sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Velharias do Luís no Museu Nacional de Arte Antiga ou uma escultura em biscuit arte nova



Aqueles que acompanham regularmente o velharias do Luís sabem bem que é uma página muito pessoal, onde apresento peças minhas ou de amigos ou então fotografias antigas, que servem como mote para contar velhas histórias de família.

Mas como sou bibliotecário no Museu de Nacional Arte Antiga, a direcção deste museu convidou-me a participar no programa DAR A VER: a escolha do conservador para falar sobre uma peça da colecção de cerâmica do MNAA.

A ideia deste projecto é dar a conhecer ao público obras, que estão nas reservas do museu, colocando-as temporariamente em exposição e ao mesmo tempo produzir um vídeo, colocado ao lado da peça, que fornece ao visitante as explicações necessárias. Esse pequeno filme é disponibilizado na internet de forma a permitir a que todos tenham acesso aos tesouros do Museu Nacional de Arte Antiga, mesmo estando longe de Lisboa, como por exemplo no Brasil, em França ou nos Estados Unidos.

Pela minha parte escolhi um biscuit de Sèvres, concebido por Agathon Léonard, apresentado na Exposição Universal de Paris de 1900 e que é um ícone do movimento arte nova.

Convido-vos a todos a visualizar o vídeo sobre esta bailarina em biscuit e claro, a visitarem o Museu Nacional de Arte Antiga, onde está exposta, logo no átrio principal.



segunda-feira, 16 de agosto de 2021

A alegria das cores: um prato de peixes possivelmente Bandeira



Já há muito tempo que o meu amigo Manel comprou este prato de faiança portuguesa do século XIX e eu andava com vontade de o apresentar aqui, pois é tão bonito. Mas, como é hábito na faiança portuguesa, não está marcado e é sempre um risco escrever sobre peças de faiança portuguesa sem qualquer identificação do fabricante, de modo que fui protelando a publicação deste post.

O prato não tem marca

Mas as cores com que está pintado são tão alegres e combinam tão bem com o Verão, que não resisti a escrever sobre ele.



Em primeiro lugar, acho uma graça louca ao motivo central, o peixe com o garfo e a faca, talvez porque ainda me lembre de ver este tipo de talheres como cabo em osso, a uso na velha casa de família de Vinhais. Recordo-me que nessa altura, na minha meninice, já tinham saído da sala de jantar e eram usados pelos criados. Mais recentemente, há cerca de uns vinte anos o meu pai salvou-os do lixo e resolveu, arranjar uma tábua de castanho e pendurar lá estes velhos talheres, semelhantes aos do prato. 

Os antigos talheres da casa de Vinhais

Também há aqui um pormenor curioso. A parte metálica do talher está representada num tom qualquer de amarelo. Até cheguei a pensar que quem pintou este prato pretenderia reproduzir um talher numa liga qualquer de cobre com um tom dourado. Mas fiz alguma pesquisa sobre estes pratos com peixes na base de dados do matriznet e encontrei uns quantos pratos atribuídos à Fábrica da Bandeira, com o motivo do peixe e talheres, com as partes metálicas dos garfos e facas pintadas a azul!

Prato do Museu Nacional de Soares dos Reis

Portanto, quem pintava estes pratos estava mais preocupado com o efeito das decorativo das cores, do que propriamente com uma pintura realista dos objectos. Embora seja um ignorante em matérias de ictiologia, duvido também que nas costas portuguesas existam peixes vermelhos e azuis.

Aliás, este gosto pela cor, é também muito visível na orla do prato, com uma mistura de folhas e flores feitos à estampilha. Aliás, creio que esta decoração da orla do prato é característica da fábrica de Bandeira ( ca.1828- ca.1913), embora não tenha encontrado em livros ou na net nenhum prato com uma cercadura exactamente igual a esta. Mas também tenho ideia que as faianças portuguesas desta época, meados do século XIX, nunca são iguais. Embora usassem estampilha, cada peça era única, ou porque o motivo central variava, ora porque nas bordas os azuis, os amarelos ou os vermelhos mudavam de tom, consoante a preparação das tintas, que embora fossem feita segundo receitas, as cores nunca saiam rigorosamente iguais. Também a criatividade destes pintores de cerâmica era enorme, como é bem visível neste prato.


Meninos gordos / Isabel Maria Fernandes. Porto: Civilização, 2005


Enfim, este prato decorado com um peixe, talheres e flores em cores vivas terá sido fabricado em meados do século XIX, algures entre Gaia e o Porto, possivelmente na Fábrica de Bandeira.


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O ferreiro e os seus filhos: figurinha em biscuit

Blacksmith with his two children sculpture

Há pouco tempo apresentei no blog uma figurinha em biscuit representando uns meninos com medo de um sapo e acerca da qual não consegui descobrir nada em concreto, a não ser que provavelmente seria alemã e do início do século XX.

Comprei posteriormente outra figurinha em biscuit, que se não faz par com os meninos, saiu certamente da mesma fábrica. O aro em latão dourado na base é igual e o estilo é o mesmo, um biscuit branco, com umas leves pinceladas de uma cor pastel aqui e acolá. Provavelmente quem concebeu uma, concebeu a outra, pois as duas têm em comum uma forma carinhosa de tratar a pela infância muito característica.



