segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Bule de chá de faiança inglesa do início do século XIX


Não sei quantos bules tenho em casa, mas certamente que com eles poderia oferecer um chá para pelo menos umas quarenta pessoas, o que é um contra senso, pois na minha casa só tenho capacidade para receber umas seis pessoas de cada vez e mesmo assim terão que ficar apertadinhas à mesa e duas delas sentadas no sofá. Apesar disso, numa loja perto do meu emprego, que vende roupa em segunda mão e outros trastes, não resisti à tentação e comprei mais um bule, desta vez uma peça inglesa, datada das primeira três décadas do século XIX, do chamado Historical Staffordshire. Este período da faiança inglesa caracteriza-se pelo uso de azuis-escuros, muito mais do que aqueles que se vieram a usar mais tarde, em meados do século XIX, por uma decoração sobrecarregada, em que quase não há espaços em branco e ainda por bordaduras florais a enquadrar as cenas. 
Embora muito sumida, no canto inferior direito vê-se a âncora da Davenport

O bule foi produzido pela Davenport, uma fábrica activa entre 1793-1887 na localidade de Longport e apresenta no tardoz duas marcas, uma estampada e outra incisa. A julgar pelo site http://www.thepotteries.org estas marcas terão sido usadas entre 1805 e 1820.

O cottage e as ovelhinhas a pastar
Contudo, apesar de ter vasculhado a net de fio a pavio e de ter visto centenas de bules e dúzias e dúzias de pratos e cafeteiras da Davenport, não consegui identificar o nome deste padrão decorativo. Os elementos que compõem a decoração deste bule, uma paisagem campestre, um cottage, ovelhinhas a pastarem, jovens colhendo flores e a torre de uma catedral ao fundo, são muitíssimo comuns na faiança inglesa desta época. Há imensas variantes e em vez de ovelhas, podem ser vaquinhas ou cavalos e em lugar da torre da catedral pode ser representada uma abadia em ruínas e no lugar dos meninos, pode estar uma camponesa a ungir uma vaca. Aliás, já na segunda metade do século XIX, Sacavém produziu uma loiça muito bonita inspirada nestas cenas rurais inglesas, o célebre padrão das vaquinhas, de que já aqui escrevi.
A vista da catedral de Salisbury pintada por John Constable poderia ser uma decoração de um qualquer prato ou bule de faiança inglesa do início do século XIX. Foto Wikipedia de obra do Victoria  Albert Museum
Já depois da publicação deste post, a Judie Siddall, autora do excelente blog http://dishynews.blogspot.pt/, localizou este padrão na base dados do Transferware Collectors Club. O padrão não tem um nome de fábrica e é conhecido por children planting. As flores que decoram a orlas são petúnias e crisântemos. No entanto, a Judie Siddall é de opinião que estas 3 figuras estão antes a recolher lúpulo.




Estas cenas rurais tão na moda na faiança inglesa desta época terão sido provavelmente inspiradas pela pintura inglesa, cujos artistas também se compraziam a pintar paisagens campestres, com rios, cavalos e vaquinhas e torres de catedrais góticas ao fundo. Quem me chamou a atenção para este paralelismo entre a pintura e a faiança, foi o meu amigo Manel, que mal viu o bule se lembrou imediatamente das vistas da catedral de Salisbury pintadas por John Constable, precisamente cerca de 1820.

O bule está um bocadinho esbeiçado aqui e acolá e falta-lhe a pega da tampa, mas olhar para esta peça todos os dias é um pouco como ter na minha casa uma cena daquela Inglaterra eterna dos romances das irmãs Brontë.


15 comentários:

  1. Luis,

    Como vai (não consigo achar a tecla de interrogação aqui)


    Sei que ando sumido. Mas não virei fantasma ainda... Postei um cmt lá no seu porta retrato antigo e como não vi resposta pensei que estivesse de férias ou coisa assim. Mas logo vieram outros posts e vi que está na ativa.

    Sobre o aparelho Vista Alegre do Manel tentei postar na ocasião um cmt em minha maquininha viciosa de mão que não adquiri mas acabei ganahndo uma de presente. Ainda bem que não sei usar direito só o rudimentar mesmo. Ainda assim me rouba o tempo precioso, como tem feito com todo mundo ou quase. Mas ainda não pude adquirir um note, então alguma coisa acesso por ela. O cmt não rolou então desisti.

    E vindo hoje aqui me deparo com este bule inglês que vou deixar por enquanto (tenho algumas peças semelhantes: bules, molheiras...)

