segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Novamente as histórias da família Montalvão: o brasão


Em dois posts anteriores abordei a história do brasão da família Montalvão. Expliquei que a pedra de armas que se encontra no solar dos Montalvões, em Outeiro Seco reporta-se à família Álvares Ferreira, os proprietários originais do solar. Esse brasão terá sido mandado executar antes do casamento de Miguel Alvares Ferreira e Antónia Maria de Montalvão Morais, em 1746, ano que marca a entrada dos Montalvões naquela casa.

O Brasão dos Álvares Ferreira no Solar dos Montalvões

Existe um brasão dos Montalvões propriamente dito, que eu reproduzi no meu post e que expliquei o significado heráldico. Contudo, fiz essa descrição a partir de uma fotografia péssima, extraída do Boletim Outeiro Seco: passado e Presente, nº 1. 1990, que por sua vez já era uma má reprodução da imagem da obra, o capitão de Vila Frade, de Montalvão Machado.


O brasão dos Montalvões na única reprodução disponível

Esse Brasão tinha sido levado de Outeiro Seco em datá incerta, talvez na primeira metade do século XX, por uma Senhora, Maria Alda Montalvão Santos Silva, para o jardim da sua casa de Carvavelos, presumivelmente depois de 1908 e esta era a última notícia que se tinha dele. O paradeiro do brasão era mais ou menos desconhecido.

Há uns três meses, numa reunião profissional, conheci um rapaz, o Gastão de Brito e Silva, que alimenta um blog muito interessante inteiramento dedicado a casas, edifícios e monumentos em ruínas, http://ruinarte.blogspot.com/ e que quando ouviu o meu apelido, Montalvão, ficou de antenas imediatamente levantadas, porque há muito tempo que tem o desejo de fotografar as ruínas do Solar. Mostrei-lhe o blog, conversámos e descobri por mero caso, que ele conhecia o paradeiro actual do brasão, que está em casa do pai de um amigo dele em Carcavelos. O mais incrível disto tudo é que eu conhecia pessoalmente o pai desse amigo dele, meu primo afastado, tinha estado recentemente com ele em casa de um amigo comum, mas nunca me passou pela cabeça que fosse descendente da tal Sra. D. Maria Alda, nem o proprietário actual do Brasão.


As sumptuosas decorações

Telefonei-lhe, fui fotografar o brasão e encontrei uma peça esmagadora, feita num único bloco de granito, com quase dois palmos de espessura e praticamente 1 m por 1,5m. As reproduções que eu tinha dele não lhe faziam de todo justiça, pois não mostravam as decorações lavradas à volta do escudo, que são sumptuosas. Contudo, nas suas deslocações pelo país inteiro, o Brasão perdeu o elmo, o que foi uma pena, porque seria uma peça ainda mais imponente.

Os meus primos colocarão a hipótese de esta pedra ser do século XVII, talvez em virtude do seu estilo pesado. Porém, é obrigatoriamente posterior a 1746, ano do casamento de Miguel Alvares Ferreira e Antónia Maria de Montalvão Morais, pois apresenta as armas combinadas das duas famílias. O Leão com as flores de Liz dos Montalvões e as quatro faixas horizontais dos Ferreiras.

O leão com as folhas de Liz da família Montalvão
As 4 faixas dos Ferreiras
Não sabemos para que casa este brasão foi concebido. Sabemos através da obra o Capitão de Vila Frade, de Montalvão Machado, que esteve numa habitação pertencente à família em Vila Meã, propriedade da família.

Nessa casa viveu António Vicente Ferreira Montalvão(1776-1838). Com o nº 31 da árvore genealógica da família, este senhor era o filho benjamim daquele celebre matrimónio entre o Capitão de Cavalos Álvares Ferreira, proprietário de Outeiro Seco e a Antónia Maria Maria de Montalvão Morais. Era padre morreu, sem deixar descendente. A casa foi doada ao seu sobrinho, António Vicente, filho do irmão João Manuel e os seus descendentes, os Montalvões Machados mantiveram a casa até há bem pouco tempo.


A Casa dos Montalvões em Vila Meã

A pedra de armas da casa de Vila Meã terá tido outro destino, pois foi parar às mãos dos descendentes do outro irmão, o Miguel José, meu quinto avô. Este Miguel José teve 3 filhos, mas para esta história só interessam dois. O João Manuel (1806-1860), de quem eu descendo e a Rita Maria, uma senhora que casou duas vezes e se tornou famosa no seu tempo, como uma mulher enérgica, que geria directamente as suas extensas propriedades agrícolas e que é trisavô do meu primo. Terá sido ela a ficar com o brasão. A Rita Maria teve uma filha, Amélia, que casou com o general Celestino da Silva, o célebre governador de Timor e que foi companheiro de armas do rei D. Carlos e desse casamento nasceu a Alda, avó do meu primo e voltamos novamente a ouvir falar do Brasão.

