quinta-feira, 29 de abril de 2010

Mais um tesouro reencontrado: o retábulo da capela do Solar dos Montalvões, em Outeiro Seco

Esta tem sido sem dúvida uma semana feliz. O Humberto Ferreira procedeu a uma verdadeira investigação arqueológica e policial por Outeiro Seco e Chaves e aos poucos foi juntando informações, que ouviu aqui e ali e localizou mais uma importante peça, que estava originalmente na capela de Sta. Rita do Solar de Outeiro Seco.

Ao conversar com os cuidadores da Capela de Nossa Senhora do Rosário, um pequeno templo na mesma povoação, a Sra. Dª Cidália e o seu marido o Sr. José Serra, foi informado por este último, que o retábulo, a parte frontal do altar mor, se encontrava actualmente na Casa de Cultura Popular de Outeiro Seco. O Humberto telefonou de imediato à senhora Presidente da Casa da Cultura, Antonieta Melo, marcou uma entrevista, deslocou-se à dita instituição e explicou-lhe mais ou menos o que procurava, uma peça de grande tamanho. A senhora respondeu-lhe só se for isto, apontando para o alto de um muro, a uma altura de 3 metros.

Segundo as palavras sentidas do Humberto, que transcrevo de seguida Ao olhar para cima, senti como um vazio no estômago, reconheci as cores do Altar de Santa Rita, os mesmos tons de azul e de vermelho, é uma peça linda. Nunca pensei que pudesse sentir esse tipo de coisas em adulto.

Estava encontrado o retábulo do altar da capela do Solar dos Montalvões!

Na fotografia imediatamente abaixo destas linhas, assinalo com uma seta a localização original do retábulo na capela de Sta. Rita, para que os leitores possam ter uma pálida ideia da magnificência do conjunto original. No centro do altar é perceptível a mancha que ocupava o Cristo, o Senhor dos Aflitos, que se encontra hoje no Museu de Arte Sacra de Chaves

Segundo a Sra. Presidente da Casa da Cultura, Antonieta Melo, quando tomou posse, o retábulo estava num canto misturado com o lixo e decidiu então emoldura-lo e coloca-lo na parede para o melhor proteger. Segundo a referida Senhora a peça teria sido tirada do Solar, logo após a sua venda, para poupa-la a eventuais vandalismos. Como já repararam não sou um homem muito dado aos adjectivos. Creio que até sou muito económico no seu uso, mas para agradecer ao Humberto Ferreira, ao José Serra e à Antonieta Melo sinto que precisava de usar adjectivos fortes e qualitativos, mas como me soam sempre a falso, limito-me a um simples e português, bem hajam!!
Fotos do Retábulo são do Humberto Ferreira e a do altar mor é do Manel

terça-feira, 27 de abril de 2010

A descoberta de um tesouro perdido da Capela do Solar dos Montalvões


Para os que acompanham este blog há pouco tempo, convém explicar que venho descrevendo uma velha casa solarenga que pertenceu à minha família paterna, os Montalvões e que se situa na aldeia de Outeiro Seco, perto de Chaves. A casa foi vendida nos anos 80 à Câmara Municipal de Chaves e hoje é uma ruína de partir o coração. Usando as memórias compiladas pelo meu pai, fonte incontornável do blog, tenho vindo aqui a costurar uma espécie de pequenos artigos, que pretendem reviver destinos passados do Solar e das pessoas, que por lá viveram.

Uma das coisas de que se tinha completamente perdido o traço era o recheio da capela particular da casa, isto é os, os santos e as alfaias religiosas. A minha avó Mimi que fez um inventário mais ou menos sistemático dos bens da casa, omitiu pura e simplesmente o recheio da capela. Chegámos a pensar que tudo teria sido pilhado e vandalizado. Numa troca de comentários com o Humberto Ferreira, um natural de Outeiro Seco, referi que o meu pai há muito tinha recebido um telefonema da Câmara municipal de Chaves pedindo-lhe se tinha uma relação dos santos existentes na capela. O nosso seguidor Humberto foi iluminado por uma espécie de clarão e no momento a seguir estava a telefonar a um rapaz de Outeiro Seco, que trabalha no Museu da Região Flaviense, mandou mails, fez mais telefonemas, escreveu uma carta registada à Câmara de Chaves e em três tempos já estava armado de uma máquina fotográfica nos depósitos e nas salas do Museu, acompanhando com o Carlos Félix ( o tal rapaz filho da terra). Em menos de uma semana, o Humberto descobriu o paradeiro dos Santos da Capela, fotografou-os a todos e fez-me chegar as imagens à minha caixa do correio!!!!!

