quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Uma prenda de Natal ou gravura de moda do séc. XIX por Jules David

 
Bem sei que hoje deveria ter publicado qualquer post alusivo ao Natal, com uma imagem de uma Anunciação, um Anjo, um menino Jesus ou qualquer coisa assim, mas como já expliquei muitas vezes tenho um certo horror a escrever sobre quadras festivas e dias comemorativos. Recordo-me sempre das malditas redacções da instrução primária, das reguadas, das estaladas, dos puxões de orelha e dos insultos do meu professor e sobretudo do medo. Claro que é importante lembrar dias como o da Restauração, no primeiro de Dezembro, que restabeleceu a independência e nos livrou do problema que a pobre Catalunha atravessa agora. Embora não seja crente, também simpatizo com as comemorações do Natal, que relembram o nascimento de um homem muito especial e a sua mensagem de paz e tolerância, com a qual me identifico.

Enfim, deixo aos outros o trabalho de escreverem sobre as festividades natalícias e hoje queria-vos falar da prenda que vou oferecer a minha filha Carminho nesta quadra. Trata-se de mais uma gravura francesa de moda, publicada em meados do século XIX, que se irá juntar a outras tantas do mesmo tema e da mesma época, afixadas na parede do seu quarto e todas elas oferecidas por mim.
 
Estampa igual à minha da colecção do Rijksmuseum
Após ter comprado esta estampa na Feira de Estremoz, digitalizei-a e resolvi fazer alguma investigação no Google sobre ela e em menos de um minuto encontrei uma exactamente igual no site de um dos melhores museus do mundo, o Rijksmuseum, cuja gigantesca colecção de gravura está quase inteiramente digitalizada.
 
A estampa do o Rijksmuseum foi publicada no Le Moniteur de la Mode
 
 
No catálogo daquele museu holandês descobri que esta estampa foi publicada originalmente na revista Le Moniteur de la Mode, em 1852, com a autoria de Jules David. Publicada entre 1843-1913, conforme dados do Catálogo da Biblioteca Nacional de França, Le Moniteur de la Mode teve uma enorme popularidade numa época em que as pessoas civilizadas de todo o mundo eram francófilas e conheceu edições em francês, inglês e espanhol. Porém, a legenda da minha estampa, era diferente da do Rijksmuseum e o título indicava que tinha sido editada pela revista Modes françaises. Fiquei um bocadinho confuso, já que todos os pormenores eram iguais, o autor do desenho, Jules David, o editor, o Monsieur Gervais e até o nº, o 332.
 
Na minha estampa, em lugar do Le Moniteur de la Mode surge o título Modes françaises
 
Resolvi então seguir outra pista, o nome do autor do desenho, Jules David. Na Wikipedia inglesa, encontrei uma entrada para este senhor, que nos explica que Jules David (1808-1892) foi um dos mais prolixos ilustradores franceses do século XIX. Embora também tenha produzido ilustrações para obras mais sérias de literatura, história e geografia foi como ilustrador de revistas de moda que conseguiu que a sua obra chegasse a todas as casas de gente elegante, a todos os países e em todos os pontos do globo. Jules David começou a produzir figurinos de moda para as revistas especializadas a partir de 1839 e durante cinquenta anos concebeu os desenhos de todas as estampas do Le Moniteur de la Mode. Calcula-se em cerca de 2.600 o número de gravuras de moda de Jules David publicadas pelo Le Moniteur de la Mode e que foram depois republicadas em outras revistas de moda em França, Alemanha, Espanha e América ou em suplementos femininos de jornais ou revistas de actualidades um pouco por todo o lado.
 
Estampa do Le Moniteur de la Mode em edição inglesa. Colecção do Metropolitan Museum of Art

Este pioneiro ilustração das revistas de moda, foi também o primeiro a introduzir no género cenários e paisagens atrás dos figurinos.
 
 
 
Em suma esta minha estampa de moda, foi concebida por um dos mais activos ilustradores franceses do século XIX, Jules David e publicada em 1852, numa revista feminina ou num suplemento feminino de qualquer de jornal ou revista de actualidades, que replicavam regularmente as ilustrações do Le Moniteur de la Mode.
 