    E tentar lembrar o que tentei postar sobre o aparelho VA:

    O Manel foi sortudo.

    Gostei que fotografou o fundo com o selo.

    Como tenho aquele catálogo da exposição itinerante (que Vc tem também) adoro ficar procurando o periodo das peças etc. E as não marcadas que se confundem com as de Paris, são muito interessantes.

    Acho que a marca do aparellho do Manel foi feita a pincel, à mão mesmo, ne.

    Aproveito para perguntar sobre uma expressão que não sei o que é: "grande fogo" azul, verde...

    E invejo o Fábio que pode desfrutar da companhia de Vcs e suas belas peças.


    Um abraço para você e aos amigos.

    ab

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    1. Amarildo

      Acabei de responder ao seu comentário sobre o porta retratos antigo, que com a bagunça que as férias sempre introduzem nas nossas vidas, tinha ficado esquecido.

      Tenho sempre alguma dificuldade em entender os aspectos técnicos do fabrico da porcelana, bem como a sua terminologia.

      Grande fogo significa que a pintura sobre o vidrado é remetida posteriormente a uma cozedura com temperaturas superiores a 1200 °C.

      A Mufla é um forno Mufla ou estufa para altas temperaturas usada na calcinação de substâncias.

      Mas na prática não percebo muito bem os resultados destas diferentes técnicas no aspecto das marcas.

      Um grande abraço

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  2. O bule é lindo. Eu também gosto muito de bules e ainda no Domingo vi um muito bonito, do século XVII (mas todo partido), no museu arqueológico municipal do Castelo de Palmela. Bom dia!

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    1. Margarida

      Obrigado pelo seu comentário tão simpático. Bem, um bule do século XVII, ainda que só se tenha um fragmento, é bonito na mesma. Mas faianças do século XVII não aparecem em adelos, lojas em segunda mão ou em feiras de velharias, muito embora tenha sempre a secreta esperança de no meio de uma data de pratos de pyrex dos anos 70 descobrir uma dessas preciosidades a um euro! lol.

      Bjos e boa semana

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  3. Luís!

    O seu bule é fabuloso! Com mazelas e tudo.

    Quanto à identificação da decoração tente no blog que lhe deixo abaixo. É uma boa fonte.

    Bjs

    http://dishynews.blogspot.pt/2016_09_01_archive.html

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    1. Maria Paula

      Adorei o http://dishynews.blogspot.pt e tornei-me logo seguidor. Tem imensa informação e coisas estupendas.

      A autora do blog já trabalhou em antiguidades e é membro fundador do Transferware Collectors Club. Portanto tem tudo para ser uma conhecedora. Terei que me tornar amigo dela, pois faz-me falta bibliografia sobre louça inglesa.

      Só é pena a senhora não ter o blogue classificado por assuntos. O que significa que se eu quero ver a louça Davenport tenho que vasculhar o blog desde o primeiro ao ultimo post. Apesar de não ter conseguido lá encontrar o padrão deste bule, fiquei encantado com o blog.

      Bjos

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  4. Mais uma bela peça inglesa.
    Fico sempre admirado como peças com cerca de 200 anos, ou mesmo mais, chegam até nós. Muitas vezes estropiadas, é certo, outras até em boas condições, mas chegam-nos e encantam-nos com a sua beleza.
    Se fossem de faiança portuguesa custariam fortunas, como são inglesas vendem-se por preços irrisórios.
    Claro que não estamos nos EUA, onde estas peças atingem preços incomportáveis (quiçá, a nossa cerâmica, a existir nos EUA, teria igualmente preços irrisórios), mas não é esta a razão que me faz aproveitar cada peça que encontro, é mais a sua beleza.
    Também raro deixo escapar uma peça destas, com este azul profundo, não raro num fantástico "flow blue", um desenho inconfundível, formas que nos são estranhas hoje em dia e padrões inspirados nas pinturas inglesas românticas do XIX.
    É uma combinação imbatível para nos deslumbrar. Não admira que esta cerâmica tivesse tanto sucesso na sua época, invadindo todos os mercados da altura.
    Mais tarde ou mais cedo encontrarás referência a este padrão, pois esta cerâmica é das mais estudadas, pesquisadas e catalogadas no mundo inteiro. Será uma questão de tempo.

    Mais uma belíssima informação da Maria Paula, que igualmente irei aproveitar, e que lhe agradeço muito.

    Quero deixar aqui uma mensagem ao Amarildo: que terei muito prazer em o convidar caso se proponha visitar esta parte do mundo, não necessita de ficar com inveja do Fábio, será muito bem vindo.