Fiquei sem palavras de alegria, pensando que afinal nem tudo corre mal neste Portugal amargurado pela crise e a achar que o Humberto e o Carlos Félix foram como aquela equipa de arqueólogos britânicos, que trouxeram à luz do dia, em 1922, o túmulo de faraó egípcio Tutancâmon.

Nos anos 80, quando o Solar foi comprado o recheio da capela encontrar-se-ia lá na íntegra. Nessa época, o Carlos Félix, sugeriu ao presidente da autarquia de então, o Eng. Branco Teixeira, que era melhor recolher as imagens num depósito da Câmara antes que fossem roubadas, e é talvez graças a ele, que hoje podemos admirar duas estupendas imagens no Museu de Arte Sacra, um Cristo Senhor dos Aflitos e um Salvador do Mundo provenientes do Solar. As restantes encontram-se em nos depósitos do Museu da Região Flaviense, longe dos olhares do público, mas apesar de tudo a salvo da vilanagem.

Passarei então uma breve descrição das obras:

1- Encerrado numa maquineta que não proveio do Solar, o Cristo Senhor dos Aflitos é uma peça em marfim muito bonita, que julgo ser de produção oriental, certamente fabricada na Índia, para ser vendida na Europa. A Cruz parece talvez pau santo, mas o Manuel que é entendido em madeiras o dirá.

2- Também no Museu de Arte Sacra está o Cristo Salvador do Mundo. Transporta uma esfera que representa o mundo e o sacrifício feito na cruz para salvar a humanidade. Será certamente do século XVIII.
Depois no depósitos do Museu da Região Flaviense encontram ainda as seguintes peças:

- Uma Nossa Senhora da Conceição assente na característica meia-lua, que é muito ingénua, muito popular, um verdadeiro encanto. A senhora é coroada, pois D. João IV nas aflições da luta contra os espanhóis durante a Restauração ofereceu-lhe a Coroa de Portugal em troca da sua ajuda na guerra. É desde esse tempo padroeira de Portugal
- Uma Nossa Senhora. que está tomada como Senhora da Lapa, mas que eu julgo ser a Senhora da Assunção ou mais exactamente da Glória. O tema representa a morte de Nossa Senhora, a entrada da sua alma e do seu corpo no seu céu, em gloriosa Assunção. Tem por isso na base os anjos que servem para a transportar para o céu e a coroa de glória. As senhoras da Glória e da Assunção tem significados e representações idênticas, só que as primeiras costumam ter também o menino Jesus na mão, igualmente coroado. O Carlos Félix chamou a atenção para o facto de a escultura estar fixa numa tábua com quatro furos, pelo que é muito provável, que tenha sido armado o andor e saído em procissão. Também segundo o referido Senhor, era esta imagem que estava no centro Altar-mor da Capela de Santa Rita, quando foram recolhe-las nos anos 80
- Uma santa que está dada como Santa Ana e que eu julgo ser Sta. Teresa de Ávila. Normalmente Santa Ana é representada juntamente com a Virgem, muitas vezes ensinando-a a ler e muitas vezes ainda com o menino Jesus, formando um trio. Esta imagem deve ser Sta Teresa de Ávila, pois está vestida de Carmelita, em atitude de êxtase, enverga um livro, pois é a primeira doutora da Igreja e na outra mão deve ter tido uma pena, alusão aos seus dotes de escritora mística.
Compare-se esta imagem com a do Museu de Abade Baçal e veja-se se não representam a mesma Santa, embora a do Museu Brigantino tenha um traje mais esplendoroso
- Um Sta. Rosa. Parece-me a Sta Rosa de Lima. Embora originária do Peru, a devoção a esta Santa era muito popular em Portugal. Apresenta a coroa de espinhos característica desta figura. Contudo a Santa Rosa de Lima era dominicana e o traje desta imagem parece-me de uma franciscana, o que me leva a crer que poderá ser a Santa Rosa de Viterbo. Em todo o caso, esta imagem teve qualquer atributo nas mãos, que se perdeu entretanto e que poderia ajudar a identificar melhor qual das Santas Rosas se trata. Ler mais sobre este assunto.
- Uma Santa Rita de Cássia, o orago da capela. Advogada das causas impossíveis e dos terramotos a sua devoção em Portugal foi muito popular, sobretudo depois do grande sismo de 1755. A iconografia é muito típica conforme se pode ver pelo registo pertencente à Casa Sarmento , que apresento em seguida
- Por último, a minha imagem preferida, um Santo António de Lisboa lindo de morrer, segurando um menino Jesus igualmente encantador. Não tenho palavras para descrever esta imagem. As fotografias falam por si. Os historiadores de arte referem muitas vezes que uma característica fundamental da arte sacra portuguesa é uma certa familiaridade e esta imagem dá-lhes razão. Apetece beijar o menino e o Santo é apenas um irmão mais velho, que os pais encarregaram de tomar conta de Jesus enquanto sairam para trabalhar. O Humberto fez mais descobertas surpreendentes, mas essas ficam para um próximo capítulo. Em todo o caso, em nome dos membros da família Montalvão que ainda se importam com a casa, quero-lhe agradecer a ele, ao Carlos Félix e à Câmara Municipal de Chaves a redescoberta dos Santos do Solar. O Meu pai tinha razão, as pessoas de Outeiro Seco são uma gente especial.