O Brasão estava até 1940, numa casa grande em Outeiro Seco, propriedade desta Senhora, que não era o Solar propriamente dito. Nessa década, a Sra. D. Alda Montalvão Santos Silva, vendeu essa casa de Outeiro Seco e instalou o brasão no jardim da sua casa de Veraneio em Carcavelos, a Vila Alda. Aí esteve a referida pedra, até 1974, ano em que a casa foi vendida e posteriormente demolida, para dar lugar a um empreendimento qualquer, dessas coisas, que os portugueses adoram fazer para estragar sítios bonitos. O meu primo que a recebeu em herança levou-a para outra moradia em Carcavelos, mas o enorme bloco de granito não parou por aí e neste momento repousa num apartamento em Carcavelos, onde foi necessário interromper o trânsito na rua, para a fazer entrar pela varanda e demolir paredes para a instalar na sala.

A família andou com esta pedra de Herodes para Pilatos, o que em, termos de conservação foi-lhe prejudicial, mas comprendo perfeitamente que nunca se tenham querido separar-se dela, deixando-a numa das muitas casas por onde andaram ao longo de dois séculos. O enorme bloco de granito tem uma força e uma poesia extraordinárias.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma mostra resumida da faiança coimbrã entre os séculos XVIII a XIX

Este blog que mantenho regularmente há quase um ano e meio produz muitas vezes uma interacção muito engraçada com alguns dos seus leitores. Lembram-se da seguidora misteriosa que nos tinha proporcionado imagens da sua bela colecção de faiança?

Pois bem, agora apareceu uma segunda seguidora, que também prefere manter-se no anonimato, e que nos enviou imagens de um pequeno um conjunto de faianças extremamente significativo, que decidi publicar na íntegra.

Como sabem, não sou grande adepto de apresentar muitas peças de uma só vez. Tal como todos os outros especímenes do sexo masculino, sofro daquela característica, que franceses designam por mono-tâche, isto é, trato um só assunto ou tarefa de cada vez. No entanto, como a nossa segunda seguidora misteriosa enviou imagens de um conjunto tão coerente, praticamente uma amostragem da produção coimbrã entre o século XVIII e o século XIX, resolvi publicar todas as peças de uma só vez.

Motivo semelhante aos azulejos de figura avulsa


O primeiro é um prato do Século XVIII, cujos motivos se costumam atribuir à família Brioso. Estes Briosos foram uma dinastia de ceramistas que viveram em Coimbra no século XVIII.

Numa Sociedade Antigo Regime, como era a Portuguesa desta época, as profissões passavam de pais para filhos. Se se nascia oleiro ou sapateiro, morria-se com a mesma profissão e era quase certo que os filhos, netos e bisnetos viessem exercer o mesmo ofício. Também era muito comum, indivíduos do mesmo mester casarem entre si. Assim, estes Briosos casaram com outras famílias de ceramistas de Coimbra, como os Paiva, ou os Leal, que por sua vez já se tinham casado com famílias de Lisboa, mas provenientes do Bairro de Santa Catarina, um dos centro cerâmicos por excelência na capital

Embora a existência destes ceramistas coimbrões tenha sido muito estudada pelos investigadores, há uma certa dificuldade em relaciona-los com a produção existente daquela época, pois como já estão mesmo a adivinhar, raramente assinavam as peças e como casavam entre si é natural, que fizessem obras parecidas.

Mas, enfim, através de muitas comparações, os estudiosos costumam atribuir peças com esta decoração deste prato à família Brioso, como se pode ver comprovar numa obra semelhante do Museu de Alberto Sampaio, inventário c 211. A principal diferença é que o prato da nossa amiga apresenta um tema central que é muitas vezes visto em azulejo de figura avulsa.



Depois, a nossa segunda seguidora misteriosa, envia-nos um segundo prato com uma Dama, também do século XVIII, que representa uma segunda tendência da produção coimbrã, em que o tema ultrapassa o covo e invade toda a superfície do prato e é usada a pintura a esponja.

Esta decoração é a antepassada da célebre loiça ratinha, que dominou todo o século XIX coimbrão e se prolongou mesmo até ao início do século XX. Por essa razão estes pratos são conhecidos por pré-ratinhos.

