quinta-feira, 2 de março de 2023

Uma jovem bem comportada e uma fotógrafa menos bem comportada: retratos de família

Ana da Conceição de Morais Alves,

Todos aqueles que por aqui me acompanham, sabem que um dos temas recorrentes deste blog são os assuntos de história familiar. Publico fotografias, documentos e cruzo esses dados, com o que subsistiu na memória da família de acontecimentos ocorridos há 100 ou 150 anos. Alguns pensarão que são temas que só interessam à minha família e nem entenderão porque é os divulgo na net. Mas a história de uma família é feita de contactos sociais, profissionais e comerciais através de cartas ou de ainda troca de fotografias. No fundo, a história familiar é também a tentativa de reconstituição de uma rede social de uma região ou de um meio profissional e o seu interesse ultrapassa o mero estudo genealógico.

Precisamente a propósito das fotografias antigas, que aqui tenho publicado, por estes dias, troquei uma série de e-mails com Catarina Miranda, uma investigadora que está a desenvolver um projecto sobre uma mulher fotógrafa, uma tal Ana Maria Magalhães Rodrigues, activa na zona de Chaves nos finais do século XIX e inícios do século XX. Fiquei muito curioso, porque enfim, uma mulher fotógrafa era coisa rara. Naqueles tempos não havia muitas profissões sérias que uma mulher burguesa pudesse exercer para além de modista, capelista, chapeleira, professora primária e pouco mais.

Fui então verificar se nos álbuns carte-de-visite do meu trisavô e bisavô existiria algum retrato feito por Ana Maria Magalhães Rodrigues (1869-1937), mas nada encontrei. Contudo, tenho algumas provas em papel de outros retratos de família antigos, impressas a partir de um CD, com fotografias feitas pelo meu irmão sobre retratos antigos, que há cerca de vinte anos ou mais estariam em casa da minha tia Natália. E com efeito, descobri um retrato da minha bisavó Aninhas, muito jovem, cuja prova está marcada A. Rodrigues!

Ana da Conceição de Morais Alves. Fotografia A. Rodrigues


Pela indumentária e também por aquele ar de quem ainda espera tudo da vida, sempre achei que esta fotografia tinha sido tirada antes do seu casamento com o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, em 28 de Julho de 1903. A minha bisavó, Ana da Conceição de Morais Alves, nasceu em 28 de Maio de 1881 e neste retrato teria à volta de uns vinte anos. É certo, que sempre teve um certo ar de bonequinha de porcelana, que a fazia parecer mais nova.

Foto retirada de Ana Magalhães Rodrigues (1869-1937): a descoberta de uma fotógrafa portuguesa. / Nuno Resende. 2002


Consultei alguma informação disponível na net sobre esta fotógrafa Ana Maria Magalhães Rodrigues, e a sua actividade em Chaves está documentada precisamente a partir de 1903, através de um anúncio de jornal O Flaviense, de que se encontra em Chaves a conhecida fotografa Anna Magalhães Rodrigues, tendo montado o seu atelier, na rua da cadeia, nº 44, aonde todas as pessoas, que desejem utilisar-se dos seus serviços podem procura-la.. A minha bisavó nasceu e foi criada em Chaves e é pois natural que tivesse mandado fazer o seu retrato em 1903 no atelier da Ana Magalhães Rodrigues, quem sabe até se não seria para oferecer ao seu noivo, o José Maria Ferreira Montalvão, com quem casou nesse ano.

Confesso que esta hipótese é a que agrada mais, o retrato da minha bisavó Aninhas, ter sido tirado, pela Ana Magalhães Rodrigues, indiscutivelmente uma mulher à frende do seu tempo, bonita e com uma vida aventurosa. Foi modista, fotógrafa, andou pelo Brasil, casou duas vezes e tinha licença de porte de armas!

Ana Magalhães Rodrigues era uma mulher bonita. Foto retirada de http://cochinilha.blogspot.com/2011/11/anna.html 


Contudo Ana Magalhães Rodrigues, antes de ter instalado o seu atelier em Chaves, na antiga rua da Cadeia, hoje rua Bispo Idácio, esteve em Pedras Salgadas com o seu marido, Augusto Rodrigues, também fotógrafo, de cujo trabalho há notícia nessa zona antes de 1900, nomeadamente o retrato de uma criança, assinado A. Rodrigues. Aliás terá sido com este marido com quem Ana Maria terá aprendido o mester da fotografia. Divorciaram-se em 1900 e em 1903, Ana Maria encontrava-se a trabalhar em Chaves onde ficou até 1907.

Em suma a fotografia da minha bisavó poderá ter sido feita em Chaves, em 1903, no atelier da Ana Magalhães Rodrigues, ou então em Pedras Salgadas ou Vidago, em 1900 ou um pouco antes por Augusto Rodrigues.

