domingo, 30 de setembro de 2018

Nove anos de velharias do Luís ou meia-noite em Paris

Imagem de um blog virado para o passado
Quem vier parar a este blog por acaso, entrando aqui às cambalhotas, através de uma pesquisa no Google, pensará que eu sou um homem muito mais virado para o passado que o presente. Mas, em todas as épocas históricas há sempre gente nostálgica do tempo que já passou. O Woody Allen realizou um fime, Midnight in Paris, em que um argumentista americano com pretensões a escritor, visita a capital francesa esperando encontrar qualquer coisa do ambiente frenético dos anos 20, em que Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Jean Cocteau, Picasso e tantos outros animavam a vida cultural da cidade. Numa noite, em que o protagonista bebeu de mais, é transportado como por um passe de mágica para os anos 20, onde conhece todas aquelas personagens fantásticas, que sempre admirou através dos livros e dos filmes. Apaixona-se então por uma rapariga linda, desempenhada por Marion Cotillard, que servia de modelo a Picasso. Porém, a jovem é uma nostálgica da Belle Époque e apenas sonha viver nos finais do século XIX. Há novamente um passe de mágica e o protagonista, na companhia da bela Marion Cotillard viajam novamente no tempo, até à Belle Époque, onde travam conhecimento com Henri de Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin, e Edgar Degas, que sonhavam viver no Renascimento. Enfim, a Marion Cotillard decide ficar  no século XIX, o protagonista volta ao tempo presente, o século XXI, envolve-se uma jovem parisiense vendedora de discos antigos e aproveitando a experiência única da sua viagem ao passado e dos conselhos literários de Gertrude Stein publica um romance sobre um homem, proprietário de uma loja de velharias, que é um enorme sucesso.


Uma velharia que não envelheceu o suficiente para ser uma antiguidade ou uma peça de museu

Além de uma belíssima homenagem a Paris e ao seu passado grandioso como centro das artes e da cultura na Europa, é um filme muito interessante sobre o fascínio pelo passado, que em todas as épocas existiu e que é em si um impulso da criação artística.

Tal como o protagonista de Midnight in Paris, também neste este blog, ao longo de nove anos usei o passado como motivo inspirador, para criar qualquer coisa de muito pessoal, que partilho com uma pequena comunidade de amantes da história, da arte e das coisas antigas.

Muito obrigado a todos os que visitam este blog e deixo-vos com  uma cena de Midnight in Paris, quando o protagonista viaja até à Paris dos anos 20 e entra num Cabaret, onde Josephine Baker canta La Conga Blicoti







quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Uma velha escada em pinho de Riga


A escada em pinho de Riga é dos elementos arquitectónicos, que mais aprecio na casa da minha família materna. É toda ela muito bem construída, ladeada com balaústres e colunas, com degraus não muito altos, espelhos com boa largura e ainda um bom corrimão, de forma a que, qualquer pessoa, mesmo com dificuldades de locomoção, a possa subir e descer facilmente e sem risco de cair. Segundo um dos meus tios me contou, esta escada foi encomendada especialmente para que a minha avó, que tinha problemas nas pernas a pudesse subir sem esforço e em segurança. Coitada, na época em a escada foi encomendada, em 1933, tinha 39 anos e já tinha dado à luz 8 crianças e era natural, que todas essas gravidezes, lhe tenham prejudicado a saúde e lhe custasse subir escadas.
 
Factura da Boa Reguladora relativa à encomenda dos materiais para a construção da escada
Um dos meus primos descobriu há pouco nos papéis de família a factura relativa a esta escada, bem como às outras madeiras, que apetrecharam a casa, os soalhos e os vãos de porta. A factura data de 1933, um ano antes do final das obras de construção da casa e foi emitida em nome do meu avô, materno António da Purificação Ferreira. A empresa que forneceu as madeiras foi nada mais nada menos do que A Boa Reguladora, de Vila Nova de Famalicão, famosa pelos seus relógios de parede e despertadores, que existiam em quase todas casas portuguesas, mas que também se dedicava a actividades que eu desconhecia completamente, como à carpintaria, serração, moagem e ainda tinha uma central de electricidade.
 
 
Nos últimos tempos, a escada ganhou caruncho, problema que não existia antigamente, quando a casa estava habitada o ano inteiro e as lareiras acendiam-se quase continuamente durante todo o ano, fumigando as madeiras e matando assim os xilófagos, o nome científico, que se dá a esses bichinhos antipáticos.

Todos os anos, quando regresso a esta velha casa de família, encero esta escada furiosamente, numa luta sem tréguas contra o caruncho e creio que sobretudo contra o tempo, que ingenuamente tento parar. Talvez acredite que mantendo aquela escada bonita e bem tratada, possa conservar a memória dos que tantas vezes a subiram, da minha mãe com os seus passos apressados ou da minha avó materna, esgotada de tantos partos, dos meus tios que já morreram todos, ou até da minha própria infância e da dos meus filhos.
 
 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Uma vista de Montréal em 1830: travessa da Davenport


A faiança inglesa da primeira metade do século XIX, com suas paisagens e panorâmicas, é qualquer coisa de fascinante. Se muitas das vistas são meramente imaginadas, outras são bem reais, como é o caso desta travessa da Davenport, que retrata a cidade canadiana de Montreal, vista da ilha de Santa Helena.
No canto inferior esquerdo vê-se a âncora, típica marca da Davenport
Esta travessa terá sido produzida mais ou menos entre 1830 e 1840 pela fábrica inglesa de Davenport e inspirou-se numa estampa gravada por R. A. Sproule e W. L. Leney, datada de 1830 e executada a partir de um desenho de Robert Auchmuty Sproule (1799-1845). Este motivo serviu de base para a produção de um serviço inteiro, com pratos, travessas e molheiras, terrinas e tudo o mais.
 
