sexta-feira, 17 de maio de 2019

Ancient Greece: um prato de faiança inglesa Ralph Stevenson


Hoje apresento-vos um prato de faiança inglesa datado entre 1825–1827, com um padrão que não aparece muito no mercado, o Ancient Greece, o que em português quer dizer Grécia Antiga.

O prato está marcado, com nome do padrão e as iniciais do fabricante, RS estampados no verso, bem como a marca incisa Stevenson. A decoração é típica da faiança inglesa desta época, três personagens no meio de uma paisagem campestre, com ruínas clássicas, tendo por fundo um rio onde se vislumbra uma cidade antiga com uma ponte romana e um edifício com uma cúpula. Toda a cena está envolta por uma bordadura floral.
 
Terrina Ancient Greece

Este prato fez parte de um serviço jantar, onde se incluíam terrinas, travessas e todo o tipo de pratos e naturalmente entre essas peças existiam variantes decorativas.
 

No site do Transferware Collectors Club, encontrei um texto muito bem feito onde se explica qual foi a fonte usada para conceber a variante do padrão que decora a travessa da terrina do Ancient Greece. Os artistas da Stevenson usaram como inspiração o quadro O regresso de Ulisses, do pintor francês, Claude Lorrain (1600-1682), e que se encontra hoje no Museu do Louvre. Claro, não é uma adaptação fiel, pois ceramistas ingleses tiveram que adaptar um quadro que mede 1,10 x 1.5 m a uma travessa de terrina com cerca de 30 cm e claro está simplificaram a pintura.
Pormenor da travessa da terrina do Ancient Greece
 
O regresso de Ulisses, Claude Lorrain (1600-1682), Museu do Louvre
Este Claude Lorrain foi um pintor francês do século XVII que viveu grande parte da sua vida em Itália e se especializou em paisagens com ruínas da antiguidade.

A rigor os temas das suas pinturas eram episódios da mitologia clássica, história clássica, da bíblia ou da vida dos santos, mas as personagens eram sempre muito pequeninas e quem protagonizava verdadeiramente as suas telas era a paisagem com as suas ruínas, arvoredo e a luz de um entardecer.
 
Uma mulher com uma criança nos braços, ajoelhada perante um cavalheiro indiferente
 
 Aliás, este prato, do Ancient Greece, onde no centro da composição está uma mulher com uma criança nos braços, ajoelhada perante um cavalheiro indiferente, provavelmente representa um desses temas bíblicos, que Claude Lorrain tanto gostava de pintar com ruínas clássicas por pano de fundo. Creio tratar-se da expulsão de Hagar, que Claude Lorrain pintou numa obra de 1688, que se encontra hoje na Alte Pinakothek de Munique. Agar ou Hagar era uma concubina de Abraão, da qual teve um filho, Ismael. Por razões que não interessa muito explicar aqui, Abraão acabou por expulsar Hagar e Ismael para o deserto.
 A expulsão de Hagar, Claude Lorrain, 1688, Alte Pinakothek de Munique

No fundo, o que é curioso deste padrão do Ancient Greece, é que os ceramistas ingleses foram buscar inspiração num género de pinturas que estiveram muito em voga no século XVII e sobretudo no século XVIII, os chamados Capriccios, representações de paisagens imaginárias com ruínas da antiguidade clássica e que nesses tempos faziam as delícias dos aristocratas europeus, com os quais decoravam as paredes dos seus palácios. Na primeira metade do século XIX, os fabricantes de faiança inglesa reproduziram nas suas loiças esses temas tão em voga na pintura dos séculos anteriores e colocaram-nos ao alcance da bolsa de um médio burguês, que podia agora ter um Capriccio na mesa da sua sala de jantar.
 
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5 comentários:

  1. Muito interessante. Gosto muito de Claude Lorrain e deste tipo de faiança inglesa. Bjs!

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    1. Margarida

      Obrigado pelo comentário. Também gosto de Claude Lorrain e de todos os pintores que se especializaram nas ruínas, um tema sempre fascinante para nós que gostamos de história. É muito engraçado encontrar na louça inglesa do XIX temas que estavam voga no XVII e no XVIII na pintura. É como democratizar a pintura que estava nas grandes casas nobres e coloca-la na mesa de jantar dos burgueses.

      bjos

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    2. É mesmo isso - além de que acho lindíssima a louça com paisagens. Bjs!

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  2. Esta forma de recriação imaginária, focada muitas vezes na arquitetura e na paisagem, sobretudo derivada na reapreciação que se experimentou durante a Renascença da dita "Arte Antiga", greco romana, estava muito em voga no século XVII.
    Creio ter sido mesmo a influência para o que se desenvolverá, sobretudo nos países mais a norte, sob a denominação de "paisagem", e que até aí não passava mais de um tema de suporte para os motivos religiosos/mitológicos de representação. O retrato também a utilizava, à paisagem, mas igualmente como suporte.
    A paisagem, propriamente dita, teve de esperar mais algum tempo para constituir um género da pintura de cavalete por si mesmo.
    Claro que os italianos, já mais tarde, desenvolveram igualmente este tema da paisagem, mas os céus mais plácidos do Sul não inspiravam tanto como os tormentosos do Norte da Europa.
    No Sul eram as ruínas das civilizações clássicas que imperavam, e que influenciaram os "capricci" fabricados mais a norte, frutos dos "grand tours" das classes abastadas, sobretudo inglesas.

    Esta cerâmica inglesa limitou-se, como referes no texto, a democratizar esta vertente, que até então se limitava à apreciação de uma classe mais abastada e aristocrática.
    Foi uma forma de educar as classes e tornar aquilo que se denominava de "cultura das classes mais elevadas" como algo mais generalizado.
    Claro que a burguesia, na sua vontade ávida de subir e igualar-se às classes superiores, rapidamente adotou os novos valores, impulsionando-os até chegarem mesmo à mesa de todos o que podiam adquirir faiança.
    É interessante o conceito.

    Este prato em particular, adquiri-o por um preço muito em conta (doutra forma também não o compraria) na Feira de Estremoz, e já lá vão alguns anos.
    Quando vou à Feira, só lá chego por volta do meio dia, quase no final dela, quando as pessoas começam a arrumar os seus tarecos, pelo que este prato foi posto em exposição, para venda, desde às 5 ou 6 da manhã, quando os vendedores chegam ao local, para conseguirem encontrar um sítio para instalar aquilo que trazem.
    E parece que, por um lugar, há mesmo luta, e muitas palavras azedas, é uma arena onde se regateia o espaço, pelo que me consta.

    Toda a história que contaste, foi pesquisa tua, muito boa, pois encontraste muita coisa. Eu nada tinha pesquisado sobre o assunto.
    Limitei-me a adquiri-lo e colocá-lo numa parede e ... foi tudo, até que um dia reparaste nele, doutra forma, ainda lá continuaria, plácida e docemente escondendo por baixo uns azulejos horríveis que tenho na cozinha ... hehehe
    Manel

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  3. Manel

    Os fabricantes de loiça inglesa da primeira metade do século XIX reutilizaram o "capriccio" da pintura dos dois séculos anteriores de uma forma muito feliz e estas paisagens com ruínas são quase uma imagem de marca da faiança inglesa.

    No fundo a Revolução Industrial colocou na mesa da burguesia aquilo que antigamente estava reservado as paredes das casas aristocráticas.

    Um abraço

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