Em 30 de Setembro de 2009 iniciei muito a medo este blog sobre velharias, antiguidades, história e memórias familiares e desde então não parei, apesar de os blogues já terem passado de moda e hoje em dia está toda a gente está em outras redes sociais. Mas sou um homem persistente, profundamente rotineiro e tenho uma certa necessidade de escrever e comunicar as minhas ideias. Poderia escrever um diário e já o fiz durante a adolescência e juventude, mas estava sempre a martelar nos mesmos assuntos, virado quase exclusivamente para mim próprio.
Nestes últimos, tempos, tenho dedicado mais espaço no blog às memórias familiares. Uma prima ofereceu-me dois álbuns de fotografia carte-de-visite do século XIX e por morte do meu pai recebi o espólio documental da família, cerca de vinte e tal caixas, com muita correspondência, documentos notarias, recortes de imprensa com todos os textos que o meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) publicou, bem como os da sua neta, a minha avó Mimi, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão Cunha (1907-2000) e ainda os rascunhos de um livro da autoria desta última, que estava prestes a ir para o prelo o Dicionário dos Homens Ilustres do Distrito de Vila Real.
A minha avó Mimi |
Não que eu não soubesse já bastante sobre história da família, o meu parente, J. T. Montalvão Machado publicou em 1948 uma genealogia Os Montalvões e o meu pai compilou sistematicamente o que sabia e se recordava da grande casa solarenga em Outeiro Seco, Concelho de Chaves, onde um ramo importante desta família viveu durante quase três séculos.
Uma boa parte dos estudos de genealogia dão-nos uma idéia idílica da história familiar. Há uma árvore genealógica, onde tudo começa com um parente primordial, e que se vai desenvolvendo em ramos e mais ramos até se tornar num gigantesco castanheiro com centenas de anos, seguindo quase sempre a via masculina. Mas na realidade, como já aqui referi muitas vezes, temos quatros avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs, 32 quartos avôs e a multiplicação de antepassados prolonga-se no passado, até sentirmos, que estamos perante um abismo, onde no fundo há milhares de mortos.
Quando se começa a tratar um espólio, ainda que só do lado paterno, começam a surgir cartas e documentos de todos esses bisavôs, trisavôs, quartos avôs, via masculina ou feminina, até antepassados mais recuados ainda, alguns dos quais se desconhecia inteiramente existência. Assim, tenho vindo a encontrar cartas dos familiares de Liberal Sampaio, documentos dos Alves e aos os poucos, estou a perceber que deverei traçar várias genealogias se quero saber quem era aquele Vicente Morais que encomendava tecidos de seda para um casamento cerca de 1815, ou uns documentos de venda de propriedades do século XVII em Monforte de Rio Livre, de uns senhores que não constam da genealogia da família Montalvão escrita por o J. T. Montalvão Machado. Na realidade, trata-se de um trabalho de ligar várias genealogias de várias famílias, que se cruzaram e tornaram a cruzar-se ao longo de duzentos ou trezentos anos. Já me tinha apercebido dessa realidade através da consulta da obra, Famílias transmontanas: descendência de Francisco de Moraes”, de Francisco Xavier de Moraes Sarmento. Ao longo dos tempos, famílias como os montalvões casaram dentro do mesmo meio social, isto é, fidalguia rural e gente do mesmo concelho ou concelhos vizinhos. Evitavam a consanguinidade, mas também como não havia assim tantas famílias da mesma condição, ao fim de duas ou três gerações voltavam a casar com um neto ou uma sobrinha bisneta de uma noiva ou noivo Morais Castro, Morais Sarmento, Campilho, Sá Morais, que por sua vez descendiam de um Lemos de Andrade ou de uma Álvares Ferreira. Enfim, em vez de uma única árvore, temos antes uma densa mata de arbustos com ramificações, que se entrelaçam, ramificam e voltam a cruzar-se e separam-se novamente.
Para lá deste emaranhado familiar do passado, há toda a correspondência, trocada no passado com centenas de pessoas. Só do meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio, já vou em cerca de 210 correspondentes e ainda só tratei 4 caixas. Ler essas cartas, entender a caligrafia, as assinaturas é um trabalho significativo, mas uma experiência tão gratificante. Costumo faze-lo em voz alta e parece que ouço como que a voz das pessoas, que viveram há 150 ou 170 anos, contando as suas preocupações, na sua linguagem própria, dando conta dos seus costumes tão diferentes e começo aos poucos a entende-las. É uma tarefa própria para quem já fez 60 anos como eu. Quando já não temos tanto tempo de vida pela frente, sentimos necessidade de compilar o passado, para transmiti-lo aos vindouros e temos também a maturidade suficiente para dispensar juízos de valores e aceitar o passado tal como ele foi.
Aos 60 anos temos a maturidade suficiente para dispensar juízos de valores e aceitar o passado tal como ele foi. |
Alguma bibliografia:
Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001
Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948