Para rematar esta pequena história da produção coimbrã, a nossa segunda seguidora misteriosa, envia-nos dois ratinhos com motivos florais, mas que tem a particularidade de apresentarem inscrições.



O primeiro é um prato com a inscrição “Coimbra” e o segundo, um jarro com a inscrição “Bom Vinho”.

Ao contrário de outras faianças, os ratinhos apresentam formas pouco variadas. Há pratos, palanganas e os recipientes para servir vinho e pouco mais. E mesmo estes últimos são muito mais difíceis de achar nos mercados de velharias, que os pratos, pelo que o jarro é uma peça rara, pela qual a nossa amiga tem imensa estimação e nós uma grande admiração.
 
Este texto foi escrito a partir da leitura da obra Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX / de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Urnas e taças no alto dos prédios lisboetas

Também pelas ruas de Lisboa, no alto dos prédios mal tratados pelo tempo, encontramos urnas, taças, pinhas e outros adereços decorativos de coroamento das frontarias. Basta fugirmos dos centros comerciais, abandonar o carro, e sem grande esforço ou procura começamos a descobrir surpresos essas peças de faiança fantásticas, cheias de uma opulência burguesa, como esta aqui num prédio na esquina da rua do Salitre com a rua Nova de S. Mamede.


Depois, se penetrarmos no labirinto das vielas da Lisboa, estes elementos são ainda mais comuns. Subindo do Rossio para a Pena, pelas escadinhas da Barroca, nas traseiras do Convento da Encarnação descobri um edifício com dois pares de urnas, uma em cada canto, que alternam com duas pinhas no meio.

Não faço a menor ideia do fabricante das peças apresentadas. Tenho a ideia que aqui no Sul as Caldas fabricaram estes adereços decorativos de coroamento das cantarias, mas desconheço se houve mais fábricas a faze-los. A informação que tenho é sobretudo de unidades fabris no Norte, como as Devesas, Sto António da Piedade, Valadares e Massarelos dedicadas a esta produção. Não sei se Sacavém se dedicou a este tipo de objectos. Enfim confesso a minha ignorância, que é tão grande como o fascínio que exercem em mim estes objectos.

Já depois de ter feito este post, a Maria Andrade teve a amabilidade de me enviar mais duas imagens. destes objectos, tiradas em Lisboa, no bairro de Alfama, perto de Sto. Estevão e que se aparentam nitidamente com a urna das Escadinhas da Barroca.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ainda a Fábrica da Bandeira

A Maria Andrade apresentou recentemente um post mostrando mais decorações de pratos atribuídos à Fábrica da Bandeira, para lá daqueles que já vimos aqui. Na sequência desse seu trabalho, aproveito para apresentar aqui mais uma peça, que a nossa seguidora misteriosa amavelmente resolveu divulgar e que mostra ainda um  outro motivo diferente, as armas reais de Portugal.

Usando o trabalho da Maria Andrade e o conteúdo de anteriores posts deste blog podemos arriscar com uma primeira tentativa de sistematização dos motivos dos pratos com cercaduras de flores, tradicionalmente atribuídos àquela fábrica Bandeira:


1- Figuras humanas:


- Os Meninos Gordos Ana e Mateus
Menino gordo, catálogo de uma leiloeira


- As Marias da Fonte

Prato da Seguidora Misteriosa

- Os Músicos

Prato do Museu Nacional de Soares dos Reis 1104


- Casal Passeando

Prato de catálogo de leiloeira



- Retratos, Figuras Reais, etc 


Prato do Museu Nacional de Soares dos Reis 1087


2- Heráldica, Símbolos Reais, etc



- Escudo real


Prato da Seguidora Misteriosa

3- Paisagens:



- Casario

Prato de Catálogo de Leiloeira


- Paisagem rural com animais de quinta, gansos, (foto gentilmente roubada do blog da Maria Andrade)



Não sei se servirá para alguma coisa, mas assim podemos começar a arrumar algumas ideias

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Terrina atribuída à Fábrica da Bica do Sapato

A nossa seguidora misteriosa decidiu enviar-nos por e-mail uma peça atribuída à Fábrica da Bica do Sapato.

Apesar de as faianças deste centro de fabrico serem das mais procuradas pelos coleccionadores e antiquários o conhecimento da sua produção é escasso. Na realidade, sabe-se através dos documentos de arquivo, que a Fábrica existiu entre 1796 e 1818 e que em 1824 já não constava dos mapas estatísticos das fábricas do Reino, que se efectuavam nas altura.

