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segunda-feira, 16 de julho de 2018

Um velho castanheiro, testemunha de amores do século XIX

A minha bisavó materna Maria da Graça esteve recolhida num convento desde que era menina até aos 29 anos. Já conhecia alguns pormenores da sua vida e até já tinha escrito sobre esta antepassada aqui no blog, mas este Verão resolvi juntar a família e visitar essa casa conventual, localizada numa aldeia perdida do concelho de Vinhais, a Mofreita.

Logo no cruzamento que dá acesso aquela aldeia, da estrada de que vem de Fresulfe, encontrámos um castanheiro várias vezes centenário, daqueles muitos que se encontram por todo o concelho de Vinhais e pensei, que certamente aquela árvore terá assistido à passagem da pequena Maria da Graça e do seu pai, em 1861, quando este a foi entregar ao Recolhimento das Oblatas, apenas com sete anos de idade.
 
A Maria da Graça era filha ilegítima de uma tal Balbina Felicíssimo e de Francisco Germano Pires e quando a mãe morreu, o pai resolveu interna-la no Recolhimento das Oblatas do Menino Jesus, instituição especializada em receber crianças pobres e órfãs. Pouco se sabe deste meu trisavô materno, mas o que a tradição familiar conservou da sua existência não é muito simpático. Seria um homem avarento, que emprestava dinheiro a juros e terá feito um casamento por interesse, com uma mulher mais velha e abastada, a Hilária, de tal forma, que na vila de Vinhais se tornou conhecido pela alcunha depreciativa do Hilário. A Maria de Graça viverá no recolhimento da Mofreita cerca de 22 anos e há uma fotografia dela e das suas condiscípulas no pátio daquela casa religiosa, que aos nossos olhos contemporâneos nos impressiona muito, já que algumas das recolhidas são meninas muito pequeninas e todo aquele ambiente que as rodeia nos parece muito pobre.
 
O recolhimento da Mofreita no século XIX
No entanto, no tempo que aqui passou Maria da Graça aprendeu a ler, a escrever e certamente algum francês, pelo menos o suficiente para ler um livro de bordados, Les jours sur toile, que ainda se conserva na casa familiar de Vinhais e que tem a sua assinatura. Para os padrões da época, em que quase 80 por cento da população portuguesa era analfabeta, a instrução que aqui recebeu foi bastante boa.
Les jours sur toile. Mulhouse: H. de Dillmont éditeur, [s.d.]. A minha bisavó terá aprendido no recolhimento algum francês, pelo menos o suficiente para ler um livro de bordados. Repare-se na sua assinatura

Segundo uma história já muito esbatida pelo tempo, mas que ainda corre na família, a Maria da Graça terá conhecido o futuro marido, Clemente da Ressureição, ainda aqui na Mofreita. Ao que consta, o meu bisavó Clemente teria um parente a viver nesta aldeia transmontana, numa casa que ainda hoje existe, um pouco mais acima do convento e numa das visitas que fez a esse familiar, do qual só se conhece o primeiro nome, Amândio, travou conhecimento com Maria da Graça, mas não sabemos em que circunstâncias. Talvez o primo Amândio tivesse no recolhimento alguma familiar e quando a visitou na companhia do Clemente, este último conheceu a Maria da Graça. Normalmente, as casas conventuais femininas tinham uma sala destinada a receber visitas, o parlatório, dividida por uma grade, onde de um lado ficam as noviças ou recolhidas e do outro, as visitas.
 
Imagem recolhida na net da Igreja do Recolhimento das Oblatas, na  Mofreita, onde se vê o local onde as recolhidas assistiam à missa.
Há cerca de uns trinta e tal anos, atrás o edifício do recolhimento não estava tão arruinado e entrei na Igreja do Convento e lembro-me de ver a grade que separava as recolhidas do resto das pessoas. Quem sabe se a Maria da Graça não passaria toda a Santa Missa olhando para o Clemente, que tinha uns belos olhos azuis. Enfim, só podemos fazer suposições, mas pelo menos é certo, que o Clemente da Ressureição nas suas idas e vindas à Mofreita teria passado pelo mesmo castanheiro centenário.
A casa do Amândio ainda hoje existe na Mofreita. Sabe-se que era parente do meu bisavô e e que chegou a Tenente
 
