Entre as coisas que trouxe de casa do meu pai após a sua morte estava uma velha caixa de papelão, daquelas em que antigamente as camisas vinham embaladas, cheia de retratos, datados entre os finais do século XIX e os anos 60 do século XX. Nos últimos tempos lancei-me a ela e este trabalho de identificação de fotografias antigas rapidamente torna-se um vício. Também é verdade, que como sou bibliotecário, tornei-me especialista em resolver as charadas, que os alfarrábios, livros truncados e outras raridades bibliográficas sempre levantam.
Entre estas fotografias, encontrei o retrato de um senhor todo engalanado, num uniforme vistoso, cheio de medalhas, datado de 21-7-1897. O retrato foi feito da Photograhia Luso-Brazileira, de António Maria Serra, que ficava na Rua das Chagas, nº 9, em Lisboa. Fiquei muito intrigado sobre quem seria este personagem e que relação teria com a família. Seria um amigo ou um parente, mas de que ramo familiar? Dos Alves, dos Montalvões ou dos Morais Sarmento?
Photograhia Luso-Brazileira, de António Maria Serra, Rua das Chagas, nº 9, em Lisboa. Data 21-7-1897. |
Mas tenho a sorte de ter um irmão, que além de ser um oficial na reforma, sabe muito de história militar e enviei-lhe cópia da fotografia frente e verso para ver se aquele uniforme todo engalanado lhe dizia alguma coisa. A sua resposta foi mais ou menos a seguinte: a farda foi do exército português de um regimento 6 ou 8 (golas da farda), mas o mais importante era a condecoração torre espada (colar), o galardão mais importante das Forças Armadas Portuguesas. Esta Torre Espada seria das campanhas de Moçambique (1875) onde se distinguiram Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Marechal Gomes da Costa (na altura capitão). O meu irmão sublinhou que na época apenas um pequeno grupo de 4 ou 5 oficiais recebera esta condecoração.
A Torre Espada |
Tudo isto aumentou mais a minha curiosidade e coloquei a hipótese de se tratar do General José Celestino da Silva, que nasceu em Vilar de Nantes, nas cercanias de Chaves e que casou com Amélia Augusta Coelho Montalvão, uma prima direita da minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão. Enfim, tudo gente de Chaves e arredores. Contudo, se o General Celestino da Silva foi também condecorado com a Torre de Espada em virtude das suas acções em Timor, nos vários retratos que encontrei dele na net, não assemelha em nada com o senhor retratado nesta fotografia
General Celestino da Silva |
Comecei então a pesquisar, tentando encontrar a lista dos que foram distinguidos por esta condecoração no último quartel do século XIX, até que no motor de busca da Torre do Tombo, o Digitarq encontrei várias fotografias destas insígnias da Torre e Espada, que pertenceram a Mouzinho de Albuquerque e lembrei-me então de procurar retratos antigos deste homem, que tanto ouvi falar nos tempos da escola primária, o herói da batalha de Chaimite, aquele que prendeu Gungunhana.
Colar e comenda da Torre e Espada pertencentes a Mousinho de Albuquerque. Foto Arquivo Nacional da Torre do Tombo |
Ao fim de umas quantas pesquisas no google, encontrei uns retratos de Mouzinho de Albuquerque num blog memorialista da cidade de Lourenço Marques e percebi que o senhor de uniforme engalanado da velha caixa de papelão é efectivamente Mouzinho de Albuquerque!!
Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Delagoa Bay |
Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Delagoa Bay |
Confirmei esta identificação no repositório do Arquivo Científico Tropical onde encontrei mais dois retratos daquele herói ultramarino.
Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Arquivo Científico Tropical |
Não vou aqui explicar, quem foi Mouzinho de Albuquerque (1855-1902), quem quiser saber mais abra a Wikipédia, mas foi um homem extraordinário, que se distinguiu na pacificação e governo de Moçambique. Regressou à metrópole em 1897, a data desta fotografia, onde foi acolhido em glória, condecorado e ainda homenageado em todas as partes do País. Tudo isto faz-me pensar como é que a fotografia veio parar à família. Mouzinho de Albuquerque era da Batalha, do Distrito de Leiria e não tinha nada a ver com Chaves. Poderia ser talvez amigo do General Celestino da Silva, que era flaviense e este último o tenha apresentado a alguém da família Montalvão da qual era parente por parte da mulher, mas não tenho nada que prove qualquer relação entre estes dois militares. Em 1897, data da fotografia, Mouzinho de Albuquerque percorreu o país em apoteose e nessa altura, poderia ter oferecido o seu retrato, a alguém da família Montalvão ou dos Alves. Nesta época, já se começavam a comercializar fotografias de pessoas famosas, por exemplo actores de teatro, ou membros da realeza e não é de excluir a hipótese, que algum dos meus antepassados tenha adquirido esta fotografia porque desejava ter em casa o retrato de um herói nacional, que em África, devolveu aos portugueses o orgulho perdido com a afronta do ultimato inglês de 1890.
Como herdei também o espólio documental da família, talvez encontre uma carta da época, esclarecendo melhor este assunto.
Bem sei que este fotografia que apresento de um herói colonial não é um tema politicamente correcto nos dias de hoje. Mas a história não pode ser apagada com uma borracha e transformada de acordo com as modas contemporâneas e este retrato de Mouzinho de Albuquerque, esquecido numa velha caixa de papelão, que sobreviveu mais de 120 anos, está aqui para prova-lo.
Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque |
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