Sucedeu-lhe no mesmo sítio, na calçada dos Cesteiros, ali para Santa Apolónia, mas uma década mais tarde, a Fábrica de Vítor Roseira, que produziu milhares de azulejos paras as fachadas dos prédios lisboetas.


A única peça que se conhece marcada da Fábrica da Roseira é esta Lavanda, que pertence a uma colecção particular e foi a partir dela que Artur Sandão, o celebre especialista em cerâmica, por comparação estilística, fez pela primeira vez uma série de atribuições a outras peças sem marca e a partir dessas, os antiquários fizeram mais outras quantas atribuições.

Esta explicação para a existência de uma única peça marcada da Bica do Sapato não se prende com o acaso, mas antes, porque na sociedade de antigo regime portuguesa, ainda corporativa, era necessário a uma fábrica, que pretendesse entrar em funcionamento, requerer um alvará à Junta de Comercio, provando ser capaz de fabricar produtos de qualidade. Assim tal como o operário para passar a mestre sapateiro ou alfaiate tinha que apresentar a obra-prima, a fábrica candidata ao Alvará submetia à consideração da referida Junta uma peça de grande qualidade e com assinatura. Esta Lavanda talvez tenha sido uma dessas peças.
Escrevi estas palavras com base num dos textos de Alexandre Nobre Pais e João Pedro Monteiro presente na obra Cerâmica neoclássica em Portugal. – Lisboa: IPM, 1997

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Grand Tour ou Caneca inglesa da John Meir & Son

Infelizmente a minha casa é pequena e qualquer coisa para lá entrar, deve sujeitar-se a uma regra de ouro, ser pequena, tal como esta bela caneca inglesa, com uns desenhos bonitos, muito bem executados, como é hábito da loiça inglesa, através da técnica do transfer way.

A caneca apresenta o padrão roselle, que é composto por um romântico chalet e uma árvore, que ladeiam um lago, onde se avista ao longe um castelo. Roselle é o nome de uma localidade italiana no Sul de Florença, que era um ponto de escala do chamado Grand Tour
Vista de Roselle no início do Século XIX

O Grand Tour era uma grande viagem efectuada por jovens oriundos das mais altas classes britânicas ou alemãs, destinada a aperfeiçoar a sua educação. A moda começou no século XVII e prolongou-se pelos séculos XVIII e XIX.

Os destinos principais eram a França, os Países Baixos, a Alemanha, a Suiça e sobretudo a Itália e mais tarde a Grécia e a Ásia Menor. Estas viagens eram longas, duravam por vezes mais de um ano e os jovens eram acompanhados por um tutor e tornaram-se uma prática instituída, considerada absolutamente necessária a uma boa educação. Serviam também para o jovem nobre fazer a sua educação sexual e ao que consta Veneza era a cidade preferida para essa iniciação, e enfim, nós só lhe podemos gabar o bom gosto.

O Grand Tour foi também o caminho escolhido dos amantes das belas artes, dos coleccionadores e dos escritores. Por essa forma, as classes cultas do Norte da Europa começaram a conhecer a arte do renascimento italiano e arte geco-romana e consequentemente o Grand Tour ajudou assim a difundir o palladianismo e o neoclassicismo, modas que reintroduziram o gosto pelo clássico na arte europeia.

Esta pequena peça de loiça, que traduz essa moda do Grand Tour, terá sido produzida entre 1837-97, em Tunstall, sede da John Meir & Son para gente da classe média, que não tinha dinheiro para viajar até Itália ou até a Grécia, mas que se comprazia a imaginar essas viagens ao pequeno almoço tomando leite ou chá nestas canecas.

Em Portugal, segundo aprendi com o mercador veneziano, O Roselle foi copiado pela Fábrica de Massarelos. Foi também adaptado de forma popular por um fabricante que algumas leiloeiras identificam como Vilar de Mouros e outras por loiça de Coimbra.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ratinhos, Ciganos e Estremoz

A nossa seguidora misteriosa presenteou-nos com mais um prato ratinho da sua colecção, representando um galo e que pertence à categoria dos zoomórficos (os animais), como este prato da antiga colecção do António de Capucho, que o Fábio fez-me o favor de me enviar.


Recordo mais uma vez que esta loiça ratinha se divide tradicionalmente nas seguintes categorias:

-zoomórficos (os animais), vegetalistas (plantas) e geométricos, que são os mais antigos.

-figuras populares, masculinas ou femininas, figuras fantásticas, caricaturas e retratos.

