Continuo nos meus trabalhos de exploração do álbum de fotografias formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio, que é um verdadeiro fresco da sociedade flaviense no último quartel do século XIX. Talvez por essa mesma razão insisto em partilhar publicamente as fotografias do álbum aqui no Blog, pois sinto que não são só pertença da família. Estas imagens são a memória de uma comunidade, da cidade e do Concelho de Chaves e nalguns casos do próprio País.
António Gonçalves Roma |
Durante o trabalho de inventariação das fotografias, encontrei o retrato de um cavalheiro respeitável, identificado pelo meu trisavô na sua caligrafia miudinha, como António Gonçalves Roma. Na página ao lado desta fotografia estava um retrato de uma família, um senhor sentado, com um bebé sobre os joelhos, visivelmente orgulhoso da sua cria e em pé, a mãe, que posa com a sua melhor toilette, enquanto segura um leque. É engraçado observar como estes fotógrafos do XIX reproduziram a encenação e as convenções do retrato da pintura dos séculos anteriores, em que as grandes damas posavam sempre com um leque na mão, símbolo de riqueza e realeza. O Manuel, meu ajudante precioso neste trabalho de inventariação do álbum do meu trisavô, chamou-me a atenção para o facto, de que o orgulhoso pai da fotografia de conjunto é o mesmo indivíduo, que é representado com umas suíças e um bigode. Portanto, o retrato de grupo representava a família de António Gonçalves Roma.
António Gonçalves Roma e o filho |
Segundo o jornal O Flaviense, nº1, 13 de Junho de 1876, António Gonçalves Bento Roma era um comerciante de algodões, lãs e fazendas em Chaves, com um estabelecimento acabado de inaugurar na Rua Direita. A 18 de Julho, anunciava-se no nº 6 do mesmo jornal, que António Gonçalves Bento Roma e outros comerciantes de Chaves organizaram um bazar de prendas, cujo produto destinava-se a ser aplicado, na compra de uma túnica para a imagem do Senhor dos Passos e um vestido para a devota imagem de Nossa Senhora das Lágrimas (*1). A julgar pela por estas informações e pela toilette complicada da sua mulher, terá sido um comerciante próspero, até porque na época a fotografia ainda era cara.
Verso da foto de António Gonçalves Bento Roma. Fotografia União, do fotografo António Correia da Fonseca, Praça de Sta. Teresa, no Porto |
O retrato de António Gonçalves Roma foi tirado depois de 1876 na Fotografia União, do fotografo António Correia da Fonseca, que tinha sede na Praça de Sta. Teresa, no Porto, que era um dos estúdios mais chiques do Porto. A fotografia da família foi executada no estúdio de António José de Barros, activo desde 1874 na Póvoa de Varzim.
Verso da fotografia de grupo. António José de Barros, Póvoa de Varzim, Photographo |
É certo que esta família burguesa era certamente próspera e talvez pudesse ir a banhos à Povoa de Varzim ou deslocar-se ao Porto em negócios, mas tenho sempre a mesma interrogação nestes casos. Será que os fotógrafos destas casas do Porto e terras circundantes não se deslocariam periodicamente às cidades e vilas do interior Norte, nos dias de festa dos respectivos santos padroeiros, para retratarem os burgueses abastados e a fidalguia locais?
Fiz mais umas pesquisas pelo nome deste senhor na internet e acabei por descobrir que António Gonçalves Roma e a sua mulher são nada mais, nada menos, que os pais do Coronel Bento Roma (1884-1953), um herói da primeira guerra mundial e das campanhas em Angola e que chegou a ser governador em Angola. Muitas ruas em diferentes localidades portuguesas ostentam o seu nome. Consultei o registo de baptismo de Bento Roma, nascido a de 2 de Janeiro de 1884, onde encontrei mais algumas informações sobre esta família. António Gonçalves Roma era natural de Chaves, negociante e a sua mulher era Josefina Augusta Esteves natural de Bobadela, Barroso, Concelho de Boticas e moravam na Rua Direita de Chaves. Curiosamente na sua antiga casa situa-se hoje a sede do Grupo Cultural Aquae Flaviae.
Bento Roma em 1904. Foto retirada de O coronel Bento Roma (1884-1952): homenagens e consagrações em 1954 e 1955. Lisboa: Of. gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, imp. 1955 |
Embora tenha consultado mais alguns livros de baptismo da então Vila de Chaves, não encontrei informação sobre mais nenhum filho deste casal. Portanto, a fotografia da família poderá muito bem ser o primeiro retrato de Bento Roma e ter sido tirada por volta de 1885 ou 1886.
Esta poderá ser a primeira fotografia de Bento Roma. |
Não sei exactamente as relações que a família Gonçalves Roma estabeleceu com a minha família, mas Chaves, nos últimos 25 anos do século XIX era um meio pequeno e todos se conheciam. António Gonçalves Roma era um homem devoto, que organizou um bazar para comprar vestes para imagens da Virgem e de Cristo e certamente escutou muitas vezes os sermões do Padre José Rodrigues Liberal Sampaio, um pregador muito conhecido e era muito natural, que os dois tivessem trocado as respectivas carte-de-visite. Também é possível que a minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, que era nesta época uma mulher elegante se abastecesse no estabelecimento de tecidos família Roma, para mandar fazer as suas toilettes sofisticadas e a Sra. D. Josefina lhe tivesse oferecido um retrato da família.
Em todo o caso, anos mais tarde, por volta de 1911, os destinos da família Roma poderão ter-se cruzado novamente com os de Liberal Sampaio e da família Montalvão. Pouco depois da República, o meu trisavô, que era monárquico, esteve escondido algum tempo num quarto secreto do Solar dos Montalvões e posteriormente fugiu para Espanha: Nesse mesmo período, o jovem oficial, Bento Roma, um republicano convicto, foi incumbido de ir à Galiza tentar dissuadir os portugueses que ali se haviam concentrado com o fim de virem atacar a República. Quem sabe se os dois não se encontraram em Verín ou Fezes de Abajo, localidades galegas vizinhas de Chaves.
Em todo o caso, anos mais tarde, por volta de 1911, os destinos da família Roma poderão ter-se cruzado novamente com os de Liberal Sampaio e da família Montalvão. Pouco depois da República, o meu trisavô, que era monárquico, esteve escondido algum tempo num quarto secreto do Solar dos Montalvões e posteriormente fugiu para Espanha: Nesse mesmo período, o jovem oficial, Bento Roma, um republicano convicto, foi incumbido de ir à Galiza tentar dissuadir os portugueses que ali se haviam concentrado com o fim de virem atacar a República. Quem sabe se os dois não se encontraram em Verín ou Fezes de Abajo, localidades galegas vizinhas de Chaves.
Bento Roma em 1907. Foto retirada de O coronel Bento Roma (1884-1952): homenagens e consagrações em 1954 e 1955. Lisboa: Of. gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, imp. 1955 |
Alguma bibliografia:
(¨*1). História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012, p. 89 e e 92
(¨*1). História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012, p. 89 e e 92
O coronel Bento Roma (1884-1952): homenagens e consagrações em 1954 e 1955 / pref. Do General Ferreira Martins. Lisboa: Of. gráficas da Gazeta dos Caminhos de Ferro, imp. 1955
Arquivo Distrital de Vila Real. Livro de Baptismo de 1884, assento, nº 7, Paróquia de Santa Maior de Chaves . PT-ADVRL-PRQ-PCHV50-RU-001-001-102