sábado, 25 de outubro de 2014

Uma borboleta num jarro da Vista Alegre

 

Este jarro do século XIX da Vista Alegre é uma daquelas peças com uma simplicidade decorativa muito bem conseguida.

Não consegui apurar muito sobre esta peça. Está marcada com o VA azul e embora tenha sempre alguma dificuldade em entender-me com as marcas da fábrica de Ílhavo, julgo que se deve tratar da marca 20, correspondente ao período entre 1870-1880. Aliás encontrei no Avaluart um bule com uma decoração semelhante, datado desta época e o Flávio Teixeira, também já mostrou no seu blogue algumas peças deste serviço, igualmente fabricadas entre 1870-1880.
Bule 1870-1880. Foto avaluart.com
É uma peça muito pesada, espessa, o que aliás é uma característica deste serviço, pois há uns tempos encontrei na Feira de velharias de Estremoz três travessas com esta decoração e o peso era igualmente impressionante. Foram peças concebidas para resistirem aos maus tratos das criadas desastradas ou de velhas damas com tremeliques nas mãos.

Este formato de jarro foi também muito usado pela Vista Alegre e encontrei vários da mesma época e de períodos posteriores, mas com decorações diferentes.

Contudo, mais do que as formas, o que é especial neste jarro é a decoração, com as folhas a sépia, alguns dourados e uma borboleta no centro, pormenor que nos prende de imediato a atenção. 


Encontro na simplicidade desta decoração alguma influência da arte japonesa. Aliás, segundo a obra, Le XIXe siècle français / dir. Stéphane Faniel. - Paris : Librairie Hachette, 1957, da colecção da revista Connaissance des arts, por volta de 1870-80, em alguns meios industrias cerâmicos franceses houve uma reacção contra uma certa rotina que se te instalado no fabrico de serviços de mesas, que repetiam invariavelmente os motivos estilo império ou o género de Sêvres. Algumas fábricas de porcelana, como a Haviland de Limoges empenharam-se então na renovação das decorações e foi a arte japonesa, que pela sobriedade e estilização dos seus temas que mais atraiu o seu interesse. O desenho tornou-se então fino, ligeiro, usando uma paleta de cinzentos, beijes e outras nuances pálidas.
Decoração de Félix Bracquemond
Haviland, Limoges 1876
Desta produção inspirada no Japão destacou-se o nome do do artista Félix Bracquemond.

Não sei se esta minha interpretação estará correcta, mas já tinha pressentido um certo gosto pela simplicidade da arte japonesa na Vista Alegre, numa ou noutra peça desta casa, conforme mostrei em 30 de Setembro de 2010 e a fábrica de Ílhavo estava atenta às modas das produções francesas, aliás muitas das peças das Vista Alegre mais antigas confundem-se com a última fase da chamada porcelana de Paris.

Em todo o caso, tendo este jarro ou não bebido alguma inspiração na arte japonesa, julgo que não ficará mal terminar este post com Un bel di vedremo" da ópera Madame Butterfly, composta Puccini e interpretada por Kiri te Kanawa.

sábado, 11 de outubro de 2014

Frascos de um antigo estojo de viagem

Quando me casei, a minha mãe deu-me uns antigos frascos de vidro facetado com tampas em prata. Como alguns deles eram perfurados na tampa, na altura convenci-me que seriam um conjunto qualquer de pimenteiro e saleiro, uma espécie de especieiro, enfim, nem pensei muito no assunto e coloquei-os a uso. Entretanto uma mulher a dias cavalona partiu um e a minha ex-mulher também deu conta de outro e resolvi em boa altura retira-los de uso.

Só muitos anos mais tarde me apercebi da função original destes frascos, já não sei se durante a visita a algum museu ou a folhear um catálogo de leilões.  Na realidade, estes frasquinhos com tampas em prata eram os restos do conteúdo de um antigo estojo de viagem, provavelmente destinado a um cavalheiro janota.
Estojo de toilette do séc. XIX. Cabral Moncada Leilões
Estes estojos de viagem começaram a ser usados no no século XVIII, por uma elite, a nobreza, sobretudo por homens e eram feitos em materiais de grande qualidade, com madeiras exóticas, como pau-santo e eram organizados em compartimentos, que continham toda uma série de frascos e frasquinhos, destinados a unguentos, loções, perfumes, pó-dentífrico e ainda toda uma panóplia de produtos para o cabelo e a barba, para o tratamento das unhas e onde não faltava um sequer um espelho. Podiam também conter compartimentos secretos e por vezes, uma caixa com instrumentos destinados à escrita. Como o próprio nome indica estes estojos de viagens eram para ser transportados, e para evitar que as coisas se quebrassem ou se entornassem, os recipientes estavam normalmente presos por fitas ou encaixados numa estrutura desenhada à medida de cada frasquinho ou instrumento.

No século XIX, com a construção generalizada de redes de caminho-de-ferro por toda a Europa, o hábito de viajar tornou-se muito mais frequente e e estes estojos passaram a ser usados não só pela nobreza, mas também por uma burguesia abastada. Neste século as mulheres passaram a igualmente a viajar e os estojos que lhes eram destinados, tornaram-se absolutamente luxuosos e complicados, autênticos "Vanity Boxes", numa expressão feliz, dada pelos ingleses. Ainda nos hoje, nos espantamos com o preciosismo e riqueza destes estojos destinados a estas damas do passado.
http://www.antiquebox.org/history-of-dressing-cases-and-vanity-boxes/
Os frascos que tenho, são mais simples e creio que pertenceram ao estojo de um cavalheiro. Talvez datem dos finais do séc. XIX ou ainda primeira metade do XX. Tenho a ideia de depois da II Guerra Mundial estes luxos acabam progressivamente. Claro, o Hermés em Paris ainda deve fabricar estes estojos e vende-los a milionários chineses, sheiks árabes e as estrelas de rock, mas são peças de excepção.

Estes frasquinhos não tem grande valor. Não passam de restos de um desses estojos de luxo, mas quantas vezes do passado herdamos apenas fragmentos. O tempo encarrega-se sempre de apagar quase tudo.

Alguns links consultados: