre parêntesis (mesmo hoje em dia ainda há quem faça isso). Pesquisei na net por viscondes de Monção, mas os nomes desses fidalgos não tinham nada a ver com o deste jovem com ar de quem partiu muitos corações em Coimbra. Pesquisei então, no arquivo da Universidade de Coimbra, pelas expressão Artur Direito 1902 ( o ano em que o meu bisavô terminou o Curso de Direito), mas os resultados foram nulos. Enquanto fazia estas buscas chegou uma colega, a Conceição Borges de Sousa, que me sugeriu para pesquisar na base daquele arquivo, pelo nome do Senhor a quem o jovem em causa, dedicou a fotografia, um tal Aurélio de Vasconcellos e recuei a data para 1900 e consegui descortinar então, que o proprietário do álbum à venda na Feira de Estremoz foi Aurélio de Almeida Santos e Vasconcelos, que cursou Direito entre 1895 e 1900 (*3). Lembrei-me então, que o Arthur poderia ter concluído o curso também em 1900, um pouco mais cedo que o meu bisavô e procurei na base de dados do arquivo daquela Universidade por Artur Direito 1900 e imediatamente percebei, que o galante jovem de bigodes só poderia ser Artur Anselmo Ribeiro de Castro, nascido em Macedo, Monção e que estudou direito em Coimbra entre 1898 e 1900 (*4). A assinatura que eu não conseguia ler, era afinal a de Arthur Anselmo.
Verso da fotografia, com a dedicatória de Artur Anselmo ao meu bisavô |
Este Artur Anselmo, que andou pela Universidade de Direito em Coimbra 1898 e 1900, a julgar pelos registos oficiais, era das relações do meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, a quem dedicou o seu retrato, mas muito mais próximo de Aurélio de Vasconcelos, pois a este, escreveu no verso da fotografia, que lhe ofereceu, um extenso e sentido texto. Aliás é natural, que isso tivesse acontecido. O Artur Anselmo era um partidário da República, que dirigiu um jornal republicano em Coimbra, a Voz do porvir, em 1897 (*5) e Aurélio de Vasconcelos comungava também do mesmo ideal político, apesar de ser um fidalgo, morgado de Sortelha. Portanto, os dois eram republicanos, ao contrário do meu bisavô, que era monárquico, embora nunca tenha sido um activista político, como o seu pai, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio.
Artur Anselmo dedicou um extenso e sentido texto a Aurélio de Vasconcelos |
O senhor que formou o álbum do qual eu comprei a fotografia, Aurélio de Almeida Santos e Vasconcelos era natural de Meda e foi morgado de Sortelha(*6). Os senhores, que tinham à venda este álbum, fazem várias feiras de velharias do País, mas são também da Beira, mais precisamente do Fundão e é natural, que tenham comprado o recheio da casa de algum dos seus descendentes de Aurélio de Almeida Santos e Vasconcelos, de onde constaria este álbum.
Relativamente ao excelente texto de Francisco Queiroz, intitulado História da Fotografia em Portugal, no século XIX: os retratos "carte de visite”, que sublinha a importância de relacionar os álbuns carte-de-visite de várias famílias da mesma região, eu acrescentaria que seria do maior proveito para a memória do País e da Universidade de Coimbra, relacionar todos os álbuns com fotografias de estudantes de Coimbra, de modo a formar um extenso repositório de imagens de alunos da Universidade de Coimbra, no último quartel do século XIX. Toda elite portuguesa da época passou por lá.
As duas fotografias: a primeira formato carte-de-visite, do álbum do meu bisavô; a segunda formato cabinet, ou carte cabinet, comprada na feira de Estremoz |
(*1) História da Fotografia em Portugal, no século XIX: os retratos "carte de visite” / Francisco Queiroz http://www.queirozportela.com/fotografia.htm
(*2) https://fr.wikipedia.org/wiki/Format_cabinet
(*3) https://pesquisa.auc.uc.pt/details?id=209256&ht=aur%c3%a9lio%7Cvasconcelos%7Cdireito%7C1900
(*4). https://pesquisa.auc.uc.pt/details?id=290604&ht=artur%7Cdireito%7C1900
(*5) https://digitalis.uc.pt/pt-pt/fundo_antigo/voz_do_porvir_hebdomadario_republicano_red_arthur_anselmo_ribeiro_de_castro_et_al
(*6). https://capeiaarraiana.pt/2014/09/21/78688/