Descobri esta fotografia da minha mãe em casa da minha irmã, datada de 1950. Teria ela 27 anos. Era bonita. Tinha um tipo muito claro, que ela e os irmãos herdaram da mãe. Ninguém sabe onde foram buscar este ar já do Norte da Europa. Por outro lado, há uma certa tradição não confirmada de que a família descende de judeus. Depois de 1492, os Judeus formaram comunidades muito grandes nas terras de fronteira portuguesa, fugidos às perseguições de Isabel a Católica. Alguns deles mantiveram o judaísmo em segredo até muito tarde. Em meados do Século XX, alguns descendentes destes hebreus, tentaram retomar em Bragança o culto judaico organizado, mas não tiveram grande êxito.
Em todo o caso é quase impossível descobrir antepassados judeus, mesmo que os houvesse. As fontes para as genealogias familiares são os registos paroquiais de baptismo, casamento e morte e esses livros eram mantidos pela Igreja Católica e como tal nenhum Cristão-novo iria assumir a sua verdadeira fé nos actos registados pelos padres nesses livros. Mais, estas comunidades de cripto-judeus, do Distrito de Bragança, de onde a minha mãe é natural, viviam num tal medo, que no momento da morte de um dos seus, chamavam um profissional, o abafadeiro, que matava o moribundo, antes que o padre chegasse para dar a extrema-unção. Com efeito, temiam que o moribundo, nos últimos momentos de delírio, entoasse alguma ladainha judaica, que denunciasse toda a comunidade. Quem dá conta desta prática antiga é Miguel Torga nos novos Contos da montanha, se a memória não me atraiçoa.
Uma amiga, a minha mãe ao centro e do lado direito, a sua irmã, Francisca. Tirada em Vinhais |
Talvez o ar claro da família da minha mãe seja um apanágio das terras frias de Vinhais e Bragança, onde se sente que o Mediterrâneo está muito longe e onde clima frio do Norte aclara a pele e o cabelo.
Quando a minha mãe chegou a Lisboa, pouco depois desta fotografia, empregou-se como educadora de infância num colégio no Estoril. As pessoas viam-na tão clara e tal elegante, que a julgavam francesa, o que na altura era um elogio muito grande, pois tudo o que se relacionava com a França era tido em grande conta.
Talvez desenterrar estas pequenas memórias e fotografias seja uma forma de aligeirar a imagem presente da minha mãe a apagar-se, com uma luz cada vez mais fraca.
A minha mãe em frente ao edifício da Câmara Municipal de Vinhais |