sábado, 30 de setembro de 2023

Nos arquivos do Norte: 14º Aniversário do blog Velharias do Luís




Em 30 de Setembro de 2009 iniciei muito a medo este blog sobre velharias, antiguidades, história e memórias familiares e desde então não parei, apesar de os blogues já terem passado de moda e hoje em dia está toda a gente está em outras redes sociais. Mas sou um homem persistente, profundamente rotineiro e tenho uma certa necessidade de escrever e comunicar as minhas ideias. Poderia escrever um diário e já o fiz durante a adolescência e juventude, mas estava sempre a martelar nos mesmos assuntos, virado quase exclusivamente para mim próprio.

Nestes últimos, tempos, tenho dedicado mais espaço no blog às memórias familiares. Uma prima ofereceu-me dois álbuns de fotografia carte-de-visite do século XIX e por morte do meu pai recebi o espólio documental da família, cerca de vinte e tal caixas, com muita correspondência, documentos notarias, recortes de imprensa com todos os textos que o meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) publicou, bem como os da sua neta, a minha avó Mimi, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão Cunha (1907-2000) e ainda os rascunhos de um livro da autoria desta última, que estava prestes a ir para o prelo o Dicionário dos Homens Ilustres do Distrito de Vila Real.

A minha avó Mimi

Não que eu não soubesse já bastante sobre história da família, o meu parente, J. T. Montalvão Machado publicou em 1948 uma genealogia Os Montalvões e o meu pai compilou sistematicamente o que sabia e se recordava da grande casa solarenga em Outeiro Seco, Concelho de Chaves, onde um ramo importante desta família viveu durante quase três séculos.

Uma boa parte dos estudos de genealogia dão-nos uma idéia idílica da história familiar. Há uma árvore genealógica, onde tudo começa com um parente primordial, e que se vai desenvolvendo em ramos e mais ramos até se tornar num gigantesco castanheiro com centenas de anos, seguindo quase sempre a via masculina. Mas na realidade, como já aqui referi muitas vezes, temos quatros avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs, 32 quartos avôs e a multiplicação de antepassados prolonga-se no passado, até sentirmos, que estamos perante um abismo, onde no fundo há milhares de mortos.




Quando se começa a tratar um espólio, ainda que só do lado paterno, começam a surgir cartas e documentos de todos esses bisavôs, trisavôs, quartos avôs, via masculina ou feminina, até antepassados mais recuados ainda, alguns dos quais se desconhecia inteiramente existência. Assim, tenho vindo a encontrar cartas dos familiares de Liberal Sampaio, documentos dos Alves e aos os poucos, estou a perceber que deverei traçar várias genealogias se quero saber quem era aquele Vicente Morais que encomendava tecidos de seda para um casamento cerca de 1815, ou uns documentos de venda de propriedades do século XVII em Monforte de Rio Livre, de uns senhores que não constam da genealogia da família Montalvão escrita por o J. T. Montalvão Machado. Na realidade, trata-se de um trabalho de ligar várias genealogias de várias famílias, que se cruzaram e tornaram a cruzar-se ao longo de duzentos ou trezentos anos. Já me tinha apercebido dessa realidade através da consulta da obra, Famílias transmontanas: descendência de Francisco de Moraes”, de Francisco Xavier de Moraes Sarmento. Ao longo dos tempos, famílias como os montalvões casaram dentro do mesmo meio social, isto é, fidalguia rural e gente do mesmo concelho ou concelhos vizinhos. Evitavam a consanguinidade, mas também como não havia assim tantas famílias da mesma condição, ao fim de duas ou três gerações voltavam a casar com um neto ou uma sobrinha bisneta de uma noiva ou noivo Morais Castro, Morais Sarmento, Campilho, Sá Morais, que por sua vez descendiam de um Lemos de Andrade ou de uma Álvares Ferreira. Enfim, em vez de uma única árvore, temos antes uma densa mata de arbustos com ramificações, que se entrelaçam, ramificam e voltam a cruzar-se e separam-se novamente.

Para lá deste emaranhado familiar do passado, há toda a correspondência, trocada no passado com centenas de pessoas. Só do meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio, já vou em cerca de 210 correspondentes e ainda só tratei 4 caixas. Ler essas cartas, entender a caligrafia, as assinaturas é um trabalho significativo, mas uma experiência tão gratificante. Costumo faze-lo em voz alta e parece que ouço como que a voz das pessoas, que viveram há 150 ou 170 anos, contando as suas preocupações, na sua linguagem própria, dando conta dos seus costumes tão diferentes e começo aos poucos a entende-las. É uma tarefa própria para quem já fez 60 anos como eu. Quando já não temos tanto tempo de vida pela frente, sentimos necessidade de compilar o passado, para transmiti-lo aos vindouros e temos também a maturidade suficiente para dispensar juízos de valores e aceitar o passado tal como ele foi.

Aos 60 anos temos a maturidade suficiente para dispensar juízos de valores e aceitar o passado tal como ele foi.


Alguma bibliografia:

Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001

Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Uma simples chávena de faiança da região Centro




Uma amiga, a Maria Miguel ofereceu-me esta chávena de chá, que me encantou logo pela sua simplicidade, tão característica da faiança portuguesa antiga. Como é hábito na faiança portuguesa, não apresenta qualquer marca, mas pela cor amarelada da pasta, pareceu-me desde logo uma produção da zona Centro de Portugal, talvez de Coimbra, mas faltam sempre mais estudos publicados sobre esta área, para fazer atribuições com alguma segurança. Talvez por essa razão tenha escrito tão pouco sobre faiança portuguesa nos últimos tempos, embora o verdadeiro motivo tenha a mais a ver com o facto de a minha casa ter esgotado a possibilidade de expor mais cacarecos, sobretudo depois da morte do meu pai, quando tive trazer algumas imagens de arte sacra, gravuras e quadrinhos e mais um ou outro bibelot, essenciais para manter viva a memória da família no meu dia-a-dia.



Mas voltando à chávena, mal olhei para ela com mais atenção, associei-a logo a uma terrina, que o meu amigo Manel, herdou da sua avó, que vivia precisamente na região Centro, ali perto da Redinha no Concelho de Pombal e resolvi fotografa-las juntas, para colocar em evidência um certo ar de família. Aliás, já tinha apresentado essa terrina em Fevereiro de 2020.




Esse ar de família resulta não só da pasta, mais grosseira e amarelada, mas sobretudo da decoração, que me parece inspirada nos bordados tradicionais portugueses.

o conezinho na base


Esta chávena apresenta também característica, que não encontro na porcelana portuguesa ou na faiança inglesa da mesma época, isto é, na base da chávena, existe uma espécie de cone em relevo. Não sei exctamente a razão desta forma, creio que seria para dar mais solidez à peça, mas também encontrei também esse conezinho no tardoz de uma chávena do Norte, atribuída a Santo António do Vale da Piedade. Em todo o caso, a chávena de Santo António de Vale da Piedade será um fabrico de meados do século XIX e esta parece-me já coisa do início do século XX.
A chávena da direita está atribuída a Santo António de Vale da Piedade e apresenta o mesmo cone no tardoz  

Sei que com este exto não adiantei muitas informações novas sobre o assunto, mas como explico no texto que serve de introdução ao blog, estes posts servem-me como fichas sobre as peças, onde tento identificar semelhanças, arrumar conhecimentos, que mais tarde me poderão ser úteis e depois é o meu agradecimento à Maria Miguel, que me deu esta bonita xícara.