Vue de Montréal à partir de l'île Sainte-Hélène. Estampa gravada por R. A. Sproule e W. L. Leney, datada de 1830 e executada a partir de um desenho de Robert Auchmuty Sproule
A panorâmica de Montréal da Davenport é tão boa, que ultrapassa em qualidade a gravura que lhe serviu de modelo. Nesta última, os barcos que navegam no rio estão dispostos de forma muito certinha, enquanto que, na travessa, o porto de Montreal fervilha de actividade e o tráfico do rio é intenso.
 
Davenport
O porto fervilha de actividade e ao fundo vislumbra-se a recém inaugurada catedral de Notre-Dame
Com efeito, a imagem desta travessa surpreendeu um momento da história de Montreal particularmente activo e próspero. Durante a primeira metade do século XIX, Montreal passa de uns modestos 9 mil habitantes para cerca de quarenta mil habitantes, tornando-se a maior cidade do Canadá. Uns cincos anos antes de a gravura ter sido impressa, em 1825, tinha sido aberto o canal de Lachine, que permitiu contornar os rápidos do Rio de São Lourenço, junto aquela cidade canadiana. Também nesse mesmo ano, mais a sul, os americanos construíram o canal Érié, que ligou o lago com o mesmo nome ao Hudson e ao porto de Nova Iorque. Montreal passou a contar com duas ligações fluviais ao atlântico e o tráfico do porto tornou-se intenso. Barcos a vapor, como aquele que é aqui mostrado, da British America asseguravam a ligação entre Québec e Montréal. A prosperidade era tão grande que em 1830 a cidade resolve erguer uma nova catedral, a igreja de Notre-Dame, construída em estilo neogótico e que vemos aqui representada, apesar de nessa época, as torres ainda não estarem terminadas. A cidade ganhou tanta importância, que entre 1842 e 1849 foi capital política e administrativa do Canadá.
Vapor da British America, que assegurava a ligação entre Québec e Montreal
Foi também entre 1800-1850, que Montréal deixou de ser uma cidade exclusivamente francófona e católica, em resultado do enorme fluxo de emigrantes, provenientes da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda. Começaram então os conflitos entre as duas comunidades, a francesa e a inglesa, com os irlandeses católicos a aliarem-se aos franceses, também eles apostólicos e romanos. Todos estes problemas entre francófonos e anglófonos e entre católicos e protestantes culminaram na destruição do parlamento em 1849 e na consequente passagem de Montréal para Toronto da capital administrava e política do Canadá.
 
Vista de Montréal a partir do monte de Santa Helena, tirada nos nossos dias. Foto www.alamy.com
Hoje, passados quase duzentos anos, da produção desta travessa, a vista de Montréal a partir do monte de Santa Helena continua a ser um dos temas preferidos dos postais ilustrados e de todas as fotografias panorâmicas da cidade. Só que entretanto Montréal encheu-se de arranha-céus e mal se vê a catedral de Notre-Dame.
 
Alguns links consultados:
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Serviço de café da Schafer & Vater: da fábula às sufragistas


Este curioso serviço de café está na casa da minha família materna no Norte. As suas peças parecem figurantes de algum filme de animação da Disney, tendo por tema a Alice no país das maravilhas ou a Bela e o monstro. Talvez por essa razão tenha encantando várias gerações de meninas, que se entretiveram a inventar histórias com os bules, as leiteiras e as chávenas, reprodução de caras femininas de várias idades.

Personagens da Bela e do Monstro da Disney
Recordo-me da minha irmã contando às suas filhas qualquer coisa acerca de um passeio da mãe bule acompanhada das suas filhas pequenas, as chávenas  e talvez tivesse havido mesmo uma mais desobediente, que se afastou das restantes e se quebrou, como a na fábula da panela de ferro e da panela de barro. Já não me recordo bem dessas histórias, mas o que é certo é que a leiteira do serviço está realmente quebrada.


Este ano resolvi fotografar o serviço e tentar apurar qualquer coisa de mais concreto acerca dele e quem estas senhoras e meninas em loiça realmente representam. Através de uma pesquisa de imagens no google, combinada com palavras chave rapidamente encontrei dois ou três serviços à venda iguais, com identificação do fabricante. O serviço foi fabricado pela Schafer & Vater, firma alemã sedeada na Turíngia, em Volkstedt-Rudolstadt e cuja actividade decorreu entre 1890 e 1962. Esta Schafer & Vater produziu mais ou menos de tudo um pouco, mas destacou-se sobretudo pelas suas peças de louça divertidas e insólitas. A suas manufacturas são sempre de muito boa qualidade, com um grão fino, textura aveludada, já que a fábrica disponha de importantes minas de caulino nas imediações.
 Schafer & Vater produziu louça divertida e insólita.
Este serviço terá sido provavelmente fabricado nos primeiros anos do século XX e relativamente ao seu significado, o portal dos antiquários WorthPoint, indica tratar-se de uma caricatura das sufragistas, as mulheres, que lutavam pelo direito ao voto, enchendo os cabeçalhos dos jornais nessa época. O serviço está pintado em verde (Green), branco (White) e violeta (Violet), que correspondem às iniciais do moto das "sufragettes" Give Women Votes!

Afinal estas figuras femininas não ilustraram uma história qualquer infantil, mas antes as senhoras do movimento sufragista, que no início do século XX manifestaram-se ruidosamente na rua, punham bombas, faziam greves da fome e houve mesmo uma delas, que se matou atirando-se para debaixo das patas do cavalo do rei.