quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Uma velha escada em pinho de Riga


A escada em pinho de Riga é dos elementos arquitectónicos, que mais aprecio na casa da minha família materna. É toda ela muito bem construída, ladeada com balaústres e colunas, com degraus não muito altos, espelhos com boa largura e ainda um bom corrimão, de forma a que, qualquer pessoa, mesmo com dificuldades de locomoção, a possa subir e descer facilmente e sem risco de cair. Segundo um dos meus tios me contou, esta escada foi encomendada especialmente para que a minha avó, que tinha problemas nas pernas a pudesse subir sem esforço e em segurança. Coitada, na época em a escada foi encomendada, em 1933, tinha 39 anos e já tinha dado à luz 8 crianças e era natural, que todas essas gravidezes, lhe tenham prejudicado a saúde e lhe custasse subir escadas.
 
Factura da Boa Reguladora relativa à encomenda dos materiais para a construção da escada
Um dos meus primos descobriu há pouco nos papéis de família a factura relativa a esta escada, bem como às outras madeiras, que apetrecharam a casa, os soalhos e os vãos de porta. A factura data de 1933, um ano antes do final das obras de construção da casa e foi emitida em nome do meu avô, materno António da Purificação Ferreira. A empresa que forneceu as madeiras foi nada mais nada menos do que A Boa Reguladora, de Vila Nova de Famalicão, famosa pelos seus relógios de parede e despertadores, que existiam em quase todas casas portuguesas, mas que também se dedicava a actividades que eu desconhecia completamente, como à carpintaria, serração, moagem e ainda tinha uma central de electricidade.
 
 
Nos últimos tempos, a escada ganhou caruncho, problema que não existia antigamente, quando a casa estava habitada o ano inteiro e as lareiras acendiam-se quase continuamente durante todo o ano, fumigando as madeiras e matando assim os xilófagos, o nome científico, que se dá a esses bichinhos antipáticos.

Todos os anos, quando regresso a esta velha casa de família, encero esta escada furiosamente, numa luta sem tréguas contra o caruncho e creio que sobretudo contra o tempo, que ingenuamente tento parar. Talvez acredite que mantendo aquela escada bonita e bem tratada, possa conservar a memória dos que tantas vezes a subiram, da minha mãe com os seus passos apressados ou da minha avó materna, esgotada de tantos partos, dos meus tios que já morreram todos, ou até da minha própria infância e da dos meus filhos.
 
 

16 comentários:

  1. Gosto muito das madeiras dessa casa.
    O pinho de Riga, com a idade, adquiriu uma coloração lindíssima, que, com a cera, cada vez vai ficando mais bonita. Os veios vão ficando com nuances de um louro a castanho escuro, e o brilho acetinado da cera deixa-a perfeitamente fantástica, produzindo reflexos quentes.
    Tenho tanta pena que essas madeiras estejam em decadência, pois esse pinho nórdico produz obras notáveis.
    Fiquei admiradíssimo pelo facto de saber que essas madeiras tinham sido fornecidas pela Boa Reguladora, que, para mim, só significava uma marca de relógios, por sinal, de muito boa qualidade.
    Mas faz sentido, pois se eles importavam madeiras, algumas delas deveriam ser mesmo exóticas, para a produção das caixas de relógios, onde ela era toda aparelhada e trabalhada, nada de espantar que estendessem a produção à própria construção de arquitetura.
    Mas foi uma admiração para mim.
    Quem deve saber esta informação melhor será seguramente o Joaquim Malvar.
    Manel

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    1. As madeiras desta casa são todas elas muito bonitas. Nestes anos, 30 a Letónia ainda não tinha caído nas mãos da União Soviética e a cidade de Riga continuava a ser o porto de exportação de madeira proveniente das grande florestas da área.

      Quanto à Boa Reguladora, o Joaquim Malvar abordado ao de leve o assunto no seu blog, que infelizmente acabou. Eu é que já não recordava disso. Com efeito, a Boa Reguladora construiu uma central elétrica, que abastecia Vila Nova de Famalicão inteira.

