quinta-feira, 20 de abril de 2017

Um registo de Santa Inês


Comprei na Feira de Estremoz este registo de Santa Inês, certamente um trabalho feito por uma noviça, uma freira ou uma senhora educada num convento. É uma estampa emoldurada preciosamente com restos de tecidos e passamanaria.

Esta imagem representando uma bonita jovem, ricamente vestida, enfeitada com jóias e que segura um cordeirinho transmite-nos até uma certa imagem de tranquilidade, mas apenas aparente, já que o relato da vida de Santa Inês é uma daquelas coisas perfeitamente macabras do tempo das grandes perseguições aos cristãos empreendidas pelo Imperador Diocleciano. Basicamente, Inês recusou-se a abjurar a sua fé cristã, foi condenada às feras, mas como a lei romana não permitia matar virgens, colocaram-na num lupanar, para ser violada. Foi supliciada, torturada, mas miraculosamente manteve incólume a sua virgindade. No final foi decapitada.
S.ta Ignes
Inês ou Agnès em francês ou inglês é mais um símbolo, uma alegoria da virtude casta, do que uma personagem, que tenha existido realmente. O nome é de origem grega, agnê e quer dizer pura, casta. Os cristãos associaram o seu nome ao termo latino, agnus, que quer dizer cordeiro e é também um símbolo de Cristo, o cordeiro que se deixa imolar para resgatar os pecados do mundo. Santa Inês torna-se assim como que a Agna Dei, a personificação feminina do Cordeiro de Deus. Em termos mais práticos, isto quer dizer que Santa Inês é representada na arte com uma palma na mão, aliás como todas as santas mártires e ainda com um cordeirinho no regaço ou aos pés, alusão à sua pureza e ao seu sacrifício, que personifica o do próprio Cristo.

Não sendo um homem crente, interrogo-me acerca do que me atrai nestes objectos piedosos, que tantas vezes simbolizam martírios e histórias violentas, que caracterizam tão negativamente a devoção cristã. O Joaquim Caetano do Museu Nacional de Arte Antiga tem uma teoria, que poderá explicar este gosto pela arte sacra, comum a tantos nós. Refere que durante décadas os portugueses cultos educaram o seu gosto em museus instalados em antigos paços episcopais, conventos ou palácios, com colecções de objectos de arte provenientes maioritariamente de conventos extintos. No fundo, os museus portugueses estabeleceram um padrão de gosto eclesiástico, que é sem dúvida o meu.
 
O verso do registo está decorado com um antigo papel de fantasia