sexta-feira, 26 de abril de 2019

Tudo sobre candeeiros


Não faço a menor ideia como se fazem recensões críticas de novos livros, mas conheci recentemente um investigador especializado em luminária e que me ofereceu uma obra da sua autoria, intitulada Iluminação da Casa Real Portuguesa: os candeeiros do Palácio Nacional da Ajuda, pedindo-me para escrever sobre ela, aqui no blog das Velharias do Luís, e pronto aqui vai a minha recensão muito pouco académica.

Os estudos sobre a luminária em Portugal são escassos e julgo que sobre candeeiros do século XIX, o livro do António Cota Fevereiro deve ser o primeiro, e com efeito, este autor fez um bom estudo da colecção real dos candeeiros a gás, petróleo, azeite e electricidade do Palácio Nacional da Ajuda, com um levantamento sistemático das marcas, comparação das obras com os catálogos das principais fábricas e ainda transcreveu dos arquivos os documentos com as encomendas da Casa Real aos fornecedores portugueses e estrangeiros. É um livro útil para todos os que gostam de antiguidades e velharias e ainda para aqueles, que ainda acham que a iluminação de uma casa, deve ir mais além do que uns assépticos focos espalhados por ali e acolá. Claro está, o livro é também um convite para se visitar o Palácio Nacional da Ajuda.
Foto retirada de https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com. O António Cota Fevereiro é também um coleccionador de candeeiros
Aliás, o António Cota Fevereiro é também um coleccionador de candeeiros e gosta de bater as feiras de velharias, onde estes objectos se encontram ainda a bom preço. Escreve regularmente num blog https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com, onde descreve os seus achados, as pesquisas realizadas para a identificação das peças, pequenos restauros e os abat-jours que ele próprio confecciona.
 
No blog https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com analisam-se os candeeiros dos filmes de época.
Mas o blog, vai mais além, pois o António, que é também um cinéfilo, analisa os filmes passados no século XIX e inícios do XX à luz dos candeeiros presentes nos adereços e indica-nos, que em determinada cena um candeeiro é de época ou se aquele outro modelo foi apenas usado dez anos depois dos factos narrados. Com muita atenção analisa a iluminação dos interiores desses filmes, que muitas vezes é demasiado clara e eléctrica, para ser verdadeira. Uma casa típica de meados do século XIX, alumiada com gás ou a petróleo, é obviamente mais escura, que um ambiente artificial de estúdio.
 
O blog https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com tem também imensas reproduções de catálogos de casas comerciais, publicados no século XIX
 
O blog tem também imensas reproduções de catálogos de casas comerciais. publicados no século XIX ou inícios do XX, que nos ajudam a perceber o tipo de globo ou abat-jour, que se deve usar numa base de candeeiro, comprada por tuta-e-meia no olx.pt ou num mercado de velharias.

Para quem tenha um gosto vitoriano e aprecia bater as feiras de velharias recomendo a leitura da obra Iluminação da Casa Real Portuguesa: os candeeiros do Palácio Nacional da Ajuda e do blog https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com
 
Foto retirada de https://lightinaglasscandeeiroapetroleo.blogspot.com
 

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Do outro lado da barricada: Manuel Augusto Granjo: um condiscípulo republicano de José Maria Ferreira Montalvão

Manuel Augusto Granjo. Fotografia de J. M. dos Santos, Coimbra

Iniciei agora o trabalho de identificação dos retratos do segundo álbum de fotografias em formato carte-de-visite, que uma prima me ofereceu. Terá sido constituído pelo meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão (19-05-1878/24-5-1965) e a maioria das fotografias são dos condiscípulos do curso de Direito da Universidade Coimbra, que finalizaram a sua licenciatura no ano lectivo de 1901/1902, embora haja um ou outro retrato de colegas de outros cursos, bem como de outros anos.

