segunda-feira, 30 de julho de 2012

Azeitoneira Copeland da segunda metade do século XIX


O coleccionismo de velharias é uma coisa fascinante porque à medida que vamos comprando, vamos aumentando a nossa cultura sobre as artes decorativas do passado. O reverso da medalha é que vamos tendo cada vez menos espaço nas nossas casas. Eu estou reduzido a comprar peças de pequenas dimensões, que caibam numa dúzia de centímetros livres na parede, como por exemplo esta pequena azeitoneira do século XIX.

É uma peça inglesa fabricada pela Copeland, uma firma inglesa que sucedeu à prestigiada Spode (ver post de 28 de Novembro de 2011 da Maria Andrade para perceber quem foi o Sr. Spode e que firmas continuaram o seu trabalho).


Este pickle dish terá sido fabricado depois de 1847, porque até essa data marcavam-se as peças com os nomes COPELAND & GARRETT e antes de 1867, pois nesse ano à Copeland acrescentou-se-lhe a expressão"& SONS. Em suma, este pickle dish ou azeitoneita pode ser datado com alguma segurança entre 1847 e 1867.

Depois de conseguir datar a azeitoneira, tentei descobrir como se chamava o padrão decorativo. Fiz umas pesquisas no google, combinando os termos Copeland Pottery e Fern e flowers e acabei por chegar lá. Encontrei um prato exactamente igual, datado de 1855 e com o nome do motivo decorativo identificado, o Fern pattern. Este padrão combinava os fetos com uma flor que também é muito popular em Portugal, as Campainhas, cujo nome científico é Convolvulus.



E com as campainhas me despeço.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Gárgula em Avis


Avis é uma terra mais ou menos perdida no centro do Alentejo, todavia com carácter, diria mesmo com uma certa nobreza. A vila foi sede da poderosa ordem de Avis, que chegou a ser dona de quase metade do Alentejo.
A sede da antiga ordem de Avis

Dominando o lado nascente da vila, existe um edifício, que albergou a sede daquela ordem militar e que, apesar da ruína em que se encontra, permite ver bem a importância por ela desempenhada. Um dos seus mestres chegou mesmo a rei, D. João I, que derrubou a legítima dinastia de Borgonha, criando uma nova casa real com o nome de Avis. Hoje, a Ordem de Avis é uma mera condecoração que se dá aos militares, GNR’s e Polícias.

Como na maioria das terras alentejanas, o património está bem conservado e há conjuntos arquitectónicos muito interessantes, cujas fotografias, que aqui publico dão alguma ideia.
Porta Manuelina
Mas, pessoalmente, o melhor símbolo da grandeza de Avis, que encontrei foi esta gárgula posta no alto de uma velha casa da vila. Embora seja certamente uma peça em terracota do século XIX ou quanto muito do XVIII, transporta-nos a uma Idade Média, povoada por dragões, onde cavaleiros lutavam contra os mouros para libertar belas princesas cativas.  

domingo, 22 de julho de 2012

Bacia da Vista Alegre do Século XIX


Eu sei que não estão na moda este tipo de peças vitorianas, com florinhas delicadas. Actualmente as pessoas preferem ir ao IKEA comprar tudo novo, detestam os móveis de estilo, que associam talvez a uma vida reprimida, que os avós ou os pais se sujeitaram. Julgo que em todas as gerações há a ilusão de que é possível ser-se inovador, rodeando-se apenas de coisas novas. Pessoalmente, acredito mais que as novas ideias são mais fruto da cultura, da reflexão do que dos mobiliário novinho em folha saído do IKEA ou duma dessas casas de Design do Bairro de Santos.


Mas hoje estou moralista, coisa que detesto. Prefiro falar mais uma vez no gosto e na simplicidade da porcelana que a Vista Alegre produziu no Século XIX. Esta grande bacia que o Manel comprou na Feira de Estremoz por um bom preço é um bom exemplo deste gosto delicado da Vista Alegre.



Apresenta a decoração que os coleccionadores designam familiarmente pelas Silvinhas e a marca, embora desvanecida, parece-me a que foi usada entre 1852-1869. Esta  bacia formaria conjunto com um jarro e destinava-se a ser colocada num lavatório, como o que é apresentado na apresentado na fotografia, ou então num móvel com um tampo em mármore. Servia para as pessoas lavarem a cara e as mãos logo pela manhã e fazia parte dos objectos obrigatórios de um quarto no século XIX ou ainda do início do século XX, numa época em que não havia casas-de-banho ou água canalizada.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Menino Jesus Bom Pastor



Apresento hoje mais um Menino Jesus, cuja imagem me foi enviada por um amigo do Norte, que é seguidor deste blog. Tal como as esculturas de Malines, os Meninos Jesus em marfim são das peças mais procuradas pelos coleccionadores portugueses e tem toda a razão para faze-lo, pois a delicadeza destas esculturas indo-portuguesas e o seu simbolismo resumem nuns quantos centímetros de altura toda uma parte da expansão portuguesa.