Esta segunda figura representa um ferreiro, que pega ao colo um dos seus filhos, enquanto o outro, se agarra ao seu avental pedindo também colo. É uma cena tocante e até certo modo invulgar, pois é um homem que acarinha os seus filhos, em vez de uma mulher, como estamos mais habituados a ver nas peças dessa época. Esperava que esta figurinha representando o pai orgulhoso tivesse alguma marca, que me pudesse desvendar a entidade do fabricante, mas não tive sorte. Nas costas, apresenta um número, 3129, que será a identificação do molde e umas marcazinhas incisas, que não me parecem ser o monograma de uma casa ou empresa. Serão talvez marcas de controlo interno da fábrica.

Nº do molde 3129


A marca no tardoz não é legível

A maioria dos biscuits vendidos na Europa no princípio do século XX era de fabrico alemão, mais particularmente do Saxe, região também designada por Turíngia. Estes biscuits raramente aparecem marcados. Talvez os fabricantes não sentissem essa necessidade de identificar as suas obras, ou talvez porque no início do século XX, havia já uma certa má vontade contra a Alemanha e as fábricas não marcavam as suas peças, de modo a puderem vende-las nos Estados Unidos, Inglaterra ou França sem problemas. Também por outro, os terríveis bombardeamentos da segunda guerra mundial, sobretudo em Dresda, destruíram para sempre muitas fábricas e arquivos destas figuras em biscuit ou porcelana. Tudo isto, para dizer que é complicado identificar os fabricantes destas delicadas peças.

O ferreiro e os seus filhos por Joseph Kowarzik. Imagem de https://www.antik-im-hof.de/katalog/produkt/kowarzik-joseph-schmied-mit-kindern

Mas eu não sou homem para desistir e lancei-me em furiosas pesquisas no Google, pela expressão ferreiro e os seus filhos, acrescentando os termos Biscuit e figurinha. Usei o tradutor da google e realizei as buscas em inglês francês e alemão, mas os resultados foram inconclusivos. Lembrei-me então que algumas fábricas europeias realizavam peças em biscuit ou porcelana a partir de obras de escultores famosos e que a mesma obra poderia ser realizada em pedra, bronze ou cerâmica. Resolvi então pesquisar em inglês por blacksmith with his two children sculpture, sem especificar o material e como se costuma dizer, acertei na mouche, encontrei nos sites de venda on line duas versões em bronze desta representação do pai orgulhoso com os seus dois filhos. 



Há apenas umas diferença aqui e acolá, nomeadamente na criança que se agarra ao avental, que na versão em bronze é uma menina de tranças e em biscuit é um garotinho. A obra está assinada por Joseph Kowarzik, um senhor que nasceu em Viena em 1860 e morreu em Frankfurt em 1911. Este senhor que hoje parece estar esquecido e fora de moda foi um artista importante na época, que executou parte das esculturas da Câmara Municipal de Frankfurt, trabalhou muito para monumentos funerários, mas sobretudo distinguiu-se como gravador de medalhas, chegando a ganhar um prémio por essa actividade numa das exposições universais de Paris. Juntamente com a sua mulher Pauline Kowarzik formou uma importante colecção de arte contemporânea, que em 1926 foi vendida ao Museu Städel, de Frankfurt, mas alienada durante o tempo do Nacional Socialismo, por ser considerada arte degenerada.

Joseph e Pauline Kowarzik. Imagem retirada de https://blog.staedelmuseum.de/pauline-kowarzik/ 


Contudo, para além das medalhas que se encontram facilmente à venda nos catálogos de numismática, da sua obra escultórica de vulto, encontrei muito poucas imagens. De modo que não posso afirmar que a figurinha dos meninos com medo do sapo tenha sido concebida por ele. 

Uma medalha gravada por Joseph Kowarzik. Foto de https://www.numisbids.com/n.php?p=lot&sid=3500&lot=1952


Também não encontrei referência em nenhum lado a que Joseph Kowarzik tenha trabalhado para fábricas de porcelana, embora tenha visto à venda esta figura com o ferreiro e os filhos em terracota pintada, assinada por ele. 

O ferreiro e os seus filhos. Imagem em terracota colorida de Joseph Kowarzik


Já o seu irmão Rudolf Kowarzik, também escultor e gravador de medalhas foi um dos colaboradores da Wiener Porzellan-Manufaktur Josef Böck (1898-1960). Terá sido pela via deste irmão que o Ferreiro e os seus filhos foram copiados em biscuit? Tentei encontrar produções assinadas por esta fábrica vienense, mas em vão.

Em suma, este pai orgulhoso ou Vaterglück em alemão foi feito a partir de uma escultura de Joseph Kowarzik e suspeito que os meninos com o sapo sejam também da sua autoria ou inspirados numa das obras daquele escultor. Será muito provavelmente de uma fábrica alemã na Turíngia, ou eventualmente austríaca ou checa

Vaterglück  ou o pai orgulhoso



Alguma bibliografia e links consultados:

Allgemeines lexikon der bildenden kunstler / Ulrich Thieme, Felix Becker. - Leipzig : Verlag E. A. Seemann, 1908-1958, vol. 21, p. 366-367

https://www.lotsearch.de/lot/description-joseph-kowarzik-german-1860-1911-blacksmith-standing-a-52049596

https://www.antik-im-hof.de/katalog/produkt/kowarzik-joseph-schmied-mit-kindern/

https://second.wiki/wiki/wiener_porzellan-manufaktur_josef_bc3b6ck

https://blog.staedelmuseum.de/pauline-kowarzik/

https://www.numisbids.com/n.php?p=lot&sid=3500&lot=1952