Como já referi várias vezes no blog, contínuo no trabalho de identificação dos personagens retratados no álbum de fotografias formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio. Uma parte significativa dessas fotografias em formato carte-de-visite é formada por retratos de condiscípulos do meu antepassado dos cursos de teologia ou de direito da Universidade de Coimbra, datadas mais ou menos entre 1888 e 1891. A maioria das personagens está identificada com uma legenda escrita a lápis pelo meu trisavô, ou tem dedicatórias no verso, a ele dedicadas, mas ficam quase sempre por responder as seguintes interrogações: quem foram eles? Que relações estabeleceram com José Rodrigues Liberal Sampaio?
Uma das personalidades dos quais ainda não tinha conseguido encontrar nada, até há pouco tempo, foi a de um tal Abílio Augusto da Maia e Costa, licenciado em Direito, a julgar pela pasta escura, e natural de Vouzela, conforme se pode ler na dedicatória.
Resolvi fazer umas quantas pesquisas no Google pelo seu nome e acabei por ir ter ao fórum do geneall.net, conhecido site de genealogia onde um bisneto procurava informações sobre este antepassado. Comentei o seu post escrevendo que tinha uma fotografia do seu bisavô e que me prontificava a enviar-lhe uma cópia digital frente e verso, bem como a trocar informações sobre o assunto. Posteriormente correspondemos nos por e-mail e o mais engraçado de tudo isto, é que já nos conhecíamos pessoalmente de casa de um amigo comum e ambos pertencemos ao mesmo meio profissional. Foi um pouco como se passados uns 130 anos, o acaso histórico voltasse a cruzar os destinos de Liberal Sampaio e Abílio Augusto da Maia e Costa, através dos seus descendentes, um bisneto e um trisneto.
José Rodrigues Liberal Sampaio no momento da formatura, em 1891. O seu condiscípulo Abílio formou-se um ano antes. |
Não consegui apurar exactamente a relação que Abílio Augusto da Maia e Costa e Liberal Sampaio estabeleceram, mas certamente foi boa, pelo menos dos tempos de Coimbra, de outra forma o primeiro nunca ofereceria o seu retrato ao segundo. Em 1890 a fotografia ainda era demasiado cara para se oferecer uma prova a mero um amigo de ocasião. Contudo, os destinos destes antigos alunos de alunos de Coimbra tiveram muito em comum. Tal como o meu trisavô, Abílio Augusto da Maia e Costa também foi padre e também teve filhos, sete ao todo. Contudo, ao contrário de José Rodrigues Liberal Sampaio, que nunca deixou o sacerdócio, apesar de manter uma relação prolongada com uma senhora, Abílio Augusto da Maia e Costa acabou ter ordens suspensas, em circunstâncias que o seu bisneto desconhece. Talvez os sete filhos ilegítimos tenham dado demasiado nas vistas num meio pequeno como Vouzela. Poder-se-ia pensar que o José Rodrigues Liberal Sampaio foi mais discreto na sua relação com Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão e que terá vivido de acordo com o celebre princípio enunciado pelo prelado Adalberto de Bremen, no século XI, Si non caste, tamen caute, que quer dizer à letra, se não castamente, ao menos com cautela, mas em Chaves toda a gente saberia certamente que o padre Liberal Sampaio teve um filho com a fidalga de uma família muito conhecida na região e com a qual chegou a viver maritalmente, muito embora o menino o tratasse por padrinho.
A casa onde Abílio Augusto da Maia e Costa viveu em Souto de Lafões |
Por outro lado, os sete filhos ilegítimos de Abílio Augusto da Maia e Costa não o impediram de ter uma carreira respeitável em Vouzela como Conservador do Registo e advogado em Vouzela e desempenhou por duas vezes o cargo de administrador de Concelho da referida vila em 1920 e em 1926.
Como já referi muitas vezes ao longo deste blog, a propósito da figura de José Rodrigues Liberal Sampaio e da relação que teve com Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, no século XIX, padres com filhos e bastardos eram fenómenos comuns. Certamente não eram as situações mais desejáveis, mas também não significam uma exclusão social.
Contudo, creio que estes homens, Liberal Sampaio e Abílio Augusto da Maia e Costa viviam a situação no seu íntimo com algum sofrimento, pois eram profundamente crentes e de alguma forma sentiam que tinham violado um sacramento. Segundo, me contou o Bisneto, Abílio Augusto da Maia e Costa já mais velho voltou a usar o cabeção, como sinal de aproximação a Deus e no final da sua vida ofereceu a cada casa da aldeia onde sempre viveu, Souto de Lafões, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, como gesto de arrependimento público.
Abílio Augusto da Maia e Costa na praia de Espinho, onde veraneava com a família durante o mês de Setembro |
Para nós, que vivemos num mundo descristianizado e de liberdade sexual é difícil entender realmente as situações destes dois sacerdotes em que a fé entrava em conflito com o desejo de ter uma companheira e de procriar.
Em todo o caso, este reencontro dos familiares destes dois homens, que se conheceram em Coimbra no último quartel do século XIX foi um acontecimento feliz. O bisneto de Abílio Augusto da Maia e Costa ficou comovido por ver pela primeira vez o rosto do bisavô com vinte e poucos anos, na flor da vida, pois só conhecia fotografias do senhor já idoso e o que é mais curioso é que os dois são fisicamente parecidos, como se os genes do antigo condiscípulo do meu trisavô teimassem em permanecer vivos.
Abílio Augusto da Maia e Costa. Fotografia de J. Sartoris, Coimbra |