quinta-feira, 1 de abril de 2010

Mina do solar dos Montalvões: Outeiro Seco

Talvez a uns 50 metros da fachada Norte do solar dos Montalvões situa-se a Mina. Apesar das ervas daninhas e das silvas que a invadem e escondem, ainda é possível apreciar a obra de cantaria bem talhada, que a imagem dá uma pálida ideia (na altura não tinha Câmara digital e só tirei um instantâneo). A mina era grande, cabia lá um homem dentro e trazia água de bastante longe, do fundo do pinhal da propriedade. Estava construída com uma das técnicas que os romanos usavam nos seus aquedutos, isto é, desde o seu local de captação no Pinhal até à mina, tinha sempre a mesma suave inclinação, numa medida tal que permitia que o necessário líquido corresse continuamente, sem formar poças de água estagnada, mas sem ser depressa demais, com uma força capaz de destruir as paredes.




A Mina que estava dentro da propriedade (Imagem gentilmente cedida por Humberto Ferreira)

Não nos deixavam muito ir brincar para a zona da mina. Diziam que havia partes do terreno, susceptíveis de cederem ao nosso peso. Não sei se seria essa razão. O meu pai falou-me de um tipo de granito mais fraco naqueles terrenos, mas eu interrogo-me se a Mina teria orifícios de respiração como os aquedutos romanos, quando corriam enterrados. Nós eramos apenas autorizados a brincar no pátio grande a Sul, onde havia sempre galinhas, patos e perus enormes. O meu irmão e eu adorávamos enxotar todas aquelas aves, que corriam em alvoroço à nossa frente.

Perto da saída da Mina existia um cano que se bifurcava. Um ia dar à pequena fonte do pátio interior e o outro a uma bica, que estava no jardim, junto ao alçado nascente do solar.



A mina que dava para o caminho público (imagens cedidas por Humberto Ferreira)


A mina confinava a Poente com um muro, que separava a propriedade do caminho público. Do outro lado do muro, existia também um cano, onde a população se abastecia de água. Eram sempre as raparigas que iam buscar água à fonte em grandes cântaros, que punham à cabeça, desafiando as leis da Física. Esta actividade era aliás um dos poucos momentos de liberdade das jovens, aproveitado para namoricos, de tal forma, que nos séculos XVIII e XIX se chegou a usar como eufemismo para a perca da virgindade, a expressão "partir a cantarinha". Todos nos recordamos da velha cantiga infantil, as pombinhas da catrina, que diz minha mãe mandou-me à fonte e eu parti a cantarinha, ó minha mãe não me bata que eu ainda sou pequenina..."


Reparem neste quadro O cântaro quebrado de Jean-Baptiste Greuze (1725-1805), que está no Museu do Louvre, que mostra a jovem com o cântaro quebrado, o ventre proeminente, que tenta esconder sem grande sucesso e um ar triste, de que quem fez asneira da grossa.


Mas voltando à Mina, depois de servir a fonte pública, o remanescente da água, passava por debaixo do caminho público e iá irrigar uma outra propriedade da família, a poente da casa, onde havia sempre hortas.

12 comentários:

