Já aqui apresentei esta fotografia deliciosa de um grupo musical, composto por meninas da boa sociedade flaviense, tirada mais ou menos por volta de 1900. Entre elas encontram-se a minha bisavó Aninhas, Ana da Conceição de Morais Alves (1881-1974), facilmente reconhecível pelo ar de bonequinha de porcelana e a sua irmã, Maria da Conceição Alves (1876-1956), a tia Marica. Foi através da minha bisavó Aninhas que os Alves se cruzaram com os Montalvões, através do seu casamento com o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, em 28 de Julho de 1903.
Em pé, segurando o que eu penso ser um bandolim, está a minha bisavó Aninhas. Sentada, com o violino a tia Marica |
Ainda a conheci, uma avozinha muito doce, que sempre que a visitávamos, na sua casa de Chaves, nos perguntava sempre quereis bolachinhas e lá se levantava ela para ir nos buscar uma caixa de folha de Flandres onde nos servia umas bolachas, parecidas com as cavacas de Torres Vedras. A tia Marica viveu na juventude um amor contrariado e nunca casou. Segundo a história, que ainda corre na família, enamorou-se por um jovem de condição social inferior à sua, mas como não teve coragem de enfrentar o pai, repudiou-o, e o moço desgostoso fez-se padre e mais tarde tornou-se o célebre monsenhor Manuel Alves da Cunha, que tanta importância teve na cidade de Luanda. Já aqui contei essa história em 15 de Fevereiro de 2010. Deste grupo musical, há mais 4 jovens que eu até agora não identificava e um Senhor mais velho em pé, que certamente foi o mestre, que ensinava estas meninas e dirigia as suas actuações.
Na altura, em que escrevi sobre esta fotografia, acreditava que estas jovens fariam parte de um grupo amador, que animaria as soirées ou as matinées nas casas das boas famílias flavienses. Hoje creio que este grupo seria o Grêmio Musical Flaviense, de que encontrei notícia da sua existência dia 5 de Julho de 1890 no jornal, O povo de Chaves : folha do povo e para o povo e ainda em no ano de 1895, na obra História Moderna e Contemporânea da Vila de Chaves de Júlio M. Machado.
Mas, a identidade das outras 4 donzelas era um mistério para mim, até que ao vasculhar algumas fotografias, que trouxe de casa do meu pai, num núcleo respeitante à família Alves, encontrei um daqueles retratos fantásticos, que só os fotógrafos do passado conseguiam captar. Duas jovens na flor da vida com aquelas roupas complicadas, em voga por volta de 1900, posaram, encostando a cabeça uma na outra e olhando divertidas para a câmara. Reconheci-as quase de imediato com sendo duas das participantes da fotografia de conjunto do grupo musical.
No verso, a foto apresenta uma dedicatória manuscrita às minhas dilectas amigas, como prova de muita amizade, que lhe dedicamos e em recordação dos nossos dias felizes, offerecemos Maria Adelaide Alves Carneiro, Maria José Dias de Carvalho, Chaves, 29-12-901.
Não sei se a ordem com que assinaram corresponde a da foto e Maria Adelaide será a jovem de vestes de cor clara e Maria José a de cores escuras ou se assinaram aleatoriamente. Em todo o caso, é certo que as duas se encontram no retrato de grupo e como os vestidos são iguais, também é certo que as duas fotografias tenham sido feitas no mesmo dia, numa semana ou duas antes 29 de Dezembro de 1901, data em que fotografia foi dedicada às suas amigas, a Aninhas e a Tia Marica.
A Maria José Dias de Carvalho e a Maria Adelaide Alves Carneiro |
Tentei saber um pouco destas duas jovens com ar tão simpático. Se da Maria José Dias de Carvalho não consegui encontrar nada, pois é um nome mais comum, a Maria Adelaide Alves Carneiro casou em 11 de Fevereiro de 1911 com Francisco Gonçalves Carneiro e foi a mãe de dois homens, que muito marcaram a vida de Chaves do século XX, do médico Dr. Mário Carneiro, grande dinamizador das termas daquela cidade e ainda do Dr. Francisco Gonçalves Carneiro, advogado, mas que se dedicou à história e a arqueologia e foi um dos responsáveis pela instalação do Museu da Região Flaviense. O Dr. Mário Carneiro era visita mais ou menos frequente da casa da minha avó Mimi e ainda me recordo vagamente dele, um homem com modos muito suaves. Aliás em Chaves, era conhecido carinhosamente pelo carneirinho.