 

Alguns links consultados:
https://en.wikipedia.org/wiki/Jules_David
https://www.rijksmuseum.nl/nl/collectie/RP-P-2009-3325
http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb344440519
https://metmuseum.org/art/collection/search/398875

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Um candeeiro em biscuit ou a procura de um brinquedo da minha infância

bisque lamp
Candeeiro em biscuit com putti
Hoje apresento umas das minhas últimas loucuras, um candeeiro em biscuit, cuja base é formada por quatro putti ou anjinhos em volta de um balaústre, provavelmente coisa da primeira década do século XX. Claro, não precisava de mais nenhum um candeeiro lá em casa, mas não consigo resistir a biscuits e depois ele estava tão barato, que seria uma pena deixa-lo na banca do vendedor.

Bem sei que este candeeiro é uma peça kitch, de um gosto burguês, muito datado no tempo, mas desde criança sinto uma atracção especial por figurinhas de biscuit. Creio que tudo começou com uma palmatória em biscuit, representando um anjo da guarda e que existia num dos quartos, na casa da minha família paterna, em Outeiro Seco. Estava na mesinha de cabeceira junto à cama onde me punham a fazer a sesta e como em miúdo era demasiado irrequieto para dormir durante a tarde, ficava a olhar para aquele bonequinho cheio de vontade de brincar com ele. Muito depois disso, fizeram-se partilhas do recheio da casa, esta foi vendida e entrou num triste processo de decadência. A última vez que lá voltei, já com quarenta e tais anos, entrei na casa, já uma ruína completa e apesar de ter que fazer equilíbrio nas poucas tábuas, que sobravam no soalho, entrei nesse mesmo quarto e confesso, que ainda olhei através do chão esventrado, na esperança de encontrar o anjo em biscuit caído no andar inferior. Claro, a figurinha em loiça não estava lá, já devia nessa altura estar partida em mil pedaços, espalhados sabe-se lá por onde e eu desde então, compro estes biscuits, com o intuito de alguma forma reencontrar um momento da minha infância.
bisque lamp
 
Voltando ao candeeiro, quando o comprei estava em muito mau estado. Ter-se-á partido em tempos e o seu dono, que tinha sem dúvida muito apreço por ele, mandou-o restaurar a alguém, que o colou muito pacientemente e para disfarçar as fracturas aplicou uma substância qualquer, que com o tempo, ganhou uma coloração creme. De modo, que quando o comprei estava com um tom tão estranho, que nem parecia biscuit. Seguindo então os conselhos do meu amigo Manel, com o auxílio de acetona e de uma raspadeira, retirei aos poucos toda essa substância, que escurecia o branco do biscuit. Foi um trabalho demorado e paciente até porque toda a peça é cheia de pormenores, com braços, mãos, pernas e asinhas delicadamente modeladas.

Depois, disso, comprei um abat-jour antigo, um pano de damasco azul e uma franja com pincéis numa retrosaria da Rua da Conceição, em Lisboa. O meu Amigo Manel, com a sua habilidade e paciência, forrou o abat-jour, aplicou-lhe os passamanes, alguns deles antigos e o resultado satisfez-me muito. O abat-jour e a suas franjas deram  ao candeeiro o toque final daquele gosto muito burguês e sobrecarregado do início do século XX.
 
Quanto à origem do fabricante deste candeeiro não consegui apurar nada de definitivo. Presumo que seja coisa da primeira década do século XX, pois tem o seu quê do movimento da arte nova e nessa época os alemães inundavam as casas burguesas de toda a Europa e Américas com os seus bonequinhos de biscuit. Encontrei algumas peças à venda na net de uma fábrica alemã, a William Goebel Porzellanfabrik, datadas do princípio do século XX com um estilo idêntico a esta, mas é apenas uma hipótese.
 
Em todo o caso, os modelos que inspiram todas figurinhas em biscuit branco, fabricadas no início do século XX são as peças francesas de Sêvres, de qualidade excepcional e que pretendiam imitar o mármore. No século XIX e início do século XX, o francês Auguste Moureau (1834-1917) concebeu dúzias de anjinhos e cupidos combinados com damas vestidas à grega para a fábrica de Sêvres, que bem poderiam ter inspirado o fabricante do meu candeeiro.
 