  1. Olá Luis
    Votos de uma boa Páscoa, o dia esteve esplêndido.
    O tema aflorado também faz parte da...já sabe a ladainha.
    Contudo a mina do Solar dos Montalvões merece honras,por se tratar de uma obra de engenharia e arquitectura enquadrada na própria quinta e tudo o que lá se inseria.
    Quanto às minhas recordações de infância que ainda hoje perduram são minas escavadas no xisto nos outeiros de uma aldeia no sopé da Nexebra ao que dizem deixadas pelos romanos na busca de oiro . Mais tarde reaproveitadas pelas pessoas que lá habitavam como minas de água. Nem todos os habitantes tinham minas. A maioria tinham apenas algumas horas e em determinados dias.Aldeia onde nasceu a minha mãe e os meus sogros e eu passava férias com a minha avó.Ainda hoje perdura a mina de S.João,à beira da estrada de terra batida, com o seu alargamento perdeu um pouco do misticismo e também as muitas avencas, o corredor agora mais curto deixa ver a represa feita há anos para suster as águas.Ainda se usa o sistema de queda livre através de uma mangueira que é ferrada com água até pegar. Fiz muitas vezes esse ritual, quando desferrava.Serve para uso doméstico e regas de minifúndio nos quintais e leirões.
    Esquecia-me, gostei do mote da "cantarinha".
    Tantas vezes fui à fonte do Ribeiro da Vide com a cantarinha de braçado e à cabeça. Se aparecia um rapaz travesso, lá se ia a cantarinha...parti tantas que nem sei a conta. Também durante a Quaresma só era permitido jogos e um deles no largo do hospital desactivado era jogar à cantarinha.Uma roda de rapazes e moçoilas, eu miúda...lembro que o chão ficava repleto de cacos...
    Partir uma cantarinha para mim era mote na feira seguinte comprar outra.
    Tinha um fetiche com as vendedeiras de barros vindas dos Ramalhais, mulheres austeras vestidas de preto com arcadas e cordões de oiro, sobre as costas um saião de serrubeco em jeito de casaco...só sei que me impressionavam muito.
    Aos 8 anos fui à inauguração da praça de toiros de Abiul, a primeira em Portugal, então de madeira velha e agora em cimento armado. Quando lá cheguei de táxi estava o saudoso Fernando Pessa a fazer a reportagem para a EN e dizia ele...aqui onde me encontro, seria porventura a varanda do solar dos condes de Aveiro de onde avistavam os toiros"...
    Mais umas voltas e eis que vi duas dessas vendedoras típicas ajeitando o lenço preto sobre a cabeça dizendo uma para a outra, "anda vamos ver o boi" ali naquelas terras de Ramalhais nas faldas de Sicó diz-se boi e não toiro... apressadas esgueiraram-se no curro!
    Alonguei-me mais uma vez...mas não consigo deixar de falar, falar, falar...
    M Isabel

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  2. Gostei do seu alongamento, Isabel. Eu já só vivi esse mundo rural muito pela rama.

    Aproveitei e pedi ao meu pai para fazer um mapa esquemático da distribuição das águas, que prometo anexar a este post. É mais um elemento que fica para a memória do Solar.

    A história da Cantarinha foi um desvio ao tema, que não resisti fazer. O quadro da menina com a cantarinha partida esteve recentemente em Lisboa, no Museu da Gulbenkian, na exposição o Gosto à grega, sobre a arte dos finais do XVIII, em França. E achei imensa piada ao quadro, pois finalmente através dele, consegui perceber o significado subjacente das pombinhas da Catrina.

    Ainda bem que teve boa Pâscoa. Eu tenho andado por Lisboa.

    Abraços

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  3. Exmo. Sr. Luis,

    Chamo-me Humberto (Berto) e sou de Outeiro Seco e na minha incansável procura de memórias do passado, encontrei o seu Blog. Fiquei muito feliz, mas também emocionado, porque cheguei a conhecer o Solar por dentro, em particular a biblioteca. Quando lá entrei a primeira e única vez, a vontade que tive foi de pegar num livro, sentar-me e ter continuado a ler até hoje.
    A razão pela qual cheguei a conhecer o interior do Solar, deveu-se ao facto de ser um dos elementos do grupo da visita pascal, na altura realizada pelo Sr. Padre João Sanches. Eu transportava a Cruz.
    Não cheguei a conhecer o Dr. Liberal (os meus pais sim), mas sim o Dr. João, que muitas vezes nos deu boleia de Chaves para a aldeia e a Maria (julgo ser este o seu nome) a empregada que viveu também no Solar.
    Sendo um dos meus hobbies a fotografia e, o coleccionismo de máquinas fotográficas antigas, fotografias antigas, negativos em película e vdro, reviatas e livros antigos sobre fotografia, etc..., andei no exterior do Solar a recolher algumas fotos que terei muito prazer em enviar-lhe, se nelas estiver interessado. No interior não me atrevi a entrar, porque sou deficiente visual e, bem já se sabe...
    De qualquer forma, gostaria muito de trocar algumas impressões com o Senhor, desde que não se importe.
    E, uma vez que não encontrei o seu contacto na página do blog, vou deixar aqui o meu endereço de mail, através do qual lhe poderia explicar melhor e com mais pormenor as minhas intenções.
    Desde já lhe agradeço a atenção que dispençou a ler este comentário e aguardo com interesse o seu contacto.
    Berto
    jhumbertoferreira@sapo.pt

