sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Resgatando fotografias do anonimato

 
Este retrato carte-de-visite não tem identificação do fotografo, do retratado, nem tão pouco uma dedicatória

Desde que uma prima minha me ofereceu dois álbuns fotográficos de família, constituídos mais ou menos entre 1865-1900, a identificação daquela galeria de personagens tornou-se mais ou menos uma obsessão permanente. Faço pesquisas em arquivos que possuem colecções de fotografia digitalizadas, consulto estudos genealógicos, escrevo e-mails a familiares ou descendentes dos retratados e publico notícias em fóruns e ainda dou voltas a cabeça, pensando que outros meios poderei encontrar para identificar aquelas personagens retratadas há quase 150 anos e das quais não há uma legenda, uma dedicatória, uma pista sequer, que me esclareça sobre quem foram e o que fizeram.
 
Este segundo retrato carte-de-visite também não apresenta qualquer identificação, mas trata-se da mesma pessoa que anterior fotografia
 

Muitos desses retratos fotográficos teimam em guardar os seus segredos, outros, aos poucos, vão se revelando e começam a ter um nome. Foi o que aconteceu com duas fotografias de um cavalheiro distinto, tiradas talvez em meados dos anos 60 do século XIX ou eventualmente já na década de 70 desse mesmo século. Os dois retratos não têm qualquer identificação da pessoa, do estúdio fotográfico, nem tão pouco uma dedicatória. No entanto, desde logo pareceu-me certo que os retratos eram da mesma pessoa e que se tratava de um Montalvão, pois o senhor apresentava o mesmo tipo fisionómico da minha trisavô, a Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902), e do seu irmão o General António Vicente Ferreira Montalvão (1840-1919). Enviei cópias destas duas fotografias, bem como a de um senhor em uniforme militar, à minha prima, Fernanda Montalvão Hof, bisneta do general e imediatamente reconheceu como seu bisavô o jovem militar, mas quanto ao personagem dos outros dois retratos, achou que seria certamente um Montalvão, mas não o identificou.
 

Os dois irmãos Montalvão, a Maria do Espírito Santo e o António Vicente. Os dois apresentam os mesmo traços de família, os olhos claros, o mesmo formato de orelhas.

Depois desta resposta, comecei a pensar que este senhor poderia ser o outro irmão da Maria do Espírito Santo e do António Vicente, o meu tio trisavô, Miguel Ferreira Montalvão (1838-1890), que morreu louco, rodeado de livros, um personagem acerca do qual sei tão pouco e tenho tanta curiosidade. Creio que todos nós temos sempre mais interesse pelos indivíduos, que saíram da normalidade social e este meu antepassado foi um desses casos. Começou a sua carreira muito bem, fez o curso de Direito em Coimbra, onde assistiu a umas das grandes revoltas estudantis, daquela universidade, a Rolinada (1864), regressou a Chaves, onde exerceu advocacia, foi administrador do Concelho, Juiz de Direito Substituto e em 1890, morre louco, rodeado de livros, sem querer ver ninguém. Era um homem culto e terá sido através dele, que o meu trisavô, Padre José Rodrigues Liberal Sampaio foi introduzido no Solar de Outeiro Seco, pois os dois partilhavam o gosto pelos livros e pela leitura. Claro, uma coisa leva à outra e o Padre acabou por se envolver com a irmã, relação da qual nasceu um filho, o meu bisavô, de que quem eu descendo. Isto é, se fizermos fé na obra 5 contos …em moeda corrente. . / Montalvão Machado - Porto: Livraria Progredior, 1961, que narra de uma forma muito romanesca os amores do padre e da fidalga.
 
Os símbolos militares
 
 
António Vicente Ferreira Montalvão

Porém, como a história nem sempre é aquilo, que nós desejávamos que ela fosse, resolvi pedir mais opiniões sobre os retratos deste cavalheiro ao meu amigo Humberto Ferreira, que além de ser sempre prestável, é um homem observador, um coleccionador de tudo o que diga respeito à fotografia e muito conhecedor dos assuntos de Outeiro Seco, Concelho de Chaves, onde viveram estes personagens que mencionei. O Humberto viu as fotografias e foi de opinião que no segundo retrato, o distinto cavalheiro envergava um traje militar, chamando-me a atenção para os botões do traje e para as mangas, idênticos ao do retrato de António Vicente Ferreira Montalvão, na altura um jovem alferes-aluno.
 
O símbolo da artilharia, a bombarda.
Resolvi então enviar cópia das imagens ao meu irmão, oficial reformado, que foi da mesma opinião do Humberto e ainda foi mais longe, identificando nos botões, o símbolo da artilharia, a bombarda. Portanto, estes dois retratos são efectivamente do António Vicente Ferreira Montalvão, cuja área militar, era precisamente a artilharia.


Fiquei satisfeito por ter resgatado mais duas fotografias do silêncio e do anonimato.

António Vicente Ferreira Montalvão (1840-1919)

2 comentários:

  1. Eu ainda tive a esperança de que as fotografias fossem do tal irmão, Miguel, mas afinal parece que ainda não.
    Também eu, apesar de não ser da família, nutro igualmente uma grande curiosidade por este personagem, pelas mesmas razões que tu.
    Tanto mais que visitei igualmente a casa que, segundo o que me informaste, ele terá vivido os últimos anos de vida, e achei-a uma graça.
    Bem, teremos de esperar mais, e, talvez um destes dias aparecerá.
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Manel

      Nos dois álbuns ainda há uns quantos personagens masculinos por identificar. Alguns desses retratos são da década de 60 e 70 do século XIX. Talvez um deles seja o Miguel.

      Este trabalho de identificação é moroso e exige muita paciência. Também me faltam outros álbuns de fotografia da mesma época e de famílias da mesma região, que me auxiliassem neste processo de identificação das fotografias. Se eu os pudesse consultar, conseguiria identificar muito mais fotografias. Certamente, os meus antepassados ofereceram às pessoas das suas relações sociais o seu retrato carte-de-visite e que constam de outros álbuns, formados no mesmo período cronológico dos meus.

      Uma das razões porque eu vou publicando estas fotografias, é porque tenho esperança, que alguém do outro lado do monitor, me diga, atenção, que eu tenho estes retratos no espólio da família.

      Um abraço

      Eliminar