Para saber mais sobre a capela ver post de 14 de Abril

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O leque da Mimi

A minha avô paterna Maria Montalvão Cunha gostava do passado. Estimava as coisas antigas. Já aqui terei escrito muitas vezes que gostar de história, conservar objectos dos antepassados é uma forma de fugir ao presente e uma atitude romântica e certamente essa classificação servia à minha avô Mimi como uma luva. Talvez por se refugiar nesse mundo dela, da literatura e da história, fosse uma pessoa egoísta, mas que me interessa a mim julgar os que já deixaram este mundo?

Gostava dela e na sua casa pequena, impecavelmente mobilada e desconfortável, onde tudo tinha uma função decorativa e nunca prática, aprendi a gostar dos objectos antigos, a perceber que eles podiam transportar histórias antigas de gente que já morreu, de épocas desaparecidas e que isso era divertido, tal como uma série histórica produzida pela BBC e que antigamente a televisão pública passava em horário nobre.



Maria de Montalvão Cunha


Um dos objectos que recebi dela é este leque pelo qual tenho uma paixoneta. Adoro a figura central, uma espécie de gnomo montado num gafanhoto. Tenho a ideia que será talvez a ilustração de algum conto infantil dos irmãos Grimm, de Perrault ou talvez de uma fábula de Ésopo ou La Fontaine. Aliás toda a decoração do leque é muito suave e alegre, própria para uma menina prestes a entrar na adolescência. Não sei de quem a minha avó o recebeu. Se da mãe dela, a Ana Alves ou se da Maria do Espírito Santo Montalvão, sua avô paterna, a senhora que se envolveu em amores com o Padre Rodrigues Liberal Sampaio. A decoração suave evoca a primeira metade do século XIX, mas não tenho a certeza da sua época

Mas, independentemente de conhecer a sua proveniência exacta, contemplar este leque na minha sala é uma boa maneira de me lembrar da Mimi

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Velhas histórias do Solar dos Montalvões: as visitas de Madame Carmona

Volto hoje ao solar de Outeiro Seco, ao tempo em que era uma grande casa rural, em que as paredes estavam caiadas e era habitada por uma família numerosa. Nos anos 30 e 40 a família Montalvão tinha-se tomado de grandes amizades com Madame Carmona, a mulher do Presidente da República de então, António Óscar de Fragoso Carmona (1928-1949). Não sei exactamente como começou a esta relação de amizade, mas houve imensas oportunidades para travarem conhecimento. Maria do Carmo Ferreira da Silva Fragoso Carmona era natural de Chaves (1879 - 1956) e já primeira-dama, mantinha o hábito de ir para as termas de Vidago, fazer a sua cura anual de águas. Portanto, proporcionaram-se certamente ocasiões para algum dos Montalvões e a Madame Carmona tomarem-se de amizades.

Esta relação tornou-se uma coisa forte e viram-se repetidas vezes. O Presidente Carmona visitou o solar várias vezes e só quando o mais alto dignitário da nação lá entrou, a família, tradicionalmente monárquica, mandou retirar a bandeira azul e branca, que continuava hasteada na casa, apesar da república ter sido em 1910 e coloca-la no Museu. A bandeira monárquica ficou em exposição no museu até a altura em que a casa foi vendida. Que será feito dessa bandeira?

Todos os anos ou quase todos os anos, a Madame Carmona alojava-se no Palace de Vidago para fazer os seus banhos termais e a família embandeirava em arco para fazer uma visita de cortesia à augusta senhora. O marido, o Carmona, acompanhava-a, mas creio que ficava menos tempo. Nesse período, o meu bisavó, José Maria Ferreira Montalvão, que nunca tirou a carta de condução na vida, colocava a família engalanada nas suas melhores roupas dentro do grande Opel Modelo B18 de 1931, pegava no volante e lá iam eles estrada fora em direcção a Vidago, buzinando, matando galinhas, cães e gatos e às vezes até burros.