O meu trisavô Francisco Luís Alves, referido na imprensa flaviense como um capitalista

O meu trisavô, o Francisco Luís Alves era um homem abastado, um capitalista, como é referido na imprensa flaviense e era natural, que levasse a família passear a Pedras Salgadas ou a Vidago, estâncias termais, onde já existia um ambiente mundano e numa tarde tivesse aí mandado fazer um retrato da sua jovem filha casadoira no estúdio de Augusto Rodrigues, por volta de 1889 ou 1900.

A única forma de eu resolver esta dúvida e seria poder examinar o verso da fotografia, para ver se contém alguma dedicatória datada, ou impresso por extenso o nome do autor do retrato. Mas não sei do paradeiro do original desta fotografia e fica o problema por resolver.

Em todo o caso, tudo isto serviu-me para conhecer a existência da bela Ana Magalhães Rodrigues e certamente a minha bisavó ter-se-á cruzado muitas vezes com ela nas ruas de Chaves ou Vidago ou ainda em Vilar de Nantes, onde a fotógrafa se retirou, e onde a irmã da minha bisavó, a Maria da Conceição Alves dirigia o patronato de S. José para crianças pobres.

Ana da Conceição de Morais Alves


Ligações consultadas;

Ana Magalhães Rodrigues (1869-1937): a descoberta de uma fotógrafa portuguesa. / Nuno Resende. 2002

Manuscrito não publicado (preparado para submissão). Disponível em https://www.researchgate.net/



E um agradecimento especial a Catarina Miranda

14 comentários:

  1. Sempre um fascínio lêr as suas ‘histórias” 😊⭐️

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    1. Muito obrigado pelo comentário. Fico sempre contente por saber que o escrevo dá prazer a quem está do outra lado do monitor.

      Um abraço

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  2. hoje realmente um tesouro que revelas , parece que as fotografias dizem que onde estiverem não se esqueçam de mim.

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    1. António

      Neste início do século XX a fotografia ainda era cara e reservada a ocasiões especiais. As pessoas vestiam as melhores roupas, posavam longamente, depois seleccionariam as provas e finalmente teriam as fotografias. Eram retratos para a vida e para continuarem depois da morte delas. Hoje em dia, a fotografia banalizou-se a tal ponto, que já não ligamos nada. Se for preciso, através do telemóvel, num dia só recebemos 10 ou 15 fotografias da mesma pessoa e claro, apagamos tudo.

      Por outro lado, nestas fotografias, pelas quais passaram mais de 120 anos, de que já sabemos muito pouco, sentimos que ali há um conjunto de histórias, que nos escapa e isso torna-as fascinantes. Neste blog, tento muito vezes adivinhar essas histórias que estão por detrás dos retratos, através do recurso a tradições familiares, documentos ou de comparação com outras fotografias.

      Um grande abraço

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  3. Realmente esta senhora que se dedicou à fotografia, era muito bonita.
    Tem ar de ter sido uma pessoa de génio à flor da pele, apaixonada e curiosa.
    Lá estou eu a tergiversar a partir de uma imagem de uma pessoa que nunca conheci, e nunca terei hipótese de o fazer agora, claro!
    Mas ter uma mulher a dedicar-se à fotografia nos finais do XIX, inícios do XX, era porque era de génio forte, curiosa e cheia de vontade de aprender. A fotografia não era para o mundo feminino.
    Esta tua bisavó era uma mulher bonita, no entanto, a irmã dela (que apresentaste num post anterior, e que voltarás a mencionar no post seguinte) não o era menos, com um ar mais dramático e profundo.
    Duas irmãs destinadas a futuros tão díspares!!!!
    Manel

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    1. Manel

      Com efeito esta Ana Magalhães Rodrigues era uma mulher bonita, com um tipo muito português e adivinhamos nela uma forte personalidade. O texto de Nuno Resende, que aqui cito, conta alguma coisa do percurso desta mulher, mas ficamos com vontade de saber mais.

      Um abraço

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    1. Jorge

      Todas as famílias têm boas histórias para contar, ou pelo menos podemos reconstituir algumas delas com alguma paciência.

      Um grande abraço

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  5. Que interessante. Obrigada e bom dia! (Margarida Elias)

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    1. Margarida

      Muito obrigado e votos de um bom Domingo.

      Um abraço

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Caro Nuno Resende

      Antes de mais nada, queria felicita-lo pelo excelente texto que escreveu, que foi tão útil neste post. Nos últimos tempos, por via da história familiar tenho-me dedicado um pouco ao retrato fotográfico e não há muita informação on-line e o seu texto foi importante para mim.

      Também estou mais convencido que o retrato será do Augusto Rodrigues, até porque a minha bisavó parece-me ainda muito novinha. Talvez com menos de vinte anos.

      Em todo o caso, achei que este retrato era uma boa oportunidade de referir a Ana Magalhães Rodrigues e também uma forma de alertar as pessoas, que ainda tem as velhas colecções de retratos de família, para o valor patrimonial das mesmas.

      Um bem haja para si e pelo excelente trabalho que fez

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