Pedra de armas do Solar de Outeiro Seco
Como já expliquei algures neste blog, a genealogia e a heráldica nunca fizeram parte dos meus interesses ou gostos. Aquelas listas infinitas de nomes, acompanhadas das frases “nasceu, casou e morreu” sempre me entediaram de morte. As conversas entre amadores de genealogia são uma coisa de fugir e eu já assisti a muitas. Falam de parentes que casaram há 200 anos e enumeram, enumeram, enumeram nomes e mais nomes e tudo aquilo surge sem sentido ou objectivo. Ora eu gosto de história, desejo saber mais do que “sujeito nasceu, casou e morreu, ou pelo menos se não for possível conhecer mais do que isso, quero presumir como pensaram ou viveram homens e mulheres nos finais do século XIX ou em meados do século XVIII. Também é minha intenção perceber até que ponto os meus antepassados influenciaram a minha cultura e a minha forma de estar na vida.
Por esses motivos, tenho tentado reviver aqui velhas histórias de família, fugindo ao esquema da enumeração de nomes da genealogia.
A pobre heráldica levou por tabela da genealogia. Sempre a associei a essa gente chata, que perante uma assistência estupefacta conta que uma tia quatrisavô casou com uns Albergaria e que “nós” e os Sarmentos ainda somos primos por parte da Tia Manita”
Tenho presente que esta é uma visão exagerada e emocional, pois reconheço à genealogia e à heráldica grande valor auxiliar para a história e admiro o trabalho paciente nos arquivos paroquiais que os genealogistas levam a cabo.
Bem, tudo este arrazoado vem a propósito do brasão que está no Solar de Outeiro Seco, na fachada nobre da casa e de que eu nunca falei e a nossa pobre Isabel, já andava mortificada por causa deste silêncio. Ora a pedra de armas pura e simplesmente não é da família Montalvão. São as armas dos Álvares Ferreira que estão ali representadas. A razão deste facto, que parecerá estranho aos seguidores deste blog, é que o grosso das construções da casa terão sido levadas a cabo pela família Álvares Ferreira, a quem a casa pertencia há muito. Era uma família ligada à cavalaria, conforme se pode ver pelas lojas da casa, onde abundam manjedouras em pedra. Os Montalvões só aparecem nesta casa de Outeiro Seco, em 1746, por via do casamento de uma senhora , Antónia Maria de Montalvão Morais, com um ilustre varão dos Alvares Ferreira, o Miguel Álvares Ferreira. Portanto o brasão que está naquela casa, é anterior a este casamento, 1746, e talvez este nem sequer fosse o seu local original, pois este corpo da casa acusa já as modas de arquitectura da segunda metade do século XVIII ou até mesmo dos finais deste século.
Acerca do brasão dos Alvares Ferreira, repito o que J. T. Montalvão Machado diz na sua obra os Montalvões.
Tem o escudo dividido em duas partes, que têm sido assim interpretadas: à esquerda, quatro faixas horizontais querem dizer Ferreiras; à direita, nove cruzes de Avis, dispostas em três linhas horizontais, significam Alvares.
Encima-o um animal, um Bácoro, provavelmente um javali. Pedi a este propósito a opinião ao Pedro Abreu Peixoto, um amigo meu entendido em Heráldica e confirmou tratar-se dum javali. O porco só aparece na heráldica institucional, nunca na familiar. Desde a Antiguidade Clássica à Idade Média, o javali foi sempre considerado como espécie cinegética de prestígio, especialmente os machos adultos, que eram vistos como o paradigma da coragem e bravura. Foi também um animal comum na heráldica medieval europeia. Foi símbolo pessoal do rei Ricardo III de Inglaterra e surge nos brasões de várias cidades.
Daqui se depreende, que um dia se quisermos estudar nos arquivos a construção do solar, teremos que remontar ao tempo dos Álvares Ferreira, para procurar informações no Arquivo Distrital de Vila Real ou em outra qualquer instituição que tenha a sua guarda arquivos pertinentes para a região em causa.
Antes de 1746, quando Antónia Maria de Montalvão Morais, casa com o Miguel Álvares Ferreira os Montalvões estão a uns escassos kms de Outeiro Seco, na aldeia de Vila Frade, encostada à vizinha Espanha, que é o seu berço de origem em Portugal. Creio aliás que ainda há por lá propriedades que pertencem à família.