OPEL. modelo B18- 1.8 (1931) em todo idêntico ao do meu bisavô, excepto a matrícula, que era MN-20-08 e a cor que era azul escuro. Imagem retirada de http://www.doidosporclassicos.com/


Ao que parece a sua fama de mau condutor era de tal ordem, que quando chegava ali largo do arrabalde em Chaves, o sinaleiro mandava parar o trânsito todo para o meu bisavô passar no seu potente Opel de 6 cilindros em linha (Segundo consta, no Natal, o meu bisavô presenteava sempre os polícias de Chaves com umas garrafinhas de vinho fino, para lhe perdoarem as muitas azelhices). Depois, seguiam para Vidago e lá faziam a visita à Madame Carmona.

Vemos aqui esta fotografia de grupo tirada em 1940 frente ao Palace de Vidago. Madame Carmona é facilmente reconhecida pela estola de raposa e o ar majestático. O senhor e a senhora de óculos, bem com a senhora de casaco de malha são da entourage da Madame Carmona e os restantes são os meus bisavós, os meus tios avós e a minha avô Mimi.
Madame Carmona em Outeiro Seco, no jardim da fachada Nascente do Solar dos Montalvões

Madame Carmona retribuía sempre a visita e ia frequentemente ao solar, conforme se pode ver nesta fotografia, tirada no jardim que existia a Nascente da casa, numa álea cheia de hortênsias azuis. Sentada numa cadeira de tesoura está a minha bisavô Aninhas. À esquerda, encontra-se a Tia Marica de quem já falei aqui, depois a sua dama de companhia, no centro Madame Carmona, que segura nos ombros da minha bisavó e finalmente o meu tio Luís, que era um grande janota. Estas visitas eram importantes para a terra, e a banda deslocava-se especialmente à casa e tocava uma fanfarra qualquer. No Solar, a Madame Carmona recebia muita gente aldeia e do Concelho, que lhe pedia isto e aquilo, favores de diversa ordem. Uma pedia-lhe para livrar o filho da tropa, o outro um emprego nos correios e aquele outro uma transferência na administração pública. Havia um Imediato da Casa da Presidência, que ia anotando tudo num carnet. Segundo consta, Madame Carmona, que nunca esquecia as suas origens flavienses, sempre que possível, dava andamento aos pedidos dos seus conterrâneos. Os meus tios avós arranjaram todos emprego nessa Época...

Enfim, todos nós sabemos que em Portugal, a coisa sempre funcionou com um conhecimento aqui, uma palavrinha certa acolá e pronto, os processos andam, a coisa resolve-se e palavras para quê.

Normalmente, quando a Madame Carmona vinha a Chaves organizavam-se grandes idas a Espanha para fazer compras. Na altura, as fronteiras estavam fechadíssimas e comprar um pacote de café, azeite ou bolachas podiam representar sarilhos gravíssimos com a Guarda fiscal. Mas, quando a enorme comitiva de Madame Carmona voltava de Verin, em Espanha, com os carros carregados de compras, de vestidos, comida, carrinhos de bebé nos tejadilhos, a Guarda fechava os olhos e lá passava uma caravana de 10 ou 15 automóveis.

Em Lisboa, os meu tios eram, também convidados frequentes da cidadela de Cascais.

Ao que parece Madame Carmona teria tido uma origem humilde e a sua relação inicial com Óscar Fragoso Carmona está envolta num certo mistério. Só legalizaram o casamento em 1914, depois de já terem três filhos. Dizia-se que era pouco instruída e que cometia numerosas gaffes, das quais resultaram muitas anedotas. Numa dessas piadas, que foram populares na altura, conta-se que alguém chamou à atenção a Madame Carmona para evitar dizer constantemente a Gente fez, a gente foi inaugurar um fontanário, a gente fomos convidados e que em lugar de a gente, era mais correcto dizer nós, como por exemplo, nós fomos, nós vimos uma ópera, etc. A Madame Carmona acatou sensatamente o conselho e um belo dia, em que ela e o marido numa qualquer visita oficial foram surpreendidos por uma enorme manifestação espontânea, daquelas que o Estado novo gostava muito de organizar, teria exclamado Olha, tanta nós!!!

Enfim, não sei se corresponderá à verdade. Até porque muitas das anedotas que correram sobre a Madame Carmona, voltaram-se a contar exactamente iguais acerca da Gertrudes Tomás e de outras primeiras-damas.

Mas, os flavienses devem-lhe muito e olhando para as suas fotografias não podemos deixar de pressentir uma personalidade forte, uma mulher imponente que não andava ali a ver passar comboios.

