sexta-feira, 30 de setembro de 2016

7 anos de Velharias do Luís

 
O blog velharias do Luís cumpre hoje sete anos completos.
 
Desde 30 de Setembro de 2009 para cá publiquei 502 posts e o blog foi visitado por 688 453 pessoas. Se alguns dos números destas estatísticas não me surpreendem, a maioria dos visitantes vem de Portugal, a seguir do Brasil e em terceiro lugar dos Estados Unidos da América, outros deixam-me espantado, como os 12.770 visitantes da Rússia. Está bem que há que desconfiar destes números, pois 12.700 podem não querer dizer necessariamente, que doze mil russos visitaram o Velharias do Luís, mas antes que um russo qualquer muito simpático visitou doze mil vezes o meu blog. Talvez nem seja sequer russo, mas um português a viver em Moscovo. Em todo o caso, como sempre tive um grande fascínio pela cultura russa, fico muito sensibilizado com esta estranha e relativa popularidade nas vastas terras da Eurásia. 


Consulto sempre regularmente as estatísticas de visualizações do blog, não tanto por vaidade, pois um blog de velharias e antiguidades tem necessariamente um público reduzido, mas porque sinto curiosidade em conhecer os que tem pachorra para me ler. Imagino que sejam pessoas que tentem conhecer o valor e o interesse das peças que herdaram, comerciantes de velharias, coleccionadores amadores, estudantes de arte ou gente que veio aqui parar empurrada pelo motor de busca do Google. Alguns deles são antigos amigos e familiares, com os quais perdi o contacto e que a net nos reaproximou. Também sei que muitíssimos leitores do blog estão no Brasil, o que me leva a concluir que os portugueses e brasileiros formam de facto uma comunidade cultural, independente dos acordos e tratados políticos que os respectivos governos assinem.
 
Estátua ao escritor anónimo, Budapeste

Mas falta-me um rosto para esses leitores anónimos. Por vezes penso neles, como aquela estranha estátua de Budapeste, que representa um homem de rosto velado, erguida em homenagem a um escritor anónimo, que escreveu a primeira história da Hungria.

Enfim, queria agradecer a esse leitor anónimo de rosto velado, aos meus seguidores do blog e do facebook a paciência de me lerem, sem esquecer os comentadores habituais, que aqui proporcionam uma agradável tertúlia sobre arte, história e velharias.
O autor do blog agradece ao leitor anónimo, aos seguidores e comentadores do blog
 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Bule de chá de faiança inglesa do início do século XIX


Não sei quantos bules tenho em casa, mas certamente que com eles poderia oferecer um chá para pelo menos umas quarenta pessoas, o que é um contra senso, pois na minha casa só tenho capacidade para receber umas seis pessoas de cada vez e mesmo assim terão que ficar apertadinhas à mesa e duas delas sentadas no sofá. Apesar disso, numa loja perto do meu emprego, que vende roupa em segunda mão e outros trastes, não resisti à tentação e comprei mais um bule, desta vez uma peça inglesa, datada das primeira três décadas do século XIX, do chamado Historical Staffordshire. Este período da faiança inglesa caracteriza-se pelo uso de azuis-escuros, muito mais do que aqueles que se vieram a usar mais tarde, em meados do século XIX, por uma decoração sobrecarregada, em que quase não há espaços em branco e ainda por bordaduras florais a enquadrar as cenas. 
Embora muito sumida, no canto inferior direito vê-se a âncora da Davenport

O bule foi produzido pela Davenport, uma fábrica activa entre 1793-1887 na localidade de Longport e apresenta no tardoz duas marcas, uma estampada e outra incisa. A julgar pelo site http://www.thepotteries.org estas marcas terão sido usadas entre 1805 e 1820.

O cottage e as ovelhinhas a pastar
Contudo, apesar de ter vasculhado a net de fio a pavio e de ter visto centenas de bules e dúzias e dúzias de pratos e cafeteiras da Davenport, não consegui identificar o nome deste padrão decorativo. Os elementos que compõem a decoração deste bule, uma paisagem campestre, um cottage, ovelhinhas a pastarem, jovens colhendo flores e a torre de uma catedral ao fundo, são muitíssimo comuns na faiança inglesa desta época. Há imensas variantes e em vez de ovelhas, podem ser vaquinhas ou cavalos e em lugar da torre da catedral pode ser representada uma abadia em ruínas e no lugar dos meninos, pode estar uma camponesa a ungir uma vaca. Aliás, já na segunda metade do século XIX, Sacavém produziu uma loiça muito bonita inspirada nestas cenas rurais inglesas, o célebre padrão das vaquinhas, de que já aqui escrevi.
A vista da catedral de Salisbury pintada por John Constable poderia ser uma decoração de um qualquer prato ou bule de faiança inglesa do início do século XIX. Foto Wikipedia de obra do Victoria  Albert Museum
Já depois da publicação deste post, a Judie Siddall, autora do excelente blog http://dishynews.blogspot.pt/, localizou este padrão na base dados do Transferware Collectors Club. O padrão não tem um nome de fábrica e é conhecido por children planting. As flores que decoram a orlas são petúnias e crisântemos. No entanto, a Judie Siddall é de opinião que estas 3 figuras estão antes a recolher lúpulo.