O chamado indo-português é um fenómeno dos séculos XVI, XVII e XVIII. Artistas e artificies da Índia produziram peças ao gosto europeu, de exportação para o mercado ocidental ou então destinadas aos próprios indianos, já que muitos deles se converteram ao Cristianismo e queriam Virgens, Cristos ou estantes de Missal paras suas igrejas ou altares privados. Contudo, essa arte não foi uma cópia dos modelos europeus. Usaram-se as técnicas e os materiais requintados do Oriente. Elementos simbólicos do budismo ou hinduísmo foram aplicados aos temas cristãos. O resultado foi uma arte original e exótica, que se manifesta com particular sucesso nas esculturas em marfim, mas também no mobiliário. 
Nossas Senhoras indo-portuguesas. Col. do Museu Histórico e Nacional do Rio de Janeiro

O marfim de elefante era o mais usado para esculpir estas estatuetas, da qual este Menino Jesus bom pastor é um bom exemplo. Apesar de serem feitas na costa Ocidental da Índia, os seus artistas preferiam usar dentes de elefante africano, em vez dos elefantes indianos. Os dentes dos paquidermes africanos são maiores que os indianos. Dentro dos africanos, davam-se preferência aos dentes dos elefantes de regiões húmidas, como do Gabão e do Congo pois apresentam um marfim com poucos veios e de cor muito mais branca que aqueles criados nas savanas mais secas. 

Estas esculturas indo-portuguesas representavam temas cristãos e constituíam meios eficazes usados pelas Ordens religiosas para ensinar ou converter ao catolicismo homens e mulheres nascidos budistas, muçulmanos ou hindus. Os temas mais típicos eram o Paraíso, a Árvore de Jessé, as Santas Mães, A Virgem, O Presépio, a Sagrada Família, o Menino Jesus deitado, vários santos, mas sobretudo Cristos crucificados e o Menino Jesus bom Pastor.

Menino Jesus Bom Pastor. Col. do Museu Nacional Machado de Castro

Como o nome indica, esta escultura apresenta o Menino Jesus como pastor, com um cordeiro ao ombro e rodeado de outras ovelhas, que representam obviamente os seres humanos. É uma iconografia que remonta aos primeiros tempos do Cristianismo, ao período em que a nova religião se praticava em segredo nas catacumbas romanas e ilustra a parábola Eu vos digo que do mesmo modo, haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão (São Lucas, 15,4-7).

Esta parábola retratada pelo menino que recuperou a ovelha perdida fala-nos da importância de cada indivíduo, de um único individuo entre milhões. Cada um pode rever-se na ovelha resgatada e esperar ser salvo por um Deus superior.

O doce Bom pastor desapareceu durante a Idade Média e só ressurgiu na arte europeia durante a Contra-reforma e com um particular vigor na Índia, nos séculos XVII e XVIII, onde as ordens religiosas procuravam mostrar com estas imagens aos hindus ou budistas que todos eram ovelhas importantes para a Igreja, mesmo os mais intocáveis.

Por outro lado, houve um fenómeno muito curioso, pois a iconografia do Bom Pastor foi reinterpretada por artesãos nascidos hindus ou budistas, segundo as suas tradições religiosas tornando-os casos excepcionais de sincretismo artístico.

No hinduísmo, uma das encarnações de Vishnu é Krischna, também chamada Govinda, que significa Pastor. Este Krischna foi perseguido na infância por um tio que o queria matar e a sua mãe fê-lo criar no campo, no meio de uma família pobre, como pastor entre os pastores. Esta figura do menino ameaçado, deus e pastor é das mais populares na Índia e é natural que os novos católicos de Cochim ou Goa se sentissem mais confortáveis se pensassem em Jesus como uma figurinha próxima de Krischna.

A atitude budista: o desligamento das coisas terrenas. Escultura do nosso amigo do Norte

Do Budismo, estes meninos Jesus, recolheram a atitude de êxtase, caracterizada pela expressão ausente, os olhos fechados, os dedos apoiados na têmpora e a face inclinada contra a mão direita. Foi com esta que Buda atingiu a iluminação ao fim de 49 dias de meditação, sentado à sombra de uma figueira.

Peanha de Menino Jesus Bom Pastor. Museu Nacional Machado de Castro.


Estes Meninos Bons Pastores indianos estão sentados em peanhas, cheios de figurinhas e com uma significação que pode ser complexa. A obra do nosso seguidor do Norte é das mais simples e está muito danificada. Podem-se ver cordeirinhos aqui e acolá e talvez as folhas de uma palmeira, mas muitos destes Bons Pastores estão sentados em montes, cheios de figurinhas, como santos, representações da natividade, pássaros bebendo em fontes sagradas, ou uma gruta com uma Maria Madalena arrependida, deitada à moda indiana, que foi a posição adoptada por Buda para morrer. A simbologia destes montes é naturalmente cristã, pois alude ao Calvários e ao Presépio, mas a distribuição em andares das figuras sugere as torres dos templos indianos.

Col. de Bons Pastores do Museu Histórico e Nacional do Rio de Janeiro

Enfim, a simbologia destes montes é tão complicada, como é fino o lavor destes trabalhos em marfim.