Um santo que parece um Deus Grego ou o Martírio de S. Lourenço por Baccio Bandinelli

Tenho em minha casa há muitos anos esta gravura representando o martírio de S. Lourenço. Foi impressa por um dos mestres gravadores mais conceituados nesta arte, Armand-Durand (1831-1905), que teve o seu atelier em Paris. Trabalhou sobretudo com obras dos grandes artistas dos séculos XV, XVI e XVII, que eram aqueles que ele mais admirava, realizando para esse efeito aturadas pesquisas nas colecções privadas e públicas.

Os irmãos Van Gog, Vicent e Theo tinham uma admiração enorme pela obra de Armand-Durand.

Armand-Durand notabilizou-se sobretudo pelas gravuras que executou da obra do pintor holandês Rembrandt. Como na época, as pranchas de cobre das gravuras originais do pintor holandês eram pouco conhecidas e não apareciam nos mercados de antiguidades, a partir de um estudo minucioso das gravuras e quadros existentes, o artista francês executou um caderno de pranchas de cobre absolutamente magnifico. As gravuras executadas a partir desse caderno de matrizes tornaram-se apreciadíssimas em toda a Europa. Nos anos 80 do século XX, esse caderno com pranchas de cobre que estava nas mãos da família Dominique Vincent foi alvo de uma disputa renhida entre o Museu do Louvre, a Bibliotéque Nationale de França e um marchand americano de arte. O americano venceu a disputa e levou para a casa as 348 pranchas de cobre.

Esta minha gravura terá sido pois imprensa na segunda metade do século XIX, em Paris por Armand-Durand, mas infelizmente não foi feita a partir de nenhum Rembrandt, porque senão, eu poderia vende-la e dar talvez uma entrada para um carro novo, que o meu já começa a dar sinais de cansaço. Terá sido executada para o mercado português e brasileiro da época, que devia justificar monetariamente a encomenda, pois como já sabemos, no século XIX as obras com temas piedosos eram altamente apreciadas nas lusas paragens, ainda que este S. Lourenço tenha um corpo capaz de tentar as mais devotas e os mais tementes a Deus...
O mestre gravador francês usou uma obra de Baccio Bandinelli (1493-1560) um pintor, escultor e desenhador do Renascimento italiano, que teve o azar de ser contemporâneo de Miguel Ângelo, e por essa razão foi sempre visto como um artista mediano, já que suas esculturas e pinturas sofriam sempre com comparação das obras primas saídas da mão do Buonarroti. Bartolommeo Bandinelli ou Baccio Bandinelli como ficou conhecido, era filho de um ourives florentino e trabalhou mais ou menos toda a vida sob mecenato dos Médicis. Dele os críticos diziam, que era um excelente desenhador, um óptimo escultor de obras em pequena escala, mas infelizmente só gostava de executar esculturas colossais, para as quais lhe faltava definitivamente o talento e a mestria de execução de Miguel Ângelo.

Este martírio de S. Lourenço que aqui vemos fazia parte de um projecto para um grande fresco, encomendado pelo Papa Clemente VII, para a capela de S. Lourenço em Florença e que nunca chegou a ser concretizado. Percebe-se assim porque é que o desenho é tão arquitectural, pois destinava-se a preencher o espaço de uma grande parede. Temos assim uma composição repleta de personagens num vasto espaço arquitectónico, mas que não negligencia a legibilidade da cena central, o martírio do santo na grelha. O fundo arquitectónico à antiga, elaborado com um forte eixo de simetria, com o efeito das aberturas e jogos dos planos, confere uma teatralidade dramática ao martírio de S. Lourenço.

O S. Lourenço encontra-se nu e apresenta um corpo de atleta, como só os gregos, romanos e artistas do renascimento italiano souberam desenhar ou talhar. Veja-se este admirável torso masculino de Baccio Bandinelli também do Louvre.

Como já escrevi anteriormente, esse fresco, não chegou ser executado, porque entretanto os Médicis, patronos da obra caíram em desgraça. Mas conservaram-se esboços e gravuras. Descobri um dos esboços na base de dados, Joconde, guardado no Museu do Louvre.

Baccio Bandinelli teve também tempo de dar um dos desenhos do projecto a um gravador célebre na altura, Marcantonio Raimondi (colaborador de outro génio do renascimento, Rafael) que executou esta gravura em 1526. O British Museu conserva um exemplar com esta data, que aqui reproduzo.