Embora nunca tenha sido um militante activo de causas políticas, como o meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio, que se envolveu em acérrimas polémicas na imprensa flaviense, o seu filho José Maria Ferreira Montalvão sempre foi monárquico. A bandeira azul e branca da monarquia esteve hasteada no Solar dos Montalvões muito depois da República e só dali foi apeada, aquando da visita do Presidente Carmona aquela casa, nos anos 30 ou 40 do século XX e mesmo depois desse momento foi guardada religiosamente numa vitrina, no chamado museu, onde eu ainda me recordo de a ver nos finais dos anos 70. Por onde andará ela hoje?
 
Verso da fotografia com a dedicatória "Ao seu amigo José de Montalvão, oferece com muita estima e amizade, M. Augusto Granjo, Chaves"
 
Por esse motivo, tive uma grande surpresa, quando deparei com um retrato de Manuel Augusto Granjo, com uma dedicatória afectuosa ao meu bisavô. Este Manuel Augusto Granjo foi o irmão do célebre António Granjo, uma das mais emblemáticas figuras da República portuguesa. Para os leitores do Brasil, menos familiarizados com a história portuguesa, a República portuguesa decorreu entre 1910 e 1926 e foi um período muito conturbado, em que os governos se sucediam uns atrás dos outros, com golpes e contra golpes de estado, arruaças, invasões de monárquicos, assassinatos políticos, surtos da pneumónica e ainda a desastrosa participação portuguesa na primeira Guerra Mundial. Lisboa, que hoje é considerada uma cidade segura e pacata, era na altura um sítio perigoso, onde a qualquer momento podia haver tiroteios. O banqueiro, Cândido Sottomayor, outro ilustre flaviense, ficou cego com um tiro perdido quando espreitava uma revolução da janela da sua casa lisboeta. António Granjo é quase um símbolo desses tempos conturbados.
 
António Granjo. Os dois irmãos eram muito parecidos. Foto retirada de Cinzas imortais: na morte de António Granjo / Rodrigo de Castro. – Porto: Tip. Lusitania, 1922
 
Mas, quando Manuel Augusto Granjo ofereceu a sua fotografia ao meu bisavô, provavelmente, quando terminou o curso de Direito, em 1898 os tempos eram ainda outros, mais pacíficos e reinava ainda o Rei D. Carlos. Manuel Augusto Granjo e o meu bisavô não fizeram o curso de Direito na Universidade de Coimbra ao mesmo tempo. José Maria Ferreira Montalvão estudou entre 1895 e 1902 e o irmão do célebre líder republicano entre 1893 e 1898. Em todo o caso, ainda conviveram três anos em Coimbra, o tempo suficiente para formarem uma amizade e trocarem fotografias, além de que se já se conheceriam de Chaves. Claro, os dois eram de níveis sociais diferentes, o meu bisavô pertencia uma família fidalga, muito conhecida de Chaves e os irmãos Granjos eram filhos de um curtidor e vendedor de peles. No entanto a família de Granjo deve ter alcançado algum bem-estar económico, pois conseguiu suportar os custos da educação de Manuel Augusto e mais tarde do próprio António Granjo. Em todo o caso, em Coimbra e na vida de boémia que sempre os estudantes faziam naquela cidade, as diferenças sociais esbater-se-iam um pouco, diante de uma garrafa de vinho e uma guitarra.
 
O meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, no momento da sua formatura em 1902. Foto de Pinho Henriques, Coimbra