Além de admirar o trabalho artístico deste Menino Jesus, gosto também do seu significado histórico. Mostra os descobrimentos Portugueses não só como a façanha heróica dos portugueses, que nos ensinaram nos livros da quarta classe, à força de muita reguada, mas também como um fenómeno artístico onde se cruzaram o cristianismo, o budismo e o hinduísmo.



Alguma bibliografia:
  • A expansão portuguesa e a arte do marfim. - Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991
  • Arte do marfim / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses ; coord. Mafalda Soares da Cunha. Porto : C.N.D.C., 1998

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Menino Jesus de Malines

Hoje mostro-vos um Menino Jesus pertencente a Seguidora Anónima, que é um dos géneros de antiguidades mais procurados pelos coleccionadores, as imagens de Malines.

Malines é uma cidade a Norte de Bruxelas, na actual Bélgica que nos séculos XV e XVI se tornou célebre na Europa pela sua estatuária, nomeadamente pelos retábulos de altar, mas sobretudo pelas suas estatuetas de madeira, muito características, com um certo ar abonecado. Aliás, são conhecidas internacionalmente por Poupées malinoises  ou Poupées de Malines
Sta. Bárbara do Museu Nacional de Arte Antiga. Proveniente de Malines. Esta imagem apresenta ar abonecado típico da produção daquela cidade. Por esta razão ficaram conhecidas por Poupées malinoises 

No período em que estas estatuetas ou bonecas foram executadas Portugal tinha relações privilegiadas comerciais e políticas com esta região, o Brabante, que hoje está dividida entre a Holanda e Bélgica. Nos Séculos XV e XVI, os portugueses designavam esta província, bem como outras regiões vizinhas, a Flandres (actual Bélgica), a Picardia e o Artois (hoje França), pura e simplesmente por Flandres.
O complicado mapa dos domínios de Borgonha no Séc. XV. Malines está assinalada por uma seta

Estávamos no Período dos Descobrimentos Portugueses e o açúcar da Madeira e as especiarias do Oriente eram vendidas na Flandres e daí revendidas para toda a Europa. Esta região de países baixos, domínios de casa de Borgonha, que os portugueses conheciam por Flandres estava no centro de rotas comerciais importantíssimas. Uma rota que vinha da Península Ibérica, trazia as novidades dos descobrimentos portugueses e espanhóis. Outra vinha pelo Reno fora trazendo mercadores e mercadorias do Centro e Sul da Alemanha, até chegar à foz deste rio em Antuérpia. A Terceira rota saia da Flandres e ligava esta província por via marítima aos portos do Báltico, desde Copenhaga a Riga, passando por Hamburgo, Kiel ou Dantzig. Os portos flamengos estavam também ligados a Londres e a Paris através da foz dos rios Tamisa e Sena, respectivamente. Portanto a Flandres era uma verdadeira plataforma comercial europeia, aliás, manteve esse carácter nos dias de hoje, pois não foi por acaso, que Bruxelas foi escolhida como sede da União Europeia.
Nossa Senhora com o Menino proveniente de Malines. Museu Nacional de Arte antiga

Enfim, um dos produtos que os portugueses traziam da Flandres eram estas pequenas estátuas de Madeira da cidade de Malines. Porém não compravam toda a produção local. Preferiam a Nossa Senhora com o Menino e os Meninos Jesus, mas também importaram algumas Santanas (tríplices), Santas Bárbaras Santos Antónios e Stas. Margaridas.
Menino Jesus de Malines do Museu da Guarda

Estas figurinhas eram muitas vezes dispostas em retábulos, representando um jardim e fechados por painéis soberbos pintados a óleo. Em Portugal não se conhece nenhum exemplar destas espécies de oratórios, designados por jardins clos, mas há quem pense que possam ter influenciado de alguma forma o aparecimento dos presépios portugueses.

Quanto a estes Meninos Jesus de Malines, de que a Nossa Seguidora tem a sorte de dispôr deste exemplar, são facilmente reconhecíveis pelas suas coxas exageradamente roliças, mas há outras características que os identificam. São sempre representados nus, sob a forma de Salvador do Mundo, abençoando com a mão direita e segurando na esquerda a esfera do mundo.
As coxas dos Meninos Jesus de Malines são sempre exageradas
As proporções do corpo são sempre idênticas, isto é, a altura das pernas até ao púbis é igual à altura do púbis à raiz do pescoço. As nádegas são pequenas e as coxas exageradas. O rosto é flamengo, optimista e o cabelo é encaracolado e cortado numa espécie de tijela.


Os meninos Jesus de Malines são talvez as primeiras imagens de um culto extremamente popular em Portugal, que atingiu o seu apogeu nos conventos femininos nos dois séculos seguintes, conforme vimos no post anterior.
Alguma bibliografia:



IMAGENS DE MALINES DO MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA - Imagens de Malines do Museu Nacional de Arte Antiga. - Lisboa : Museu Nacional de Arte Antiga, 1976. - 58 p. : il. ; 25 cm

FERRAO, Bernardo - Imagens de Malines em Portugal / Bernardo Ferrão de Tavares e Távora. - Porto : Museu, 1975. - 262 p. : il. ; 24 cm