Alguns séculos mais tarde, no Século XIX, Amand-Durand que admirava incondicionalmente o renascimento, reimprimiu esta gravura de Baccio Bandinelli, que os críticos hoje em dia tendem a valorizar mais, sobretudo pelos seus méritos de desenhador, que bem podemos apreciar neste martírio de S. Lourenço

Legenda:


Marthyrio de S. Lourenço, Diácono
10 de Agosto de 258
Desenho de Baccio Bandinelli gravado por Marco António em 1526 pouco mais ou menos e dedicado ao Santo Padre Clemente VII. Ao Centro vê-se o perfeito Cornélio Secularis, rodeado de membros do Senado e dando ordem aos carrascos. Mais acima uma varanda cheia de Christãos pobres, a que o santo distyribuira os thesouros da Egreja e que o prefeito reclamava. S : Lourenço meio deitado nas grelhas ergue-se e confirma com o gesto estas Formosas palavras “ aquellas virgens, aquelles desvalidos, aquellas viúvas é que são os thesouros da Egreja” Trazem os carrascos materiaes combustíveis para atear a chama , um d’elles armado de um forcado forcejava para derrubar o Santo sobre o seu leito em brasa

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Jarro de medida de farmácia

Não, não ganhei o euro-milhões e desatei a comprar louça de farmácia dos séculos XVII e XVIII. Bem que gostaria, porque a faiança portuguesa desses dois séculos é deslumbrante, mas está irremediavelmente fora do alcance da maioria das bolsas.

Esta peça é uma réplica de excelente qualidade de um jarro de farmácia do século XVIII, (até está esbeiçado) que pertence às colecções do Museu da Farmácia. Segundo me informaram aqui no blog, é um trabalho da OFICINA MONTE SINAI, localizada no elevador da Bica 71 r/c, que desenvolve um importante trabalho de reprodução da faiança portuguesa do Sec. XVII e Sec. XVIII. Esta oficina costuma trabalhar para os Museus e Palácios do Ministério da Cultura, o Museu da Farmácia, o Museu da Presidência da Républica Patriarcado de Lisboa e ainda para o Instituto de Santo António em Roma etc. Comprei-a na feira-da-ladra aquele rapaz tatuado, muito simpático, de quem já falámos aqui.

O Jarro ostenta o escudo da ordem dos Carmelitas e não é por acaso. Com efeito, em Portugal e em quase toda a Europa, até aos finais do século XVIII as farmácias só existiam nos conventos e mosteiros. As grandes casas religiosas dispunham de grandes boticas, destinadas a fabricar remédios para os monges e freiras, mas também para a comunidade da região que os circundava. Em anexo à botica funcionava sempre um jardim ou horto botânico, pois os medicamentos da época eram invariavelmente feitos a partir de ervas, plantas, flores, sementes e etc. A química estava pouco desenvolvida.

Por esta razão, frequentemente a louça de farmácia, canudos, boiões, jarros e xaropeiras ostenta as insígnias das grandes ordens religiosas, tais como os carmelitas, dominicanos ou franciscanos.

Para quem aprecia a faiança portuguesa dos séculos XVII e XVIII, deve ir obrigatoriamente ao Museu da Farmácia, que fica ali na R. Marechal Saldanha 1, junto ao miradouro de Santa Catarina, em Lisboa. O horário é meio tonto. Abre aos dias de semana e nas tardes do último Domingo de cada mês, mas a visita é deslumbrante. A colecção de faiança portuguesa dos seiscentos e setecentos só terá talvez paralelo no Museu Nacional de Arte Antiga.

O museu dispõe também de uma colecção de canudos de farmácia do século XVIII em vidro, que são além de bonitos, raros, pois este material é muito mais frágil que a faiança.

O museu dispõe também de antigas farmácias do século XIX e inícios do XX com o mobiliário e recheios completos, cujos donos se quiseram desfazer delas. Apresenta ainda duma secção internacional com uma colecção de vidros romanos linda de morrer, faianças francesas e italianas dos séculos XVII e XVIII e ainda um conjunto requintado de canudos franceses em porcelana do século XIX. Enfim, quem quiser educar o gosto e regalar os olhos, visite o Museu de Farmácia

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A capela do Solar dos Montalvões em Outeiro Seco ou uma imensa tristeza

O Humberto Ferreira ofereceu-se amavelmente para me enviar imagens actuais do solar de Outeiro Seco. Confesso-vos que não fiquei muito interessado. Quando lá estive com o Manel há cerca de 4 anos, fez-se uma extensa e sistemática reportagem fotográfica e não me apetecia ver mais imagens, que mostrassem, que a casa ainda se arruinou mais, que as últimas chuvas fizeram mais rombos nos telhados e que o dia em que tudo desabará como um castelo de cartas está cada vez mais próximo.
Contudo, o Humberto insistiu e enviou-me mais imagens, e fez bem, porque algumas delas são extraordinárias, sobretudo as da capela, que é o corpo do edifício com melhor tratamento arquitectónico. Apesar da ruína, da sujidade, das brechas e do vandalismo a extraordinária beleza da capela sobrevive ainda e mostra uma dignidade, que talvez pareça ainda desafiar o tempo, se nós não soubéssemos como os homens são capazes de destruir rapidamente, aquilo que levou séculos a erguer e a construir.
À entrada da capela temos a inscrição latina SALVATOR MUNDI DEUS MISERE NOBIS, depois temos o interior, onde no alto do altar, sobrevive uma talha dourada luxuosa, impressionante mesmo, que o Humberto fez o favor de fotografar.