      Em todo o caso, estes documentos antigos, que guardamos nas nossas famílias e que aparentemente só interessam aos próprios, acabam por ser fontes interessantes para a história da indústria e do comércio no nosso País. Para a sua época e para o Portugal de então, a Boa Reguladora era um empório industrial.

      Um abraço

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    2. Ola Luís e Manel.
      A Reguladora era de facto um empório.
      O palacete que foi construído por volta de 1917 a 1919 pelo meu avo materno Joaquim Malvar por essa altura já com luz eléctrica era fornecida pela Reguladora.
      Meu bisavo paterno era irmão do José Carvalho.

      Aproveito para deixar um abraço e agradecimento pelos excelentes posts e comentários nomeadamente os do Manel.


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    3. Bem me parecia que o Joaquim Malvar saberia a história de uma forma mais completa, pois tinha conhecimento que a Boa Reguladora estava intimamente ligada à sua família.
      Também vos envio os cumprimentos, a si e à Ângela, de quem sinto igualmente saudade.
      Manel

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    4. Joaquim Malvar

      Quando escrevi este post lembrei-me logo de si, pois sabia que era descendente dos proprietários da Boa Reguladora e recordava-me de ter referido isso no seu blog e creio que ao vivo também conversámos sobre o assunto.

      Escrever sobre esta escada e a factura que dela se guarda foi uma oportunidade para conhecer melhor as actividades da Boa Reguladora, uma empresa que faz parte do imaginário português, tal como a Fábrica de Louça de Sacavém ou a Vista Alegre.

      Por outro lado, parece que os destino das nossas famílias se voltou a cruzar mais uma vez.

      Um grande abraço para si e para a Ângela

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  2. Caro Luis
    De passagem frequente por este espaço, nem sempre deixo comentários, mas este apontamento sobre umas escadas simples, está carregado de um ambiente que creio que até o próprio cheio da cera invoca. Quem sobe e quem desce,a alegria de subir as escadas e a trizteza que se mistura com no subir e o descer, mas quando foi a ultima descida, porque tudo se resume à uma ultima descida a qual nunca sabemos.
    Encerar será mais um gesto de deixar a marca, uma presença próxima de uma saudade, o polir os passos perdidos de quem muito próximo ali passou.
    Optimos trabalhos de pesquisa.
    Abraço
    Vitor Pires

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    1. Caro Vítor

      Obrigado pelo seu comentário.

      Tem razão, o prosaico trabalho de encerar esta escada, acaba por ser um acto muito sentimental. Enquanto estou agachado com o pano e a cera na mão, não consigo deixar de pensar nas pessoas todas que por ali passaram e que já deixaram este mundo, bem como na minha infância, que ocorreu há meio século atrás. As casas velhas são assim, carregadas de emoções, sobretudo para nós, os sentimentais e os românticos.

      Um grande abraço para si

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  3. Lu~is

    Que palavras tão cheias de sentimento e de significado.

    Um abraço

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    1. Ivete

      Muito obrigado pelo seu comentário. Quando o tema nos toca muito, como o de uma velha casa de família, as palavras saem mais facilmente de uma forma mais verdadeira.

      Um abraço

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    2. Afinal q se passa com vós todos. A verdadeira riga nao pode ganhar bicho

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    3. Caro Desconhecido.

      Limitei-me aqui a escrever o que a tradição familiar dizia sobre a madeira desta escada, mas não tenho conhecimentos para identificar o que é pinho de Riga. Em todo o caso, agradeço-lhe ter levantado essa dúvida, que fica registada.

      Um abraço

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  4. Eu tenho alguma riga no porto ao ar livre e nao protegida. Pousada na terra diretamente há mais de 20anos nao apodrece nem ganha bicho. Procuro compradores

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  5. Olá
    Também sempre ouvi dizer q o pinho de Riga não ganhava bixo. Aliás comprovo-o pois moro numa casa dessas q estava toda alcatifada e recentemente retirei a alcatifa toda e apareceu um soalho imenso em pinho de Riga sem qq marca de caruncho

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    1. Zé Diogo

      Com efeito não tenho a certeza de que se trate de pinho de Riga. Neste post repeti o que ouvi de uma tradição familiar. Mas admito que a minha mãe e os meus tios confundissem pinho de Riga com outro pinho qualquer de qualidade.

      Um abraço

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