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  4. Peço desculpa pelos erros: é, vidro, revistas e claro está dispensou.
    Perdão.
    Berto

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  5. Eu bem tentei inserir um comentário lá pelas terras onde andei, mas os malvados dos computadores fazem-me sempre destas ... não me deixaram colocar qualquer comentário (razão tenho eu em desconfiar destas geringonças!). De qualquer forma o meu texto estava tão eivado de erros derivados do teclado que estava a utilizar que mais valeu ter sido assim.
    O teu post é interessante pois refere o poder que a água confere a quem a possui (era assim e creio que no futuro sê-lo-á ainda mais!). Toda a tradição acoplada à água, onde a ida à fonte era sempre motivo para arranjar-se casamento ... senão baptizado!!! hehehe
    E as fontes interiores do solar deveriam ser um luxo quase "asiático" em épocas de grande dificuldade de acesso à água!
    Conheço algumas grandes casas rurais com acesso directo à água através de canalizações directas (recordo com saudade uma das casas que vi deste tipo, um solar do século XVIII, situado no centro de Gouveia, conhecida como "Casa Rainha") que conferiam um conforto ao dia-a-dia o qual é, hoje, difícil de compreender.
    Gostei imenso das memórias da Isabel, como sempre, pois fazem-me regressar ao tempo em que me foi permitido viver alguma, pouca, da vida rural portuguesa nos inícios dos 60.
    E a minha avó não perdia pitada de uma toirada ... felizmente ela era sovina ou ter-me-ia levado também!
    Caminhava a ida e a vinda dos mais de 20 quilómetros que a separavam do prazer da toirada! Quiçá fizesse alguma parceria com companhia de folia que possuísse algum burrico (tanto mais que não me recordo de alguma vez ter visto algum burro de quatro patas lá por casa, e, naquela época, as pessoas cultivavam hábitos de entreajuda onde, aliás, a minha avó era perita!), passavam por Pombal e sempre adquiriram alguma necessidade que tivessem, vivendo como viviam num isolamento rural exemplar.
    Manel

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  6. Caro Humberto,

    Em primeiro lugar trate-me por Luís.O seu comentário, deixou-me muito contente. O Objectivo dos posts sobre o Solar tem sido partilhar com a comunidade de Outeiro Seco e o cyberespaço em geral as memórias, que ainda existem, do que foi a casa dos Montalvões em Outeiro Seco. Um dia destes o solar cai de vez, os velhos morrem, e já ninguém se lembrará da biblioteca, do museu, reunido pelo Liberal Saampaio, nem de toda uma série e velhas histórias, que tenho tido a preocupação de a contar aqui, a partir de elentos compilados pelo meu pai. Se tiver fotografias antigas do Solar isso será estupendo. O meu e-mail é luis.montalvao@gpeari.pt e na segunda-feira, escrevo-lhe com mais calma. Sabe que Santos estavam na capela?

    A criada era a Laurinda

    Abraçoes e continuaremos em conacto

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  7. Desculpe o mau português e as gralhas, mas escrevi directamente no comentário, ao contrário do que é habitual, que escrevo primeiro em word, corrijo e depois transfiro para o comentario