Desta fotografia dos dias felizes em 1901, falta-me agora conhecer a identidade do mestre e ainda das outras duas jovens, que continuo sem saber quem foram e no que se tornaram. Talvez desse lado do monitor, haja alguém que tenha outra fotografia igual e que nos conte o resto da história.
Bibliografia e links consultados:
Livro de Casamentos, 1901, Arquivo Distrital de vila Real
História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012
O povo de Chaves : folha do povo e para o povo. Chaves : Typographia Flaviense, 1890-1897
Olha que golpe de sorte!
ResponderEliminarAinda bem que conseguiste identificar mais duas pessoas.
A história desta senhora, Maria da Conceição Alves, já na altura em que a contaste, em 2010, foi para mim um choque.
Como, com frases ditas no calor de um momento, a tornaram numa senhora com a felicidade comprometida, tendo sido remetida para uma vida de celibato, e, adivinho, amargurada e incompleta.
E, pela foto, era uma mulher bonita, e que, possivelmente, teria todos os atributos para fazer qualquer lar feliz.
Não só comprometeu a felicidade da sua vida como a de outra pessoa, a que se tornou o Monsenhor Alves da Cunha.
Fico sempre cheio de pena destas histórias de amores contrariados.
Não que os tenha tido, pois tal não me sucedeu, mas adivinha-se a infelicidade que produziu nas duas pessoas envolvidas.
No entanto o objetivo do teu post não era este, mas o teres conseguido encontrar a identidade de mais duas das senhoras da foto. Boa!!!
Pouco a pouco vais tirando do anonimato todas estas pessoas.
Que pena que as pessoas que têm estes documentos em casa, aos quais não ligam nada, os pudessem doar, ou então permitir a sua consulta a quem faz este trabalho de descoberta, como o que estás a fazer.
Afinal, estás a reescrever a história de toda uma sociedade de transição de séculos, num ambiente algo claustrofóbico, como deve ter sido esse, da extremidade norte do país.
Quanto à identidade do senhor da foto, talvez fosse possível descobri-la na consulta da imprensa local da época, pois, se este grupo foi fundado, terá dado concertos que terão feito notícia, e o nome do maestro (?) deveria, quase de certeza, ter sido mencionado.
Os parabéns por mais este desanonimato
Manel
Manel
EliminarEste grupo musical de cordas e as suas actuações certamente que foram noticiados na imprensa flaviense da época. Este tipo de acontecimentos era sempre coberto. Tenho alguns recortes de imprensa, anunciando a chegada dos meus avós de Cabo Verde anos 30.
Em Chaves houve uns quantos jornais, mas só um deles, republicano, se encontra digitalizado.
Chaves, que na altura nem era cidade, mas apenas uma vila, tinha certamente um ambiente claustrofóbico, onde todos se conheciam e tudo se sabia. Mas ao mesmo tempo é uma época de optimismo, que se acreditava no progresso e os cidadãos tentaram por sua própria iniciativa dotar a terra com tudo o que era civilizado, que se fazia em Paris ou Lisboa. O capitalista Cândido Sottomayor ofereceu do seu proprio bolso um jardim público à cidade, com um coreto e tudo. A cidade conseguiu ter um liceu, iluminação e um grupo de pessoas constituiu este grémio musical, que oferecia formação em música e distrações à sociedade. Este retrato de grupo é no fundo um documento ilustrativo desse espírito de progresso numa terra pequena.
A história da Tia Marica e do Monsenhor Alves da Cunha é sem dúvida triste. Foi um daqueles muitos amores contrariados da época. No entanto, como tia solteirona teve uma vida muito activa no Patronato de Vilar de Nantes. Há uns tempos vi uma fotografia desse instituição de caridade, tirada por volta nos anos 40, com a Tia Maricas, as crianças todas, de ambos os sexos, umas auxiliares e ainda uma jovem que sera uma professora. O meu pai recorda-a com muito carinho. Era uma senhora do género da tua irmã, que comprava todas as novidades em aparelhos de cozinha. Por onde andarão esses utensílios de cozinha?
Um abraço
Boa noite,
ResponderEliminarAchei muito interessante esta sua publicação pois devo dizer-,lhe que minha mãe, já falecida, de nome Ana Pereira Alves da Cunha, filha de Adriano Alves da Cunha e este irmão do Monsenhor Alves da Cunha .
Sei muito pouco da família da
minha mãe uma vez que seu pai morreu cefo
Muito obrigado pelo seu comentário. Talvez seja boa altura para fazer um pouco da história da sua família, é uma questão de tentar conversar com os mais velhos, tios, tias e anotar tudo. Descobrem-se sempre coisas interessantes e este Monsenhor Alves da Cunha foi um homem com muitíssimo valor. Um abraço
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