A Maria da Graça saiu do Convento por sua vontade com 29 anos e no caminho para Vinhais, onde foi novamente viver com pai, passou obrigatoriamente pelo mesmo castanheiro, que já era nesse tempo centenário. Viveu um ano e tal na companhia do pai, até que a 6 Junho de 1889, casou com o meu bisavô Clemente, tinha ele 31 anos e ela trinta, e com essas idades presumimos, que tenha sido um casamento feito por amor, além de que, segundo um pequeno caderno de memórias, que o meu bisavô deixou, foi uma união feita contra a vontade dos pais. Nos primeiros anos o casal terá vivido mesmo com dificuldades, já que nem os pais de um, nem de outro os ajudavam.
Maria da Graça já idosa. Reconheço nela o mesmos olhos e o mesmo queixo que eu tenho. 
Enfim, os tempos passaram e os pais lá aceitaram este casamento desigual e a Graça e o Clemente tiveram filhos, que por sua vez também tiveram outros filhos e de uma das netas do casal descendo eu. Também os meus filhos e eu passámos este Verão por debaixo do mesmo Castanheiro, que testemunhou a passagem dos meus bisavôs a caminho dos seus destinos.
 
O meu filho Henrique, trisneto da Maria da Graça e do Clemente, fotografando a árvore que viu passar os seus antepassados 
 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Castanheiros de Vinhais: um paraíso intocado


Há uns anos prometi a mim mesmo fazer um álbum com fotografias dos castanheiros de Vinhais, terra da minha família materna e de facto todos os anos, nas férias, tento capturar com a minha câmara a beleza de algumas árvores centenárias, que vejo ao passar na estrada. Claro, não é nada de sistemático. Não faço nenhum levantamento, nem consulto nenhum estudo e nem sei se já alguém se deu ao trabalho de fazer um inventário dos castanheiros com duzentos, trezentos, quatrocentos ou quinhentos anos desta terra fria de Vinhais. Recentemente li num jornal que há uma bióloga, Raquel Lopes, que se propõe fazer um inventário das árvores centenárias em Portugal. Pois bem, a senhora que visite Vinhais e percorra as estradas do Concelho e a única dificuldade que encontrará é escolher o que fotografar.



O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas tem um inventário nacional do Arvoredo de Interesse Público, mas para o Concelho de Vinhais só encontrei 4 ocorrências, uma nogueira, em Quintela, que já aqui mostrei imagem e três castanheiros, em Paçô, Lagarelhos (também já aqui mostrado) e Vilarinho de Lomba. Mas, existem muito mais árvores centenárias que estas aqui classificadas. Eu que não vivo em Vinhais e só lá vou no Verão já vi mais que uma centena de castanheiros seculares. Aliás o interesse desta região é que não encontramos aqui ou acolá um ou outro castanheiro centenário, que sobreviveu por mero acaso à fúria do desenvolvimento selvagem, como em outras regiões do país. Aqui, no concelho de Vinhais deparamos com manchas de castanheiros à medida que nos aproximamos de cada povoação e muitos desses soutos são centenários e bem que mereciam uma classificação global.



Esses maciços de castanheiros tornam-se ainda mais interessantes para nós, os portugueses, se pensarmos que vivemos num país cuja paisagem está quase inteiramente desfigurada pelo Eucalipto e pelo Pinheiro bravo. Viajando pela auto-estrada de Lisboa ao Porto, ou de Lisboa a Viseu, ao longo de quilómetros e quilómetros, somos capazes de ver de um e o outro lado da estrada eucaliptos e pinheiros ininterruptamente, florestas essas que nos Verões muito quentes ardem invariavelmente, para grande excitação dos media, que fazem imensos debates, reportagens e mesas redondas e depois no final da estação, toda a gente se volta a esquecer dos incêndios e volta tudo ao mesmo e plantam-se mais e mais eucaliptos e pinheiros bravos. Pois aqui em Vinhais, vive-se ainda no paraíso perdido sem o pecado original do eucalipto, com a floresta tradicional de carvalhos e as grandes manchas de soutos em volta das povoações. Só para admirar árvores vale a pena visitar Vinhais.
 
 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Castanheiros de Vinhais ou as árvores da vida

Foto Henrique Montalvão
Já há uns tempos que prometi a mim mesmo fazer um álbum de imagens dos castanheiros centenários, que abundam por todo o Concelho de Vinhais, na província de Trás-os-Montes. Desta vez encarreguei o meu filho Henrique de fazer as fotografias destas árvores, das quais é fácil encontrar nas terras frias de Vinhais espécies, com duzentos, trezentos ou quatrocentos ou até mesmo mil anos, como é o caso do célebre castanheiro da aldeia de Lagarelhos. Estes castanheiros parecem conseguir desafiar o tempo, ao contrário do que acontece connosco, a quem o tempo escorre pelas mãos sempre demasiado depressa.

