sábado, 16 de maio de 2020

Ao sempre jovem Francisco Manuel: memórias familiares

A primeira das fotos onde, ao centro, aparece o jovem, cujo rosto me pareceu apresentar os traços de família
Aproveitei o confinamento para começar a organizar as fotografias da família materna, que não são antigas como as do lado paterno, da família Montalvão. Há uma ou outra fotografia dos finais do XIX, mas a maioria são já da segunda metade do século XX. Os Morais não eram uma família fidalga e abastada como os Montalvões e só tiveram acesso à fotografia nos últimos anos do XIX.

A segunda fotografia. No topo, o terceiro jovem  a contar da esquerda é o mesmo da fotografia anterior.

A organização de fotografias deve obedecer a algumas regras e a primeira é sempre manter a ordem em que se encontram, isto é, nunca de deve desfazer um álbum, porque ele foi constituído por alguém e aquela aparente desordem traduz uma hierarquia de afectos ou os momentos mais significativos da vida de uma família, um baptizado, uma festa ou um passeio.

Mas, muitas vezes apanhamos fotografias avulsas, sem ordem nenhuma e muitas das quais não conseguimos identificar sequer as pessoas, o que nos faz sentir aquela angústia, de que parte da nossa memória familiar morreu para sempre. Contudo é preciso não desesperar e formar conjuntos por ramos familiares, por épocas, por acontecimentos ou pessoas e desta forma conseguem-se identificar muitas personagens ou situações. Neste trabalho de separação por conjuntos encontrei três fotografias datadas mais ou menos da década de 10 do século XX, onde havia um denominador comum, um jovem bonito de bigode e que parecia apresentar os traços da minha família, um rosto comprido, os olhos pequenos e a pele branca, enfim qualquer coisa de indefinível, em que eu me reconheci, numa época em que tinha apenas vinte anos.

O meu tio avô Francisco Manuel em menino.



O Francisco Manuel em jovem

Não sei porque suspeitei que fosse o irmão da minha avô materna,  que morreu jovem em 1916.  Dele conhecia uma fotografia em que era um menino e outra, mais jovem a 3 quartos, mas sem bigode. Existiam algumas parecenças com estas e as três fotografias que acima referi, mas não tinha provas, até ao momento, em que em casa do meu pai, ao estudar um levantamento que ele fez da história da família da minha mãe, encontrei uma fotografia do Francisco Manuel, com um bigodinho e confirmei as minhas suspeitas.

O Francisco Manuel no levantamento levado a cabo pelo meu pai
De facto, nas três fotografias, encontra-se  representado o meu tio avô, o Francisco Manuel de Morais, que morreu apenas com 25 anos, num acidente estúpido de caça, em 4 de Outubro de 1916. Terá usado a espingarda para baixar um ramo de uma figueira de forma a colher os frutos melhores e a arma disparou-se sozinha, pondo fim à sua vida, isto é, o que o seu pai conta numa carta de 11 de Outubro desse ano, dirigida a um amigo, Joaquim Cardoso da Cunha Júnior. Quando cerca de 80 anos mais tarde, o meu pai fez o levantamento mais sistemático destes acontecimentos, corria ainda na vila a história, que teria sido um dos companheiros de caça do jovem Francisco Manuel, um tal Padre Alípio Teixeira, que o teria morto acidentalmente.

Anuário da Faculdade de Sciências da Universidade do Porto (Antiga Academia Politécnica) , 1915. O Francisco Manuel era aluno transitário de ciências naturais, dos cursos para medicina.

Seja lá qual for a verdade acerca deste acidente, a morte do Francisco Manuel, que estudava Medicina na Faculdade Ciências das Universidade do Porto gorou todas as expectativas que o pai depositava nele. Na sua própria juventude, o meu bisavô, Clemente da Ressureição (1858-1944) quis estudar medicina, mas os pais, prentendiam que ele se ordenasse sacerdote, desejo muito comum entre todas as famílias naquela época, o último quartel do século XIX, já que era uma forma de progressão social garantida e que provavelmente implicaria menos custos que um curso de Medicina em Coimbra ou no Porto. Este conflito ter-se-ia resolvido quando a mãe dele, a minha trisavô Francisca lhe teria dito, ou és Padre ou não és nada e o jovem Clemente optou pelo nada e tornou-se lavrador, activade sem o prestígio e as garantias de ascensão social, cultural e económica de uma carreira médica ou na Igreja.

Mas, apesar do desfecho trágico da história do Francisco Manuel (1891-1916)  e do fracasso das expectativas do seu pai, o Clemente da Ressurreição, ficaram estas fotografias da sua juventude  dos seus companheiros de farra. Ao que parece, no Porto não terá tido uma vida tão virtuosa como isso e arranjou por lá uma companheira e um filho, mas também não admira pois ele era tão bonito.