    Manel

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    1. Manel

      Eu até agora não tenha nenhuma faiança inglesa desta época, com estes tons de azul profundo, de modo que aproveitei a oportunidade e comprei este bule ali numa loja de velharias na Rua da Esperança, nº 24, quase a chegar a Avenida D. Carlos. Aliás é uma boa casa para comprar velharias pois os preços são sempre simpáticos e dona faz sempre uma atenção.

      A louça inglesa desta época tem charme burguês ao qual não se consegue resistir.

      Não consegui identificar o nome deste padrão. O tema pareceu-me uma coisa ao mesmo tempo com um cero ar infantil. Talvez fosse usado para servir chá a crianças, mas enfim, são só especulações. Aguardo pelo comentário da Maria Andrade que nestas coisas tem um faro especial.

      Um abraço

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  5. Que bule maravilha, Luís! Deixou-me logo outra vez no corpo o bichinho da faiança inglesa !!!! :). Já andei a vasculhar nas minhas peças Davenport desta época, tenho-as com as mesmas marcas e neste azul intenso, mas não encontrei este motivo, nem sequer a mesma cercadura, embora as tenha muito semelhantes.
    Quanto ao motivo, um dos posts que me faltou fazer e esteve várias vezes na calha, era sobre pratos que tenho de estilos diferentes mas com as mesmas duas crianças, aparentemente duas meninas, sentadas no chão e rodeadas de vegetação, como motivo central. Descobri que a gravura ilustrava uma história, real ou fictícia, de duas crianças que foram abandonadas na floresta, em voga na primeira metade do séc. XIX, conhecida por "Children in the woods". Na altura investiguei a história, mas já não me lembro de pormenores, apenas que era uma história tenebrosa de sofrimento infantil perpetrado por adultos malvados...
    Como o Manel, acredito que o motivo do seu bule também tenha uma história por trás, mas independentemente disso, é uma peça encantadora que nos transporta ao English countryside tal como foi retratado, como o Luís também refere, nos romances ingleses da época.
    Também agradeço à Maria Paula ter deixado aquele link do blogue, que me vai permitir regressar, embora transitoriamente, à minha paixão pela faiança inglesa em transferware azul e branco.
    Já agora, também adorei o serviço de chá VA do Manel e estive para comentar, mas depois faltou o tempo, passou a oportunidade e...
    Tudo de bom caros amigos. Continuem a deleitar-nos com estas belas peças resgatadas ao passado.
    Beijos

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  6. Para ser mais precisa, o nome da história é "Babes in the Wood" ;)

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    1. Maria Andrade

      Quando tentei identificar o padrão deste bule, fui fazendo pesquisas por palavras chave, que sintetizassem a cena aqui representada e uma das hipóteses de que coloquei era que este bule contava uma história qualquer, mas não consegui perceber qual. Sei que de facto alguns fabricantes se inspiraram na literatura e histórias populares para escolher as decorações das suas loiças, mas não consegui concluir nada.

      Quanto ao blog http://dishynews.blogspot.pt é muito bom e a senhora tem uma belíssima colecção. Deixei-lhe um comentário simpático e escreveu-me a oferecer-se para pesquisar sobre o meu bule no Transferware Collectors Club database, que como sabe é um serviço pago. A sua primeira impressão é que os meninos estão colher lúpulo, "picking hops" na sua expressão.

      Enfim, um mistério.

      É uma pena que não retome o seu blog.

      Bjos

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  7. Ahhhh os bules são um caso a parte, para apaixonar, parecem que vivem, com as cenas em movimento, assim eu sinto. São úteis, belos, enfeitam. E este bule, está mesmo lindo.

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    1. Maria da Gloria

      É verdade. E este bule parece que nos conta uma história qualquer infantil de uns meninos, que saíram da sua casa e foram até floresta colher flores. É uma decoração muito sugestiva.

      A faiança inglesa deste período é muito bonita e interessante.

      Um abraço

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  8. Bom dia Luis
    Tenho um prato com a marca Massarellos Porto no verso marcada e não pintada, com uns motivos juito diferentes de tudo o que tenho visto dessa fabrica. Tem uma paisagem maritima com um barquinho à vela. É porcelana fina. Tem algum ideia de data de fabrico?

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    1. Cacan

      Só pela marca se pode identificar o período em que foi fabricada esta ou aquela peça. Se quiser pode-me enviar imagem da marca por e-mail, que eu lhe tentarei dar o período em que o seu prato foi fabricado.

      Um abraço

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