Em quase todas as civilizações e culturas humanas, as árvores simbolizam a longevidade e são usadas para representar a ligação entre o céu e a terra, mas também a genealogia de uma família, em que os parentes ancestrais têm os seus nomes inscritos nas raízes e as gerações mais novas espalham-se pelas ramagens superiores.
Foto Henrique Montalvão
Creio que o meu apreço e admiração pelos castanheiros se relacionam com este significado de ligação entre o passado e o presente, entre os que morreram e os que cá estão, pois Vinhais é a terra da minha família materna e talvez o único sítio onde sinto que realmente pertenço, apesar de ter passado mais de metade da minha vida num bairro incaracterístico de Lisboa e ter nascido nos confins do antigo império colonial português. 

Quando regresso todos os anos a Vinhais e abro a casa, onde a minha mãe, os seus irmãos e os seus pais viveram e que agora está vazia e em decadência, sinto de uma forma pungente as suas ausências. Na grande mesa de jantar parecem faltar pessoas, vozes e na cozinha a lareira está apagada, pois a Ana a velha criada, morreu há muito tempo e já ninguém faz ao lume o almoço e o jantar nos potes. Nos escassos dez dias por ano que passamos naquela casa, a minha irmã e a sua filha, bem como eu e os meus filhos não conseguimos encher todas aquelas divisões, nem apagar as ausências de todos os que lá viveram há muito. É uma sensação de angústia, mas que é atenuada pelas recordações felizes das férias da infância, passadas naquela casa, pelo prazer de estar com os meus filhos e a minha irmã, bem como pelos passeios que damos todos os anos naquela paisagem extraordinária de Vinhais, em pleno Parque Natural de Montesinho.
Foto Henrique Montalvão
Uma paisagem e os sentimentos subjectivos que nos despertam são qualquer coisa difícil de descrever, sobretudo a quem falta talento literário como eu, mas a visão daqueles montes e sobretudo daqueles castanheiros centenários enchem-me a alma. Sinto nessa altura que a solidão daquelas montanhas reflecte o meu próprio isolamento e é através dos castanheiros, que se perpetua minha ligação aquela terra, ao passado, aos que partiram há muito e sobretudo à minha mãe, que já só vejo nos sonhos.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Castanheiros de Vinhais: um pouco da eternidade


Por todo o Concelho de Vinhais, distrito de Bragança, abundam castanheiros, enormes, muitíssimos deles mais do que centenários. Não é preciso procurar muito para os encontrar. Os castanheiros rodeiam inevitavelmente as povoações da terra fria transmontana e basta parar o automóvel à entrada e à saída de umas dessas terras para encontrar estas árvores, plantadas por gente, que viveu há trezentos ou quatrocentos anos e que não estava preocupada apenas com o momento presente. Quem as plantou sabia que estava a garantir não só o sustento dos filhos, mas também o alimento de gerações e gerações de vindouros.   

Estas árvores centenárias, que alimentaram com o seu fruto centenas ou milhares de pessoas, que viveram, morreram e estão enterradas nestas terras frias de Vinhais, fazem-nos sempre pensar que a vida humana está muito mais no passado do que no presente. O presente é sempre um momento curto, mesmo, quando a sua plenitude o faz parecer eterno.


Enfim, a frase não é minha, é da Yourcenar, dita numa entrevista a Matthieu Galley, publicada em 2011, pela Relógio de Água, com o título De olhos abertos, mas traduz muito bem os sentimentos despertados por árvores, que viram nascer 12, 20 ou 25 gerações e ainda nos continuam a alimentar neste presente, que se desfaz a cada instante.
 
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Árvores centenárias em Vinhais

 


Talvez o que me impressiona mais nas terras de Vinhais seja a natureza. O povoamento é escasso, há montanhas desertas e árvores assombrosas por todo o Concelho, o único em Portugal onde não há eucaliptos. Não é preciso metermo-nos por picadas agrestes para encontrar árvores seculares.



Basta encostar o carro à beira da estrada e por todo o lado abundam castanheiros centenários com troncos enormes e copas descumunais. Enfim, é difícil encontrar adjectivos para os sentimentos, que nos despertam estas árvores quase imortais. O povo costuma dizer que um castanheiro leva 300 anos a crescer, 300 a viver e 300 a morrer 


Este ano decidi começar a fotografar alguns desses castanheiros. Talvez por saber que mais tarde ou mais cedo, vou perder a casa de Vinhais, quero ficar com boas imagens de tudo aquilo, que me impressiona naquela terra, de todas as coisas, que me recordam a infância e as pessoas, que ali me acarinharam e que já estão todas mortas. E os castanheiros são sem dúvida um símbolo não só de Vinhais, mas também de um certo sentimento de eternidade, que encontramos nas terras dos nossos ancestrais, onde sentimos, que poderíamos a dar continuidade ao destino de gerações e gerações, que viveram antes de nós, se por acaso ali continuássemos a viver.