Deste Manuel Augusto Granjo não se sabe muito. Nasceu ainda em Carção, Vimioso e estudou em Direito, na Universidade de Coimbra entre 1893 e 1898. Foi administrador do Concelho de Chaves em 1898 e em 1908 já estava conspirar com o irmão numa intentona republicana. Foi advogado e professor do Liceu Central do Porto a partir de 1913 e deputado entre 1915 e 1916. Morreu cedo, em 1919 e terá deixado um filho, também chamado Manuel, que António Granjo nomeou seu herdeiro num testamento que fez em 1917 antes de partir para frente de combate, em França. Enfim, teve uma vida mais bem mais tranquila que o irmão António Granjo, que esteve em todos os momentos cruciais da República. Combateu contra os monárquicos, durante as incursões das tropas de Paiva Couceiro, em Trás-os-Montes nos anos de 1911 e de 1912, lutou na frente francesa durante a Primeira Guerra Mundial, foi ministro, primeiro-ministro e ainda protagonizou um dos últimos duelos da história portuguesa, em 1912, contra Álvaro de Castro. Em 19 de Outubro de 1921 foi assassinado, durante o célebre episódio da camioneta fantasma, ou noite sangrenta, em que uma camioneta andou por Lisboa a recolher líderes políticos, que foram depois chacinados no Arsenal da Marinha.
 
A camioneta fantasma. Foto Ilustração Portuguesa, 12 de novembro de 1921. Foto Hemeroteca Digital
 
Estes antigos álbuns familiares são com efeito inventário de imagens do passado de uma família, mas também da sociedade de uma região num determinado momento histórico e um testemunho muito relevante para a história no geral

Alguma bibliografia:

António Granjo : República e liberdade / Ernesto Castro Leal, Teresa Nunes ; rev. Susana Oliveira. - Lisboa : Assembleia da República, 2012.

Cinzas imortais: na morte de António Granjo / Rodrigo de Castro. – Porto: Tip. Lusitania, 1922
 
E ainda um agradecimento especial à Sra. D. Gabriela Fontes
 

terça-feira, 2 de abril de 2019

Fragmentos de um vaso opulento


O dono de uma loja de velharias ofereceu ao meu amigo Manel estas duas antigas pegas de um vaso ou taça em terracota. São dois meninos, ou putti, como se diz em arte, em forma de caríatides, que em tempos foram as asas de uma taça ou vaso opulento. Certamente que essa peça seria meramente decorativa e estaria pousada em cima de uma pequena mesa, um guéridon, ou numa consola à entrada de uma casa burguesa, numa demonstração óbvia que a família proprietária era rica e poderia dar-se ao luxo de comprar objectos aparatosos, caros e inúteis. Porém, quando os senhores da casa morreram, os netos ou bisnetos venderam o recheio da casa e nas mudanças, a aparatosa taça partiu-se em mil pedaços e restaram estas asas. Talvez estes dois fragmentos sejam mais bonitos assim, com um certo ar de achados arqueológicos, do que quando a taça estava inteira, certamente uma coisa demasiado pretensiosa e burguesa.
 
Asas de uma taça ou vaso

Não é que não tenha procurado na net como seria o objecto a que estas asas estavam adoçadas. Mas nas artes decorativas europeias, vasos e taças com asas em forma de caríatides são muito comuns na ourivesaria, no barro, na porcelana e ainda nos bronzes e em outras ligas metálicas e as pesquisas que fiz acabaram por ser inconclusivas. Coloquei a hipótese de se tratarem das asas de uma taça feita nas Caldas, mas naquele centro de fabrico cerâmico há sempre uma certa busca pelo insólito e seria mais natural que tivessem escolhido para as pegas a forma de um lagarto ou de um macaco. Outra suposição que faria sentido seria a Fábrica das Devesas, que produziu taças e vasos decorativos com decorações rebuscadas. Também poderá ser o caso ser um fabrico francês ou espanhol. Por uma questão de mera intuição creio que serão peças fabricadas nos finais do XIX ou na primeira metade do XX.

Em todo o caso, estes fragmentos assim soltos tem a capacidade de nos despertar a imaginação. Olhamos para eles e começamos a reconstituir mentalmente o vaso burguês e pomposo a que um dia pertenceram, ou pura e simplesmente deixamo-nos arrastar pelo romantismo e sonhamos que foram postos a descoberto numa jazida arqueológica na Sicília, em Chipre ou na Grécia.