A terceira fotografia. No topo, o segundo a contar da esquerda está o mesmo jovem das fotografias anteriores.



Verso da fotografia. Foi impressa em formato de postal, para enviar a amigos e familiares, o que nos dá a ideia de que esta reunião social foi importante.

Na última fotografia, o Francisco Manuel aparece um pouco mais sério, rodeado de damas e de uns cavalheiros mais velhos, que não consigo identificar. As senhoras mais novas usam já saias um pouco mais curtas, revelando os sapatos, numa moda típica do período da Primeira Grande Guerra (1914-1918), o que me leva a crer que poderá ter sido tirada pouco antes da sua morte, mas o sítio não o consigo identificar, mas foi sem dúvida no Norte e a casa que se vê ao fundo, com o balcão de madeira, parece-me típica de Trás-os-Montes, talvez mesmo de Vinhais. A ocasião que esta fotografia registou deve ter sido importante, pois há dois exemplares e são em forma de postal, para se poder enviar aos amigos e parentes. Talvez a jovem que veste uns ousados sapatos brancos, que se destacam na fotografia, fosse a companheira do Francisco Manuel no Porto e a reunião social tivesse sido uma apresentação à família.

Quem seria a jovem dos sapatos brancos, que tanto se destacam

Estas fotografias antigas tem sempre o seu quê de misterioso e levam-nos a imaginar histórias, que poderão estar muito longe da verdade.

O sempre jovem Francisco Manuel de Morais

segunda-feira, 4 de maio de 2020

A ilusão do luxo


Nos últimos tempos fui comprando objectos em casquinha, alpaca e outros materiais com pretensões a nobreza, pois dão-me a ilusão de um quotidiano mais requintando, usando um açucareiro ou uma caixa de chá que parecem prata. São normalmente coisas que se compram a bom preço nos mercados de velharias, pois apresentam-se muito oxidadas ou já sem a camada de prata original que as revestia. O tratamento para lhes devolver o brilho, a elegância e a ilusão de luxo, é muito simples, basta usar um produto para limpar pratas ou então o Pratex, que as reveste novamente de uma fina camada de daquele metal nobre.

Aproveitei agora o confinamento para limpar todas essas peças, que fui comprando e em alguns casos para renovar-lhes a fina camada de prata e o resultado foi tão bonito, que não resisti a apresenta-las aqui em conjunto. O açucareiro e a caixa de chá são coisas inglesas dos finais do XIX e inícios do XX, imitando o estilo da prataria neo-clássica. A caixa de chá sem decoração de qualquer espécie não tem marca nenhuma e tanto poderá ser francesa, inglesa ou portuguesa e os dois talheres são suecos. A Suécia sempre teve uma grande tradição na cutelaria e estas duas peças foram efectivamente compradas a um sueco, que vivia no Algarve, mas fazia a feira de Estremoz.

Talheres suecos


A colher para servir o molho ou talvez para verter a calda em algum doce está marcada. Foi fabricada pela GuldsmedsAktieBolaget, uma casa fundada em Estocolmo em 1867 e que hoje faz parte do grupo GENSE. Além do nome, "Guldsmeds, as restantes siglas, AB, são o desenvolvimento de AktieBolaget e NS, são as iniciais suecas de Ny silver, em português, nova prata, designação que se dava naquele País a estas galvanoplastias, que pareciam ser prata, mas não eram bem prata. Não faço a menor ideia da época em que foi produzida esta colher. Poderá até ser coisa da segunda metade do século XX. Até há bem pouco as famílias burguesas gostavam de comprar faqueiros ou mobílias num estilo qualquer do passado, um Luís XVI, renascença ou um D. João V.
Guldsmeds AB NS


Quanto à colher que serve para espalhar aquele açúcar muito fininho sobre os bolos, apresenta duas marcas, uma referente ao processo de galvanoplastia e materiais utilizados e outra identificando a decoração. Extraprime ALP NS, quer dizer uma alpaca de boa qualidade e o NS, alertava o consumidor, para que aquela colher era feita em nova prata, e não na antiga e verdadeira prata. Hagar é a residência da família real sueca, cujo nome que deu origem a uma decoração nos faqueiros, muito popular entre os cuteleiros daquele País, a julgar pelas pesquisas no Google.

Extraprime ALP NS


Estes processos químicos de revestir objectos em latão com prata ou por materiais que aparentassem ser prata generalizaram-se na indústria a partir de 1840 e permitiram colocar na mesa dos burgueses assim-assim a ilusão de estarem a usar uma baixela de prata, semelhante aquelas que serviam nas casas dos aristocratas ou dos grandes burgueses da alta finança e da indústria.

Casquinha, alpacas e outros materiais com pretensões a nobreza

Alguns links consultados com o auxílio do Google translator