A Capela dispunha também de um coro, que dava acesso à sala do Museu e era daí que a família assistiria aos ofícios divinos. Claro, a estrutura em madeira do coro, já caiu.



Para além da história da Maria do Espírito Santo, minha trisavó, já contada neste blog no post de 22 de Janeiro, que se encontra lá sepultada, sabemos muito pouco ou quase nada sobre esta parte do edifício. Como os arquivos da casa desapareceram não conhecemos o nome do arquitecto a quem encomendaram a obra e certamente, dada a qualidade deste corpo imaginamos que não foi a um jeitoso qualquer. A minha a avó Mimi (Maria Montalvão Cunha) fez um inventário mais ou menos pormenorizado de quase todos os bens da casa, do qual tenho uma cópia. Contudo, não escreveu uma linha sobre a capela e é estranho pois era uma mulher culta, habituada a ver museus e sabia certamente apreciar o valor de uma imagem barroca do século XVIII e aos nossos olhos parece natural, que tivesse descrito no inventário o recheio deste templo particular da família. O meu pai tem a teoria de que a minha avó se impressionava de lá entrar, sabendo que os ossos da sua própria avó se encontravam por depositados. Eu não creio. Julgo que a minha avó Mimi, católica convicta como era nunca lhe passou pela cabeça que o conteúdo da capela pudesse vir a ser um dia dividido ou pilhado. Para ela, o recheio da capela seria indivisível, parte integrante daquele espaço sagrado, que para ela ficaria certamente aberto ao culto da população. Julgo que a Mimi não conseguiria conceber que uma igreja fosse dessacralizada.


Enfim, também há hipótese mais prosaica de a minha avó não ter tido tempo de terminar o inventário. Quantas vezes deixamos trabalhos que nos são são tão caros por fazer.

Também tenho uma pequena guerra como o meu pai, que um dia hei-de vencer, de que uma boa parte dos casamentos dos montalvões eram lá feitos. Há uma fotografia que anda perdida, que mostra a minha avó Mimi no dia do seu casamento com o Silvino, com a Maria Natália ainda menina, a saírem da capela de Outeiro Seco.

O nosso seguidor, Humberto, transmitiu-me a este propósito que os mais velhos em Outeiro Seco ainda contam que chegaram a ser rezadas missas na Capela do Solar pelo Padre Liberal e que as mesmas eram muito concorridas, talvez não só pelos dons de oratória mas, porque no final da missa distribuíam uma maçã a cada criança.

Mas, enfim nada sabemos dos Santos que se encontravam na capela. O Humberto Ferreira adiantou-me que por lá existiria certamente uma Santa Rita, aliás o nome da rua para qual dá e o nomes de algumas das minhas antepassadas. Segunda a mesma fonte, a população conhece-a como capela de Sta. Rita. Outro natural de Outeiro seco, o Joaquim Ferrador falou que um das imagens era a de São Salvador, o que faz sentido com a inscrição latina que ornamenta a entrada da capela.

Há uns anos, telefonaram ao meu pai da Câmara Municipal de Chaves perguntando se o meu pai sabia o nome dos santos que ornamentavam o interior da capela. Será que estão na posse do município flaviense?

Se os habitantes de Outeiro Seco quiserem conversar com os seus pais e os mais idosos da aldeia, perguntando-lhes que santos dispunha a capela, agradeço e compilarei aqui essas informações.





A imensa tristeza


Créditos: A primeira foto é do meu amigo Manel, a do Padre Liberal Sampaio é dos arquivos da família e as restantes foram gentilmente cedidas pelo Humberto Ferreira

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Mais algumas informações sobre a Mina do solar dos Montalvões em Outeiro Seco


Os blogs são de facto comunidades muito interessantes que permitem trocar ideias e conhecer pessoas, que de outra forma nunca cruzariam os nossos caminhos. O tema do Solar dos Montalvões de Outeiro Seco, que numa perspectiva que pode até ser válida, só interessaria a mim e aos meus familiares mais próximos, para alimentarmos a vaidade de descendermos da velha fidalguia transmontana, tem afinal despertado atenção nos seguidores deste blog, bem como nas pessoas de Outeiro seco, que tem respondido de uma forma positiva, nomeadamente, o Altino Rio e o Humberto Ferreira.