A propósito deste tipo de loiça tão característica, que não se confunde com mais nenhuma, tenho visto na Feira de Estremoz muitas destas peças à venda. Ao contrário, nas feiras de Lisboa, aparecem poucos ratinhos e quando isso acontece vendem-nos ao preço do ouro.

De facto se pensarmos bem, é natural que no Alentejo haja mais ratinhos do que em Lisboa, pois no passado, os trabalhadores beirões que chegavam às terras alentejanas para as ceifas trocavam a sua faiança ratinha por roupa usada. Mas, talvez o mais curioso disto tudo é que em Estremoz, a venda de velharias está praticamente toda na mão dos ciganos, coisa que nunca tinha visto em lado nenhum. Normalmente, vejo os ciganos feiras a venderem roupa nas feiras e droga na Baixa Lisboeta.

Mas, em Estremoz quase todas as bancas de velharias estão na mão dos ciganos e segundo me disseram são respeitados neste comércio de antiguidades. Todos eles apresentam uma vantagem negoceiam sempre. Primeiro atiram com um preço alto. Nós torcemos a cara. Baixam o preço. Voltamos a torcer o nariz e eles perguntam-nos quanto queremos oferecer. Portanto, é uma gente com a qual se pode comprar coisas a preços mais aceitáveis.

Os ciganos são um povo que me fascina sempre. Tenho-lhe algum receio, mas a história de nomadismo, que transportam consigo desde a Índia fascina-me. Recentemente tive por vizinhos umas quatro ou cinco famílias de ciganos moldavos (enfim, eu moro num bairro intercultural do centro de Lisboa) e olhei-os sempre com um misto de medo, admiração e nojo. As crianças eram duma beleza rara, mas aquelas famílias viviam no meio do maior lixo, como se estivessem num bairro da lata. Confesso que quando os vi longe respirei de alívio.

Passei dos Ratinhos a Estremoz e daí aos ciganos, mas o pensamento humano é feitio através destas estranhas associações

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Azulejos neoclássicos

Há muito tempo comprei este friso de azulejos com um motivo de botão de flor, que aproveitei para mandar colocar ao longo da janela. Descobri-o na Feira-da-Ladra e não foi muito caro. Normalmente quando se compram azulejos em quantidade, os vendedores fazem sempre uma significativa atenção.

Sempre gostei deles, mas nunca procurei muito saber sobre este motivo, até que, há umas duas semanas, quando me andei a informar sobre a louça de Estremoz, descobri no catálogo Cerâmica neoclássica em Portugal. - Lisboa: IPM, 1997 um painel com uma cercadura exactamente igual, que só difere nas cores. Os meus são azuis e a cercadura da exposição é em amarelo e verde. O referido painel está datado de cerca de 1800.


Em cima do painel está um dos meus muitos crucifixos e no chão umas das minhas opulentas e sensuais Vénus pré-históricas, que provavelmente serão falsificações. As três coisas não tem nada a ver umas com as outras, mas por qualquer motivo desconhecido harmonizaram-se bem.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Meus anjos


Talvez não sejam bem anjos, mas antes aquilo que os italianos designam por putti, o que em português não se pode traduzir literalmente, pois o resultado fica muito feio. Enfim, à falta de melhor designação, são uns meninos gorduchinhos, que no passado enfeitavam o topo de grandes altares de talha dourada. Normalmente, eram postos aos pares e seguravam uma coroa ou abriam uma cortina como se fosse um pano de cena, sempre com a função de chamar a atenção para a imagem de Cristo, da Virgem, ou do Santo que ocupava o centro do altar.
Comprei-os na Feira-da-Ladra e como a minha casa é muito pequena, sem 10 cm que sejam de parede livre, foram parar ao tecto, o que até nem foi mau, porque consegui respeitar a colocação original para o qual estas peças de talha foram concebidas.

O tecto desta divisão foi já mandado fazer por mim, aproveitando o próprio formato da água furtada e imitando deliberadamente os antigos tectos de maceira dos solares portugueses. É um bocadinho ridículo colocar tectos com um ar palaciano num triste T1, mas ao mesmo tempo, os visitantes que sobem por umas escadas desengonçadas e acanhadas até minha casa, são apanhados por um efeito surpresa, quando abrem a porta e vêem aquela recriação de uma sala do Solar de Mateus à escala 1/43.

Falta-me agora qualquer coisa para pôr no meio dos anjos. Se eu fosse a Salomé, pedia a cabeça do José Sócrates, mandava-a dourar a ouro de lei e colocava-a lá no meio como se fosse um mascarão daqueles usados na Renascença.