Eu que estou habituado a fotografar os objectos pequenos, com os quais encho a minha casa, tive dificuldade em fixar com a câmara os castanheiros gigantescos que fui encontrando ou ainda uma nogueira duplamente centenária em Quintela, também no Concelho de Vinhais.


A copa gigantesca do castanheiro
Os meus filhos não ficaram indiferentes a estas árvores, e julgo que puderam sentir, ainda que de uma forma empírica, que o tempo pode ser muito mais que os escassos oitenta e poucos anos de vida, que, nós os humanos dispomos.


Uma nogueira secular e os meus filhos

quarta-feira, 3 de março de 2010

Castanea sativa


Não tenho propriamente uma terra. Nasci em Timor, ilha da qual não guardo qualquer espécie de memória e fui criado em Benfica, que é aquele bairro lisboeta incaracterístico, dos anos 60/70, que a coisa mais próxima do pitoresco que apresenta são as varandas com marquises em alumínio.

Só experimento aquele sentimento de esta é a minha terra, em Vinhais, perto de Bragança. Ali sinto que tenho raízes, encontro traços fisionómicos semelhantes aos meus nas pessoas, que vejo na rua e identifico-me com aquelas paisagens de montes a perder de vista, que anunciam já a Europa do Norte. O isolamento das serranias adapta-se a um certo lado insular da minha personalidade. As histórias já muito esbatidas de antigas comunidades perdidas naquelas serras praticando em segredo o judaísmo, ajudaram também a sentir aquela terra como minha, pois sempre me senti como parte de uma minoria

No entanto, talvez o elemento que para mais simboliza esta região é o castanheiro, que cobre grandes manchas desta região. Sempre que nos aproximamos de uma povoação, 3 ou 4 km antes, começam a rarear os carvalhos e aparecem os soutos. São compostos por centenas de castanheiros enormes, por vezes gigantescos, muitos com centenas de anos, existe mesmo um em Lagarelhos, que terá cerca mil anos, conhecido entre os populares pela “grande castanha”. Rodeando todas as aldeias há estas árvores enormes e centenárias, formando bosques que nos recordam os contos da infância onde as meninas eram atacadas por animais ferozes na floresta.
É uma paisagem impressionante que se estende pela chamada Terra Fria, uma região formada pelo Conselho de Vinhais e a parte Norte do distrito de Bragança e que como o nome indica é particularmente fria. Ao que parece 80 % dos castanheiros portugueses encontram-se aqui concentrados e esta zona do País é também praticamente a única que não foi contaminada por eucaliptos.

Há pouco tempo numa das minhas deambulações pela net, descobri um blog estupendo, http://plantas-e-pessoas.blogspot.com/, com imensos artigos interessantes sobre castanheiros, escritos por agrónomos e com os quais aprendi imenso.

Ao contrário do que me sempre contaram em miúdo, o castanheiro não foi a principal fonte de alimento dos povos celtas que viviam no alto dos castros, que dominam ainda muitos montes sobranceiros às povoações transmontanas. Segundo o Blog Plantas-e-pessoas, que repete Conedera et al., Veget Hist Archaeobot, 13, 2004, não há provas do cultivo do castanheiro fora da Península Itálica durante o período romano. O Castanheiro terá sido introduzido na alta Idade Média, consolidando-se nos sistemas tradicionais agrícolas a partir do Século XI.
Isto é uma revelação espantosa. Talvez os primeiros pés de castanheiros tenham sido transportados de França pelo caminho de Santiago ao longo do Norte das espanhas e introduzidos no Ocidente Peninsular, logo nos primeiros tempos da reconquista. Em 868 o Porto foi tomado definitivamente aos Mouros por Vimara Perez e a linha a Norte do Douro está outra vez nas mãos dos cristãos e talvez tenha sido nesse período de tempo que se começaram a plantar os soutos transmontanos, tornando-os numa fonte alimentar essencial na região.

Sei que fugi um bocadinho ao tema das faianças, azulejos, porcelanas com florzinhas vitorianas e santos barrocos, mas não podia deixar de falar dos castanheiros, umas velharias da natureza, que sempre me impressionaram tanto e que fizeram parte da vida de gerações e gerações de antepassados meus.