Estas cenas rurais tão na moda na faiança inglesa desta época terão sido provavelmente inspiradas pela pintura inglesa, cujos artistas também se compraziam a pintar paisagens campestres, com rios, cavalos e vaquinhas e torres de catedrais góticas ao fundo. Quem me chamou a atenção para este paralelismo entre a pintura e a faiança, foi o meu amigo Manel, que mal viu o bule se lembrou imediatamente das vistas da catedral de Salisbury pintadas por John Constable, precisamente cerca de 1820.

O bule está um bocadinho esbeiçado aqui e acolá e falta-lhe a pega da tampa, mas olhar para esta peça todos os dias é um pouco como ter na minha casa uma cena daquela Inglaterra eterna dos romances das irmãs Brontë.


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Três estojos de jóias vazios

 
Na casa de um homem só, que gosta de se rodear de velharias e coisas recolhidas aqui e acolá, há sempre objectos surpreendentes e inusitados, como estes três pequenos estojos de jóias, dois deles cheios de nada e o terceiro de coisa nenhuma. Só puxando um pouco pela nossa imaginação é que podemos ver ali a surpresa de uma jovem a abrir uma das caixinhas e encontrar ali um anel de noivado com um diamante, um cordão de ouro ou um broche de prata, incrustado de pedrarias. 
 
Pertenceram à minha avó Mimi e julgo que terão contido jóias oferecidas por ocasião do seu casamento, no final da década de 20, provenientes de algum ourives do Porto ou de Guimarães, cidades que tradicionalmente abasteciam todo o Norte de Portugal de trabalhos de ouro e prata. Também não sei se não seriam coisas mais antigas ainda, que a Mimi terá guardado da sua mãe ou de uma qualquer velha tia, porque a minha avô era também uma mulher sentimental em relação aos objectos do passado e conservava-os com respeito. O que é certo, é que os anéis e os alfinetes de ouro foram retirados destas caixinhas há muito e actualmente devem estar nas mãos da minha irmã ou da minha tia paterna. Na partilha de bens, que houve a seguir à morte da minha avó calharam-me apenas os estojos vazios, que achei desde logo um pequeno encanto.

Ao contrário das jóias, que no passado foram consideradas pelas mulheres de todas as classes sociais como um investimento, um bem que elas poderiam vender em caso de aflição, estes estojos que agora pertencem a um homem e não tem qualquer valor comercial. Guardo neles pequenos nadas, como uma moeda romana ou um pin da Academia de Ex-Libris, de que a minha avó foi sócia.

Se os diamantes têm sido os melhores amigos das mulheres avisadas, os estojos de jóias vazios parecem entender-se muito melhor com homens solitários e sentimentais.

 
Talvez a surpreendente versão dos Diamonds are a Girl's Best Friend, interpretada por um homem, Jay Amstrong Johson, seja um remate curioso para este texto acerca de estojos, que uma jovem esvaziou de jóias há cerca de 80 anos atrás.


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O requinte de um serviço de chá da Vista Alegre


Quem gosta de comprar porcelanas antigas nunca consegue deixar de se surpreender com a variedade de formas e decorações que a Vista Alegre usou ao longo do século XIX, em particular no período entre 1870-1880. Relativamente ao serviço de chá que hoje aqui apresento, nunca tinha visto estas formas de bule, açucareiro e a leiteira, com um certo toque de neo-barroco nas asas. Também desconhecia esta decoração feita com um filete dourado, que de tão simples acaba por ser muito requintada. De tal maneira requintada, que o meu amigo Manuel, quando lhe pôs os olhos em cima convenceu-se imediatamente que era porcelana de Paris. Só quando virou uma das peças e viu o VA em azul se persuadiu que o serviço afinal era portuguesíssimo.


Apesar de isolada em Ílhavo e longe de Paris ou Viena, a Fábrica da Vista Alegre foi tendo ao longo do século XIX uma produção muito interessante, com bom gosto e sobretudo muito variada.

Aliás, estou cada vez mais convencido que a Vista Alegre aceitava correntemente encomendas com decorações personalizadas. No Museu da fábrica existem dois pratos com um mostruário de armas e monogramas, correspondentes a este período, 1870-1880 e que foram reproduzidos na página 135 da obra de Ilda Arez Vista Alegre: porcelanas. Lisboa: INAPA, 1989.


Que os clientes podiam encomendar os monogramas com as suas iniciais e colocar os seus brasões nas loiças é pois um facto comprovado, mas seria interessar saber se no museu da fábrica existem para esta época pratos mostruário com as decorações possíveis de seleccionar ou se nos arquivos os livros de registos de encomendas fazem referência a pedidos de decorações personalizadas.


Encontrei no site Avaluart um serviço de chá com formas semelhantes a este, do mesmo período, 1870-1880, mas decorado com parras e uvas.
Foto http://www.avaluart.com/


O serviço foi comprado pelo meu amigo Manel e é com efeito um conjunto exemplificativo dos momentos de grande qualidade que a Vista Alegre conseguiu alcançar no período entre 170-1880.