Os Montalvões tinham aparecido em Portugal há 5 gerações atrás, no século XVII, quando um Joseph de Montalban, oriundo da Galiza, atravessou a linha imaginária que separava o reino de Espanha do de Portugal, para casar com uma senhora portuguesa, instalando-se em Vila Frade. Se hoje, apesar da castelhanização do galego, a diferença entre os galegos as gentes de Portugal a Norte do Douro é pequena, em pleno domínio filipino as pessoas de um e do outro lado da fronteira partilhavam praticamente mesma língua e costumes e muitas famílias espanholas vieram para Portugal nessa época.
Vila Frade. Portão de quinta da família Montalvão. Propriedade que confina com Espanha. Foto gentilmente roubada de
http://chaves.blogs.sapo.pt/
O Joseph de Montalban casou então com uma senhora portuguesa, uma tal D. Maria Fernandes. Não se conhece a data do seu casamento, mas, sabe-se que em 1632 estavam já casados, pois constam como padrinhos de um livro de baptizados de uma criança nascida nessa data. Instalaram-se em Vila Frade e nessa povoação raiana, criaram os seus filhos e estes procriaram por sua vez e multiplicaram-se de modo que todas as pessoas em Portugal, que ostentam o nome Montalvão descendem deste casal primordial. A sua trisneta, a tal Antónia Maria de Montalvão Morais (1732-1808) de que já mencionamos vai para Outeiro Seco casar com o Miguel Álvares Ferreira e os seus descendentes acabarão por dar o nome desta antepassada ao solar .
Quanto à verdadeiro pedra de armas dos Montalvões, a única que se conhece, provem de perto de Vila Frade, mais exactamente de Vila Meã da Raia, local onde a família também tinha propriedades, mas que também andou por Outeiro Seco, sendo que por desavenças familiares, foi transportada de lá.
Transcrevo mais umas vez as palavras de J. T. Montalvão Machado
A casa onde viveu António Vicente, em Vila Meã da Raia, ostentava uma pedra de armas, que se encontra hoje em Carcavelos, subúrbios de Lisboa, na posse de D. Maria Alda Montalvão Santos e Silva (n° 327).
Essa pedra foi há anos interpretada pelo Sr. Coronel Afonso Dornelas, mestre de Heráldica, que dela disse: No 1° quartel, um leão vermelho em fundo azul, atravessado por uma faixa contendo três flores de lis, quer dizer Montalvões. Este leão era frequente nas insígnias da fidalguia do noroeste das Espanhas e lembrava o esforço iniciador das gentes do Reino de Leão, na Reconquista e expulsão dos muçulmanos. (Lembramos a este respeito o esforço de Alonso de Montalban, na conquista do Reino de Granada, no tempo dos Reis Católicos, Fernando e Isabel, vide documentos da nossa prova n° 2).
No 2.° quartel, quatro faixas horizontais de ouro, em campo vermelho, significam Ferreiras.
O 3° quartel está dividido em pala: a parte esquerda contém duas espadas de prata, com punhos de ouro, e pode significar Ximenes; a segunda contém três flores de lis e traduz-se por Pessanhas.
O 4° quartel contém cinco conchas de ouro, que representam os Velhos.
Pelo que diz respeito aos quartéis 1° e 2.° nada temos a acrescentar à interpretação do Sr. Coronel Dornelas, porque vimos atrás, em n° 20 , a ligação de Montalvões com Ferreiras, em 1746.
Também não nos surpreende a existência de Velhos no 4° quartel, porque, como vimos, em n° 11, Francisco de Montalvão Coelho, casou, por 1700, com D. Luisa de Morais Castro, descendente de Martim Teixeira Velho.”
Relativamente ao 3º quartel, J. T. Montalvão Machado tem grandes dúvidas quanto à interpretação do Sr. Coronel Afonso Dornelas e não Crê que os referidos elementos possam representar os Ximenes e Pessanhas
A pedra tem por timbre o mesmo leão, dos Montalvões, que figura no 1° quartel.”
Neste momento não sei se quem são os actuais proprietários do Brasão dos Montalvões. Estarão aqui em Lisboa, mas não faço a menor ideia quem sejam. A minha avô Mimi deu-me um lenço com o brasão pintado por ela num lenço de seda, mas infelizmente perdi-o numa das mudanças de casa.