Este último, enviou-me muitas fotografias e um grande texto explicativo, que ainda estou a trabalhar e a estudar, pois como não me criei em Outeiro Seco, tenho sempre que fazer muitas perguntas, antes de perceber tudo o que se passa.

Segundo o Humberto Ferreira, antes de se chegar a Mina de pedra bem talhada, que descrevi no post de 1 de abril, http://velhariasdoluis.blogspot.com/2010/04/mina-do-solar-dos-montalvoes-outeiro.html, existiam mais duas minas entre esta e o Pinhal (a nascente), e que faziam obviamente parte do mesmo sistema.



A primeira Mina (imagem cedida por Humberto Ferreira)


Existia uma primeira, mais a norte, que na época, era também muito bonita, que segundo as palavras do Humberto Ferreira: Tinha uns degraus em granito, ao chegar ao fundo podíamos ver uma plataforma e um arco perfeito também em pedra muito picada (lisinha) e olhando para o interior via-se que havia também "lages" em pedra no chão dos lados e o túnel continuava todo em pedra com a mesma perfeição que tinha à entrada. Outra coisa que nunca esquecerei é que a água era, como dizem por estes lados, clarinha como um cristal.

O estado dessa Mina é o que vemos hoje na fotografia. Lamentável.

O Túnel continuava para baixo e antes de chegar à mina mais bonita, tinha também outra saída, que segundo o pai do Humberto, também tinha as pedras bem talhadas. Ainda se podem ver algumas lajes desta minna, nesta fotografia cedida por Humberto Ferreira


Finalmente a água chegava então à Mina principal descrita no post http://velhariasdoluis.blogspot.com/2010/04/mina-do-solar-dos-montalvoes-outeiro.html

Acerca destas minas corriam lendas e histórias entre a população de Outeiro seco. Numa das histórias, uns rapazes entraram na mina e encontraram uma arca com vários tesouros. Também se dizia que existia uma passagem secreta para o Solar dos Montalvões. Não sabemos se é verdade, mas é certo que houve muita prata e ouro, que as pessoas mais abastadas esconderam durante as invasões francesas, sobretudo durante a Segunda Invasão, que entrou em Portugal por Chaves (o meu pai lembra-se de ouvir falar a sua avó, que sua trisavó tinha enterrado a prataria). A tal passagem secreta para o Solar dos Montalvões talvez seja uma confusão com o quarto secreto existente no Solar ou com os canos que saiam da rede da mina e abasteciam o pátio interior e o jardim da fachada Nascente. Em todo o caso, minas e subterrâneos combinam muito bem com lendas.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Cantão popular


Volto ao tema do cantão popular para mostrar mais uma variante, que demonstra a minha teoria, de que houve vários centros de fábricos, em cidades distintas e em períodos diferentes a produzirem esse motivo decorativo, derivado do padrão do salgueiro, como já se viu em anteriores posts e que é erradamente conhecido por Miragaia.

Por exemplo, esta jarra de flores que herdei da minha avô Mimi mostra um tipo individualizado de padrão do salgueiro, em que o palácio do mandarim é muito abstracto, parecendo uma composição, feita a partir de várias meias luas. O chorão assemelha-se a um para-quedas. Tenho também uma malga, essa mais recente, adquirida na feira-da-Ladra, mas que apresenta o mesmo palácio do mandarim, formado por várias meias luas e o chorão em forma de para-quedas.


O meu amigo Manel, a quem eu contagiei com a incurável doença do coleccionismo do cantão popular, tem uma sopeira (segundo o glossário proposto pelo Itinerário da faiança do Porto e Gaia, as terrinas são ovais e as sopeiras redondas, embora as duas sirvam o mesmo efeito) também com o motivo do palácio feito a partir de meias luas e a árvore em forma de para-quedas. Contudo, a peça foge ao padrão habitual dos azuis e brancos e apresenta um verde acinzentado. (já sei que todos os seguidores do blog vão dizer que é não é verde, mas outra cor qualquer, mas não tinha ninguém perto de mim para perguntar)








Por último, o meu amigo Manel é também dono de outra sopeira, com o mesmo motivo do palácio do mandarim feito a partir de meias luas, mas que apresenta uma inusitada variante, uma palmeira ou uma flor gigantesca, furando assim completamente os esquemas tradicionais de representação dos derivados do padrão do Salgueiro.


Claro, nenhuma delas tem marca. Quem fabricou estas peças em que o palácio do Mandarim é uma estranha composição feita de meias luas? Coimbra, Aveiro ou Porto? Aceitam-se apostas e palpites