Biscuit de Auguste Moreau. Foto https://www.anticstore.com
Resumindo, este candeeiro terá sido produzido algures na Alemanha ou na Europa Central, no início do Século XX, adaptando o estilo mais aristocrático dos biscuits de Sêvres ao gosto de uma burguesia sem recursos por aí além, mas que gostava de encher as suas casas de tralha, onde se misturavam todos os estilos históricos possíveis, tal e qual como eu faço no meu apartamento de assoalhada e meia.
bisque lamp
 

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Relógio de bolso Billodes

Montre de poche en argent Billodes

Este relógio de bolso em prata foi-me oferecido por um amigo, o Vasco, que conhece este meu gosto por coisas antigas e com efeito, estes objectos, que medem o tempo, que se desfaz a cada instante, encaixam-se muito bem numa casa cheia de velharias, tornadas inúteis por esse mesmo tempo.

Billodes não é uma marca conhecida de relojoaria. Na verdade, este relógio de bolso foi produzido pela fábrica do senhor Georges Favre-Jacot, na localidade suíça de Locle, na rua de Billodes, que se tornou célebre pela fabricação de uma marca de prestigio e que ainda hoje existe, a Zenith.


Este Senhor Georges Favre-Jacot (1843-1917) fundou a primeira fábrica moderna de relógios em 1865, em Locle, na Suíça. Até então, no fabrico de um relógio participavam 4 ou 5 artificies diferentes, cada um com a sua oficina numa parte distinta de uma cidade. Existia o ourives, que executava a caixa de prata, o marceneiro a quem cabia fazer a caixa em madeira, o cinzelador, que trabalhava os bronzes, o esmaltador para o mostrador, o relojoeiro propriamente dito e ainda um desenhador, autor da concepção geral da obra. Na moderna fábrica do Senhor Favre-Jacot, todos estes ofícios foram reunidos no mesmo espaço e na mesma empresa e começaram a produzir relógios numa escala industrial, que rapidamente conquistaram todos os mercados. Contudo, esta produção industrial da Georges Favre-Jacot pautava-se sempre por critérios de grande qualidade e precisão. A modernidade desta fábrica manifestava-se também na utilização da publicidade, como também pela preocupação da internacionalização dos seus produtos. A Georges Favre-Jacot apresentava-se sempre nas grandes feiras mundiais, como a na grande exposição universal de Paris de 1900, onde os seus produtos foram premiados e abriu sucursais em Paris ou Varsóvia, tinha negócios frutuosos na América e concebia relógios destinados a mercados específicos, como o Império Otomano ou Russo. As caixas dos seus relógios em prata eram concebidas por artistas como Georges Mucha  ou René Lalique, porque o Senhor Georges Favre-Jacot foi um dos membros fundadores do Werkbund na Suíça de expressão francesa. Este movimento pretendia conciliar indústria, modernidade e estética e aplicar a arte aos produtos industriais.


A decoração floral do relógio é de inspiração arte nova. Georges Favre-Jacot acreditava que os produtos industriais podiam ser ao úteis, precisos e ao mesmo tempo estéticos.

Normalmente os relógios eram comercializados com a marca Georges Favre-Jacot, mas para o mercado de exportação usavam nomes como Billodes ou Serkisoff. A partir de 1898, a marca Zenith começa também a ser usada progressivamente, até que a partir de 1911 torna-se o nome oficial da fábrica.


Quanto, a este meu relógio em particular, ele ostenta no interior uma referência ao prémio na exposição universal de Paris de 1900, portanto foi produzido depois de 1900.



Apresenta na tampa interior da caixinha a marca de punção suíça, usada entre 1880-1933, isto é, uma figurinha incisa, representando um galo montez ou tetraz. Portanto, o relógio terá sido fabricado depois de 1900 e antes de 1933.
A marca de punção suíça, usada entre 1880-1933


O número 0,800 refere-se à percentagem de prata usada, que obedecia à norma estabelecida.

Tabela retirada de https://sites.google.com/site/zenithistoric

Quanto são número de série ou movimento, uma espécie de bilhete de identidade do mecanismo, é o 1282097. Procurei numa tabela da Zenith, que equipara os números do movimento de série com os anos do início de fabrico, mas o ano de 1909, que corresponderia aos números 1200000 está em branco.


O número de série ou movimento do mecanismo é o 1282097

Enfim, presumo que o meu relógio terá sido executado entre 1900, ano da exposição universal de Paris e 1911, data em que se passa a usar em exclusivo a marca Zenith.


Algumas ligações consultadas:

https://fr.wikipedia.org/wiki/Georges_Favre-Jacot

https://sites.google.com/site/zenithistoric/

http://www.zenith-watches.com/fr_fr/icones/georges-favre-jacot