    Abraços

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  8. Olá Luís,

    Vou só deixar umas respostas rápidas e guardo para o fim-de-semana uma "dissertação" mais abusiva em termos de conteúdo, como tal, melhor será, libertar espaço no teu mail.
    O facto de teres escrito com alguns erros e apresentando à posteriori as desculpas para te colocares ao nível da burrada que eu fiz, demonstra que, se foi de propósito, que és boa pessoa, se não, pois não significa que sejas mau.
    Aliás pelo que os meus pais dizem: "o Montalvão "velho" era muito boa pessoa" e como quem sai aos seus não degenera, pois julgo que fica claro.
    Respostas:
    Não tenho fotos antigas do Solar, gostaria de ter. Tenho uma que encontrei na net, mas não é nada de especial.
    A Santa que estava na Capela segundo os meus pais, era a Santa Rita, que supostamente, daria o nome à Rua. Não sabem se existiriam mais Santos ou Santas, mas vou investigar.
    O nome da empregada era de facto Laurinda (que cuidava das crias, mas havia outra que cuidava mais dos interiores e que levava as almofadas à Igreja para os seus antepassados se ajoelharem, chamava-se Maria. Poderia ter sido confusão minha com os nomes, mas àquela de quem eu me recordava era a Laurinda, que acabou por ali falecer.
    Por agora é tudo, tentarei saber mais coisas e espero durante o fim de semana poder enviar-te o que tiver,
    Um abraço e bom fim-de-semana,
    Berto

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  9. Caro Humberto

    Lembrando-te da Sta. Rita, já me ajudaste muito. O Meu pai ficará contente com essa informação. Tenho de facto a ideia de haver umas quantas antepassadas Ritas na família. Tudo o que se lembrar a propósito da capela será útil.

    Em todo o caso, tenho estado de férias e a actualização do blog está dependente das idas aos cybercafés e portanto faço sempre tudo em computadores aos quais não estou habituado daí faço mais gralhas do que é normal.

    Se tiveres fotografias da Mina (do lado da propriedade e do do lado do caminho público) seria ouro sobre azul, pois a que apresentei neste blog é miserável.

    Sou sobrinho-neto daquele que chama Dr. João, portanto e neto da sua irmã mais velha, a Maria do Espírito Santo ( a Mimi)

    Hei-de falar ao meu pai da Maria, a criada de dentro. Eu já só me recordo da Laurinda, coitadinha, já quase sem dentes.

    Segunda, escrevo-lhe com mais calma

    Abraços

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  10. Olá Luís,

    Ontem já enviei muita coisa para o teu mail, mas esta manhã fiz o substancial.
    Tirei fotos, como me pediste, umas "escapam" (como digo ao meu sobrinho de 5 anos, que já é melhor do que eu às vezes. Também não é preciso muito), outras, são de fazer chorar qualquer mortal, principalmente, àqueles que conheceram o Solar e seus arredores nos seus tempos áureos.
    Pedi ajuda ao meu pai para poder entrar dentro, mas também, porque tanto ele como a minha mãe, na sua juventude foram jornaleiros (como quase metade da aldeia) dos Montalvões e, conhecia o que existia em cada compartimento do rés-do-chão. Também me ajudou a encontrar as Minas de água, ou melhor, o que resta delas, mas foi-nos impossível encontrar as saídas de água no solar. Temos indicações precisas dos seus locais, mas as silvas e outra vegetação impediram-nos de aceder a eles.
    Depois, ainda tive a oportunidade de falar com uma pessoa que viveu de perto a vida dos Montalvões, ou melhor, viveu a vida dos Montalvões.
    Agora vou tentar preparar as informações e registos para, se possível, ainda poder enviar-te tudo amanhã.
    Um abraço e bom fim de semana,
    Berto

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  11. Fico preocupado consigo e os seus pais. O Solar está uma ruína e um perigo. Se me puderem facultar as vossas memórias do passado do solar, já é muito, mas não arrisquem as vossas vidas pelo presente. Fotos do interior em ruínas tenho eu, tiradas pelo meu Amigo Manel, que andou a equilibrar-se em traves e ainda foi picado por uma vespa

    Abraços e muito obrigado

    abraços

    Luís

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  12. Olá Luís,
    Não te preocupes, estamos são e salvos e já está tudo no teu mail tal como prometido.
    Quanto a fazer acrobacias, não me atrevo, pelo chão e...e..., deixo isso então para o teu amigo Manel. Eu tenho vertigens.
    Quanto às fotos do interior, já me apercebi que o Manel é arquitecto, mas e, sem querer ofendê-lo, eu não vejo coisas que ele vê, como tal as fotos são sempre muito diferentes daquilo que estás à espera.
    Faz de conta que é um complemento.
    Um abraço,
    Berto

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