Embora há muito que tenha perdido a fé, gosto muito de registos de santos e tenho as paredes da casa cheias com eles e ainda um grande envelope com uma vintena destas imagens, em fila de espera, aguardando pacientemente um lugar.
Conhecendo este meu gosto por beatices, uma amiga, a Carmo, ofereceu-me uns quantos destes registos, que eram da sua mãe. Encantei-me logo por um deles, impresso em pergaminho e aguarelado à mão, uma coisa ingénua com o seu quê de popular, que são os que sempre me agradam mais.
Esta estampa apresenta o nome do autor abreviado Cor. v. Merlen, isto é, Cornelis van Meirelen (1654-1723), um impressor /gravador muito conhecido, de que já apresentei aqui um S. Sebastião. Nasceu e morreu em Antuérpia, na actual Bélgica e foi um editor prolixo de registos de santos, muitos deles coloridos, mas também de gravuras mais sérias e até de baralhos de cartas. Como era vulgar na época, em que os ofícios passavam de pais para filhos, o seu pai Theodor van Merlen II (1625-1672) foi também impressor e depois da sua morte de Cornelis a viúva e filhas continuaram o negócio. No período em Cornelis van Meirelen viveu, Antuérpia estava entre os principais centros editoriais da Europa e além de livros, exportava para o mundo católico e apostólico romano imagens de santinhos como esta, destinadas a devoções privadas.
No rodapé desta folhinha em pergaminho, há uma legenda em latim, MYSTERIA S. MI ROSARII, que creio quem português se pode traduzir por Mistérios do Santíssimo Rosário
É uma representação de Nossa Senhora do Rosário, mas também a imagem dos mistérios sobre os quais se medita enquanto se reza o Rosário, isto é, os acontecimentos fundamentais da vida de Cristo e Maria. Nesta gravurazinha a os mistérios são em número de 15. Só em 2002, com o Papa João Paulo II é que foram acrescentados mais 5 mistérios.
Em francês, o Rosário traduz-se por Chapelet, cujo termo deriva, de Chapel, isto é, capela. Esta estampa, no fundo representa 15 capelinhas, com imagens da vida de Cristo e de Maria, nas quais as pessoas se deteriam para meditar e fazer umas quantas orações, só que em vez de estarem numa igreja, faziam-no em casa, como que numa peregrinação interior.
Na época em que a estampa foi impressa, os mistérios eram os seguintes:
Os gozosos:
1- a anunciação;
2- a visitação;
3- o nascimento de Jesus;
4 -a apresentação ao templo;
5- A perda e encontro do Menino Jesus no Templo;
Os dolorosos:
1- a agonia de Jesus no horto;
2- a flagelação;
3- a coroação de espinhos;
4 Jesus carregando a cruz;
5- a crucificação;
Os gloriosos:
1- a ressurreição de Jesus;
2 - a ascensão;
3- o Pentecostes;
4 - a assunção;
5- a coroação de Maria.
Como objecto de devoção, o rosário é muito antigo, dos primeiros séculos do Cristianismo, mas o culto à Virgem do Rosário só começou a partir dos séculos XIV e XV por influência dos dominicanos.
Quanto à datação desta estampa em pergaminho e aguarelada à mão, foi impressa em Antuérpia por Cornelis van Meirelen entre 1672, data da morte do pai, ano em o jovem terá assumido o controlo da oficina e 1723, ano em faleceu.
Talvez os católicos praticantes que leiam estas linhas, achem as minhas explicações pueris, mas para mim, que recebi uma educação religiosa deficiente e não tenho fé, a iconografia desta estampa foi um mistério, que resolvi tirar a limpo. Gosto sempre de entender e saber mais sobre as velharias que ponho em casa.
Ligações e bibliografia consultadas:
Iconographie de l'art chrétien / Louis Réau. - Paris : Presses Universitaires de France, 1955